Duas semanas após
derrubar, na Câmara, a denúncia que o acusava de organização criminosa e
obstrução à Justiça, o presidente Michel Temer decidiu trocar o chefe da
Polícia Federal (PF). O delegado escolhido pelo presidente para assumir a
corporação, que centraliza as investigações da Operação LavaJato, é Fernando
Segóvia. Ele era o candidato favorito da base aliada de Temer para ocupar o
posto de Leandro Daiello, mais longevo diretorgeral da PF, que comandava a
instituição desde 2011.
A “campanha”
pró-Segóvia foi articulada no entorno de Temer pelo chefe da Casa Civil,
ministro Eliseu Padilha, e pelo ministro do Tribunal de Contas da União (TCU)
Augusto Nardes — ambos alvos de delações premiadas no âmbito da Lava-Jato.
Nardes teria levado o nome do delegado a Padilha, que teria virado, dentro do
governo, o grande defensor da mudança. O nome de Segóvia contou ainda com a
simpatia e o aval de figuras próximas a Temer, como o expresidente José Sarney
e o subchefe de assuntos jurídicos da Casa Civil, Gustavo Rocha.
A nomeação
evidenciou uma derrota do ministro da Justiça, Torquato Jardim, que, há menos
de dois meses, havia acertado com o então diretorgeral da PF, Leandro Daiello,
que ele permaneceria no cargo até o fim do governo. O candidato apoiado por
Daiello para sucedê-lo era o diretor-executivo da corporação, Rogério Galloro.
O nome dele chegou até a mesa do presidente, mas enfrentou forte resistência da
classe política que apoiava Segóvia. Tentando conter a pressão dos aliados do
presidente, o ministro da Justiça combinou com Daiello que ele permaneceria no
comando da corporação.
No entanto, após
seguidas conversas, Torquato acabou cedendo à pressão no fim da semana passada.
Ontem, o ministro finalmente levou Segóvia ao gabinete presidencial para
apresentá-lo formalmente ao presidente da República. Horas depois, o ministro
da Justiça fez questão de divulgar nota na qual deixou claro que “o senhor
presidente da República escolheu nomear o delegado Fernando Segóvia”, ou seja,
que a opção não era do ministério que comanda a PF.
PRESSÃO APÓS O
BUNKER DE R$ 51 MILHÕES
Na avaliação da
atual cúpula da PF, Temer não fez a troca de chefia antes porque queria
aguardar a votação da segunda denúncia contra ele na Câmara. A pressão do PMDB
para substituir o comando da PF aumentou após a ação da corporação que resultou
na descoberta do “bunker” do ex-ministro e hoje presidiário Geddel Vieira Lima,
com R$ 51 milhões em espécie.
Interlocutores de
Padilha relataram que, após o episódio, ele insistiu com Temer sobre a necessidade
de colocar na PF alguém com um perfil “mais aberto à classe política” e
diferente da atual gestão, defendendo o nome de Segóvia.
Outro motivo que
precipitou a saída de Leandro Daiello foi a irritação do Palácio do Planalto
com o vazamento de um relatório da PF sobre a investigação do “quadrilhão do
PMDB”, inquérito que serviu de base para a segunda denúncia contra Temer,
Padilha e o ministro Moreira Franco (Secretaria-Geral).
Em entrevista à
GloboNews, Segóvia disse que vai dar continuidade “ao belíssimo trabalho de
Leandro Daiello à frente da PF”, prometeu “ampliar” as atividades da Lava-Jato
e a parceria com a Procuradoria-Geral da República. Há quase sete anos na
diretoriageral da PF, Daiello foi o nome que ocupou o posto por mais tempo
desde a redemocratização.
— Agora o que me
resta é continuar o trabalho dele (Leandro Daiello). Tenho muito trabalho pela
frente — disse Segóvia.
No fim do dia,
Daiello e Segóvia fizeram uma reunião para tratar da transição administrativa
que acontecerá até a posse, marcada para o próximo dia 20. Segundo pessoas que
participaram da reunião, o clima do encontro foi amistoso.
Não é só o grupo de
Daiello que vê a nomeação de Segóvia como um ato de grande influência política.
Nos bastidores, a Associação dos Delegados da Polícia Federal (ADPF) faz a
mesma avaliação. A associação não apoiava Daiello e chegou a fazer uma lista
com nomes de delegados para ocupar o cargo.
No entanto, passou
a apoiar que o atual chefe permanecesse à frente da corporação até o fim do
governo Temer após tomar conhecimento da mobilização dos políticos para nomear
Segóvia.
