Juntos, os acervos
dos palácios do Planalto e do Alvorada devem contabilizar pouco mais de 300
obras. Antônio Lessa, responsável pela Diretoria de Documentação Histórica da
Presidência da República, não sabe ao certo porque um inventário preciso,
segundo ele, nunca foi feito pela própria Presidência. Em 2009, no entanto, um
levantamento foi realizado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, o Iphan. O trabalho, coordenado, na época, pelo curador Rogério
Carvalho, é tido pela atual diretoria como inexato. Carvalho diz que foi um
inventário exaustivo com fotos e catalogação das obras dos dois palácios.
'O Tribunal de
Contas da União nos pediu uma grande auditoria do patrimônio e isso está sendo
feito agora', explica Lessa. 'A atual comissão de inventário tomará inclusive
informações do primeiro inventário do Iphan.' Nessa auditoria, no entanto, deve
entrar todo o patrimônio da presidência, e não apenas as obras de arte. Parte
das obras que decoram os dois palácios sempre puderam ser apreciadas pelo
público em visitas guiadas, mas, desde março de 2016, a visitação ao Alvorada
foi suspensa por causa das manifestações durante o impeachment de Dilma
Rousseff. O Planalto recebe, aos domingos, grupos de até 250 pessoas. Lessa diz
que trabalha pela volta do programa de visitas públicas no Palácio do Alvorada.
Lá estão obras que
pertencem ao Estado brasileiro e, portanto, a você, leitor, e visitá-las é uma
forma de fiscalizar se estão sendo bem tratadas. O Correio esteve nos dois
palácios, que recentemente foram alvos de polêmica quando o Museu Nacional de
Belas Artes do Rio de Janeiro (MNBA) solicitou de volta um lote de 48 obras que
integravam a ambientação dos locais. Boa parte delas estavam ali desde os anos
1960 e foram escolhidas por Anna Maria Niemeyer e Oscar Niemeyer. Eram,
portanto, um patrimônio cultural brasiliense, da capital da República.
O MNBA alegou que
precisavam de restauro, embora um laudo técnico do próprio museu, datado de
2014, constate que algumas das obras, como Paisagem: revoada de pombos, de
Eliseu Visconti, esteja em 'bom estado de conservação'.
O laudo técnico da
pintura Trecho do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, de Alberto da Veiga
Guignard, e de uma tela de Arcângelo Ianelli, ambas devolvidas ao museu
carioca, fala em 'abrasão e pequenas perdas', aponta o curador Rogério
Carvalho. 'O laudo técnico diz que as obras estão em bom estado de conservação.
Isso não pode ser mexido. É um laudo de uma técnica do museu. (Não ter
restaurador) é uma falha da presidência, sim, mas não é justificativa pra lá e
pegar tudo. Há centenas na reserva técnica do MNBA com o mesmo problema, por
isso não estão expostos. É normal.'
Boa parte das obras
de arte e do mobiliário que estão nos palácios chegou à presidência cedida por
instituições como o MNBA e o Museu do Banco Central, mas também há doações e
compras.
Palácio do Alvorada
Em um vão contínuo
que se divide em vários salões, de frente para a piscina à beira da qual
repousam as Iaras, de Alfredo Ceschiatti; e Rito dos ritmos, de Maria Martins,
estão as obras mais interessantes do acervo da Presidência da República. As
condições ambientais não são as melhores — o sol incide durante todo o dia, a
luminosidade é alta, o calor, intenso, e a variação de umidade, constante —, o
que levou algumas obras a sofrerem com a exposição.
No Salão Nobre,
repousam duas pinturas de Cândido Portinari da série Cenas brasileiras.
Jangadas do Nordeste e Os seringueiros foram pintadas em 1954 e cedidas ao
palácio pelo Banco Central, depositário das obras. As duas telas já apresentam
sinais de deterioração por causa das condições climáticas, e Antonio Lessa
cogita substituí-las por réplicas para que possam ser restauradas. As réplicas,
ele garante, já existem e foram feitas para substituir as duas pinturas do Alvorada
em uma exposição que comemorou o centenário do artista, em 2003.
