Deltan Dallagnol, do MPF-PR: a Lava-Jato não garante uma mudança permanente (Heuler Andrey/AFP) |
Para Deltan Dallagnol, coordenador da
força-tarefa da Operação Lava-Jato, a impunidade ainda é a regra no país
O procurador Deltan Dallagnol, coordenador da
força-tarefa da Operação Lava-Jato no Ministério Público Federal em Curitiba, acredita
que é errada a ideia de que a investigação será um ponto de virada na política
e nas empresas que fazem negócios com o governo. Para ele, a operação sozinha
não será capaz de realizar uma mudança tão profunda como essa. Em dois
encontros com a reportagem de EXAME, um em Curitiba e outro em São Paulo, onde
ele estava para o lançamento de seu livro A Luta Contra a Corrupção, Dallagnol
disse que a Lava-Jato ainda é uma exceção no país e que a maioria dos crimes de
corrupção continua impune. Para ele, somente uma mudança mais profunda nos
sistemas político e eleitoral será capaz de evitar outros escândalos da mesma
dimensão. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Exame – Por que a Lava-Jato conseguiu condenar os acusados de
corrupção, ao contrário de outras operações semelhantes antes dela?
Dallagnol – Por causa das prisões preventivas e temporárias. No
caso da Lava-Jato, os crimes eram recentes e existiam razões para a prisão dos
investigados por causa do risco de uma repetição dos crimes. Quando um
investigado é preso preventivamente, existem prazos a ser cumpridos e depois a
pessoa é solta. Portanto, todos os procuradores da força-tarefa precisam
priorizar aquele caso. Isso fez com que as condenações saíssem de forma mais
rápida.
Exame – Na sua opinião, a Lava-Jato já produziu algum avanço
institucional no Brasil?
Dallagnol – Sim, mas os avanços significativos vieram do
Judiciário. Foram basicamente dois: a proibição do financiamento empresarial
das campanhas eleitorais e a possibilidade de execução da pena após a
confirmação da condenação criminal em segunda instância. É possível ainda que
haja um terceiro grande passo, por meio de uma decisão do Supremo Tribunal
Federal de reduzir o foro privilegiado ao mandato vigente dos políticos [a
votação do STF foi suspensa em 1o de junho depois de o ministro Alexandre de
Moraes pedir vista do processo — quatro dos 11 ministros votaram a favor da
restrição].
Exame – Se a limitação for aprovada, qual será o impacto?
Dallagnol – Pode ajudar em novas investigações. É só chegarmos
às eleições seguintes e todos os políticos perdem automaticamente o foro se
tiverem praticado crime no mandato anterior.
Na Lava-Jato, a maioria dos crimes com foro foi praticada em mandatos
anteriores e poderia ser julgada em primeira instância.
Exame – Quais outros problemas barram as investigações?
Dallagnol – O principal é a lentidão do sistema judiciário.
Essa ineficiência gera um sistema prescricional, que, em razão da demora nos
processos, acaba favorecendo a impunidade. Além disso, as penas relativas aos
casos de corrupção são baixas, e não raro o réu é solto depois de cumprir 25%
da pena. Por exemplo, personagens centrais do mensalão, como José Dirceu,
Valdemar da Costa Neto e Pedro Henry, tiveram penas de pouco mais de sete anos
de prisão. Um ano depois já começaram a cumprir prisão domiciliar. Dois anos
depois já estavam indultados. É um sistema que coloca os direitos da sociedade
em segundo plano e o dos indivíduos em primeiro.
Exame – Fora do Judiciário, houve algum progresso?
Dallagnol – Infelizmente, não, especialmente no Legislativo. O
Congresso não deu nenhuma resposta significativa para combater a corrupção. É
pena, porque é no Congresso onde de fato se podem fazer as mudanças de maior
impacto. Se a sociedade quer que o Ministério Público, a Polícia Federal e o
Judiciário cheguem ao andar mais alto do arranha-céu dos criminosos — as
pessoas que estão na elite política e econômica e que decidiram usar seu poder
em proveito próprio —, é preciso ter instituições fortes e instrumentos
adequados de investigação.
Exame – Então é errada a ideia de que a Operação Lava-Jato é um
ponto de virada para o Brasil?
Dallagnol – Sim, é errada. A Lava-Jato é um passo necessário,
mas ela não é suficiente para garantir uma mudança permanente no combate à
corrupção no Brasil. Em primeiro lugar, porque a Lava-Jato ainda é um ponto
fora da curva no que se refere à impunidade. Em segundo, porque existem muitos
estímulos à corrupção dentro do sistema político, e eles devem ser corrigidos.
Exame – Que tipo de estímulos são esses?
Dallagnol – Um deles é o número astronômico de candidatos. Eles
concorrem entre si dentro dos partidos e em seus estados. Para despontar,
precisam de um volume de recursos muito elevado. Há uma seleção natural. Os
candidatos com mais dinheiro para bancar as campanhas, incluindo os que têm
mais caixa dois e propina, são os mais favorecidos. É possível que nós só
elejamos aqueles que praticam crimes. Precisamos fazer com que os políticos
sérios não sejam empurrados ou incentivados a praticar a corrupção.
Exame – Sem uma reforma eleitoral e política não seria possível
garantir o avanço feito até agora?
Dallagnol – Sim, esse é o grande ponto. A Lava-Jato fez um
diagnóstico do problema, mas ela sozinha não será suficiente para trazer
mudanças estruturais. O lado bom é a mudança que vem sendo provocada na
sociedade. Um renomado professor de direito me disse uma vez que, na
perspectiva dele, a Lava-Jato deixou de ser um processo com um número
específico de casos judiciais para se tornar um novo exemplo de atitude para
uma nova geração. Uma geração que quer usar a Constituição e as leis de modo
inovador para proteger a -sociedade contra a corrupção.
Por Filipe Serrano, na revista Exame