Após sete meses de escavações, foi encontrado o primeiro esqueleto
inteiro no Cemitério dos Pretos Novos, sítio arqueológico descoberto em 1996 na
região portuária do Rio de Janeiro. No local, onde hoje funciona o Instituto de
Pesquisa e Memória dos Pretos Novos (IPN), eram jogados os corpos dos africanos
escravizados que morriam na travessia marítima para o Brasil.
As escavações ocorreram em uma área de 2 metros quadrados (m2) de um dos
poços de observação do cemitério. O trabalho foi coordenado pelo arqueólogo
Reinaldo Tavares, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Os pesquisadores identificaram que a ossada é de uma mulher que morreu com
aproximadamente 20 anos, no início do século 19, portanto, há cerca de 200
anos. O esqueleto encontrado no Cemitério dos Pretos Novos recebeu o nome de
Josefina Bakhita, em homenagem à primeira santa africana da Igreja Católica.
Tavares explica que o fato de ser uma mulher é surpreendente, pois
apenas 9% dos africanos escravizados trazidos para trabalharem no Brasil eram
do sexo feminino. Ele destaca que a posição em que ela foi encontrada,
entrelaçada a outros restos mortais, comprova a forma desumana com que os africanos
eram tratados. Os corpos eram empilhados e queimados sem proteção, cuidado ou
respeito. “O indivíduo passa a contar a sua história. Não são somente ossos
esparsos e quebrados, como até então havíamos encontrado. Agora estamos
encontrando os indivíduos. Isso é muito importante, porque, pela primeira vez,
estamos encontrando os africanos que chegaram ao Rio de Janeiro”.
O cemitério funcionou entre 1769 e
1830, quando foi desativado, e ficou escondido até 1996, quando a proprietária
da casa construída sobre ele, Merced Guimarães, encontrou restos mortais
durante uma reforma no imóvel. “No início a gente achou que eram pessoas da
casa que haviam sido enterradas ali. Aí a gente ficou pensando [no que fazer] e
fomos até o Centro Cultural José Bonifácio [municipal, dedicado à preservação
da cultura afro-brasileira]. Lá eles falaram que aqui era o antigo cemitério
dos escravos”.
A descoberta ocorre às vésperas da
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco)
anunciar se o Cais do Valongo, também na região portuária do Rio, por onde se
estima que tenham desembarcado no país cerca de 1 milhão de africanos
escravizados, receberá o título de Patrimônio Mundial. O anúncio está previsto
para ser feito no dia 7 ou 8 de julho. O local já é registrado como sítio
arqueológico nacional pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Verba
Apesar de ser um dos principais
pontos históricos relacionados à história da diáspora africana, o trabalho do
instituto está ameaçado pela falta de verbas. De acordo com Merced, que dirige
a entidade, o aporte de R$100 mil solicitado à prefeitura foi negado. “Aqui tem
que ter uma verba de custeio, a prefeitura não tem isso, a não ser por lei.
Quando passar de agosto, não sei se a gente vai conseguir manter isso aqui
aberto. Se não for o tempo todo, vamos abrir pelo menos algum dia da semana. E
sem luz”.
De acordo com a Secretaria Municipal
de Cultural, o IPN recebia verba da Companhia de Desenvolvimento Urbano da
Região do Porto do Rio de Janeiro (Cdurp), mas o acordo de repasse venceu em
março. A secretaria informa que, por enquanto, não há orçamento destinado ao
instituto, mas que isso será resolvido em breve com auxílio da prefeitura.
Também será oferecida consultoria para que o espaço se torne autossustentável.
Além disso, a secretaria explica que
o IPN tem recebido apoio e suporte da pasta para, por exemplo impressão de
material e realização de atividades no Centro Cultural José Bonifácio. O IPN
também está envolvido no projeto de territorialidade do Museu da Escravidão e da Liberdade, a ser implantado na região portuária. A secretária de
Cultura, Nilcemar Nogueira, falou sobre o projeto do museu na semana passada.
Por Akemi Nitahara, da Agência
Brasil
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