Apontado como o
responsável por levar o nome de Segóvia a Padilha, Augusto Nardes disse ao
GLOBO que conhece o novo chefe da PF, que estreitou as relações com ele há dois
meses e que Segóvia fará “um bom trabalho” como diretor-geral. Nardes nega,
porém, ter atuado para emplacar o delegado no cargo.
— Eu conheço ele
(Segóvia), mas não participei da indicação. Sei que ele foi indicado por cinco
instituições, sei que é um bom profissional, tive um contato com ele. É um bom
profissional, uma boa escolha. Vai fazer um bom trabalho, mas não indiquei ele,
não. Quem indicou foram as instituições, junto com mais dois nomes aí. Nunca
toquei nesse assunto — afirmou o ministro do Tribunal de Contas da União.
(Colaborou Vinicius Sassine)
Da Raposa Serra do Sol às armas, um negociador
Novo chefe da Polícia Federal fez a corporação
assimilar o Estatuto do Desarmamento e, durante a crise entre tribos e
fazendeiros, comandou parte da desocupação da maior reserva indígena do país
No início da década
passada, o delegado Fernando Segóvia foi chamado para uma missão espinhosa:
vencer resistências internas e adequar a Polícia Federal (PF) às novas regras
do então recém-aprovado Estatuto do Desarmamento. Em pouco tempo, a polícia
assimilou as exigências e até passou a defender o estatuto, o que era
considerado impensável.
A experiência
projetou Segóvia como negociador e abriu caminho para a ascensão que, agora,
resultou na indicação dele para o cargo de diretor-geral da PF. Formado em
Direito pela Universidade de Brasília (UnB), Segóvia está na polícia há 22
anos. Depois de estruturar o Sistema Nacional de Armas (Sinarm), ele esteve à
frente de outras tarefas igualmente complicadas.
Numa delas, o delegado
foi convocado para comandar parte da desocupação da reserva indígena Raposa
Serra do Sol, em Roraima, e evitar um banho de sangue entre índios e
fazendeiros. Na época, arrozeiros se recusavam a deixar a maior terra indígena
do país. Depois de enfrentar bloqueios de pontes, incêndios e outros ataques
típicos de guerrilha, a polícia concluiu a operação com sucesso. Segóvia saiu
de lá festejado pelos índios.
— Ele tem
experiência com índios, armas, vários temas. Tenho uma boa impressão dele —
conta o ex-diretor-geral da PF Paulo Lacerda, que comandou a instituição no
primeiro governo Lula.
Já em 2013, Segóvia
foi chamado para integrar uma comissão de delegados e procuradores encarregada
de definir um anteprojeto sobre o papel do Ministério Público Federal (MPF) em
investigações criminais. A proposta não foi adiante. O Congresso rejeitou a PEC
37, que excluía procuradores e promotores das investigações criminais como
pleiteava a PF.
Apesar de ter feito
declarações defendendo a aprovação da PEC, que limitava os poderes de
investigação do MP, Segóvia conseguiu manter boas relações com procuradores, um
sinal de seu perfil diplomático.
— Ele tem muita
capacidade de diálogo. É sensato, ponderado. Tem liderança dentro da polícia.
Será um bom diretor — diz o delegado Reinaldo de Almeida César que, nos últimos
anos, rivalizava com Segóvia o favoritismo para o cargo.
Casado com uma
escrivã, o delegado mantém boas relações com agentes, escrivães e
papiloscopistas. Para colegas de instituição, pode ser um capital político
importante em função da tensa relação entre delegados e as demais categorias na
PF. Segóvia mantém também boas relações com Alexandre Camanho, principal
auxiliar da procuradorageral, Raquel Dodge. Para delegados, essa pode ser uma
ponte para melhorar as relações entre Ministério Público e PF.
INDICIAMENTO DE
FILHO DE SARNEY
Segóvia chega ao
comando da PF após acumular experiência em alguns dos mais importantes cargos
da instituição. Em 22 anos de carreira, ele já foi vicecorregedor - geral, coordenador
de Defesa Institucional, superintendente no Maranhão e adido na África do Sul.
Ex-dirigente da
Associação dos Delegados da PF, Segóvia disputou a presidência da entidade com
Marcos Leôncio, mas acabou sendo derrotado.
Aliados de Segóvia
tentavam ontem negar as informações de que ele teria sido apadrinhado por
políticos para chegar ao posto de comando. Entre os que apoiaram sua escolha
estava o ex-presidente José Sarney, mas policiais ligados a Segóvia dizem que
no período em que ele comandava a Superintendência no Maranhão que a PF
indiciou o empresário Fernando Sarney, um dos filhos do ex-presidente, por
Corrupção e outros crimes.
Por BELA MEGALE, em O Globo
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