Nesta área também
estão Morena e Saindo do banho, de Victor Brecheret, esculturas que pertenciam
ao Ministério da Cultura. As esculturas Outono e Inverno, de Alfredo
Ceschiatti, também integram o ambiente. Os sofás em cor telha escolhidos por
Anna Maria Niemeyer nos anos 1960 foram substituídos por móveis brancos na
gestão do presidente Michel Temer. Para Rogério Carvalho, a troca
descaracteriza a ambientação.
Antes de entrar na
biblioteca, a tapeçaria Múmias, de Emiliano Di Cavalcanti, dá as boas vindas em
uma composição modernista. A obra está amarelada por conta do sol que incide na
parede. As cores vibrantes escolhidas por Di empalideceram e Lessa teme que a
retirada leve a tapeçaria a se partir em pedaços. “Estamos pesquisando
restauradores”, garante.
Na biblioteca
montada por Carlos Drummond de Andrade, Antonio Houaiss e Manuel Bandeira,
outra tapeçaria de Di Cavalcanti, Músicos, aparenta bom estado de conservação.
No Salão de Estado fica Fachada oval, de Alfredo Volpi, e outra bela tapeçaria,
Flora e fauna da Bahia, de Kennedy Bahia, homenagem do engenheiro chileno que
se encantou com o Brasil e foi pioneiro da tapeçaria moderna.
Na Sala de
Banquete, o destaque são as duas tapeçarias de Concessa Colaço, uma delas
intitulada Árvore da vida. Concessa é filha de Madeleine Colaço, uma marroquina
que aprendeu a fazer tapeçaria no Marrocos, casou com um português, veio para o
Brasil em pleno modernismo e inventou o “ponto brasileiro”, uma mistura de
técnicas marroquinas com o arraiolo.
O mobiliário do
Alvorada também é um espetáculo à parte. Duas poltronas marquesas de Oscar
Niemeyer fazem parte da ambientação. Uma delas foi retirada e aguarda o
restauro da palhinha, que está rasgada. Cadeiras de Mies Van Der Rohe, como a
barcelona, e de Charles Eames também compõem o mobiliário, além de tapetes
orientais e vasos marajoaras. Antonio Lessa explica que algumas das barcelonas
do Alvorada são falsas e teriam sido adquiridas durante a presidência de
Fernando Collor de Mello, mas somente o inventário poderá confirmar a suspeita.
Palácio do Planalto
O Planalto reúne
alguns dos melhores nomes da arte e do mobiliário brasileiros e boa parte desse
acervo pode ser visto durante as visitas semanais que têm início pelo térreo e
se encerram no terceiro andar. Logo à entrada do salão do terceiro andar há um
relógio com máquina de Balthazar Martinot e ebanesteria de Charles Boulle, dois
franceses que circularam pela corte de Luis 14 e trabalharam para o Rei Sol.
Antonio Lessa não
sabe dizer como a peça chegou ao acervo da Presidência. “Mas imagino que tenha
vindo com a Família Real porque tem um gêmeo dele em Versailles”, garante. No
centro da peça, o desenho de um sol remete ao rei francês. Ao lado está Vênus,
de Milton Dacosta, que substituiu uma pintura de Arcângelo Ianelli, devolvida
ao MNBA. No lugar de Trecho do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, de Alberto da
Veiga Guignard, ficou uma pintura de Alfredo Volpi.
Duas ânforas
japonesas do século 19 compõem a ambientação próxima à janela e no salão estão
móveis de Sérgio Rodrigues e Joaquim Tenreiro. Um vaso cuja origem Lessa
acredita ser chinesa, do século 15 ou 16, marca o ambiente com uma pintura das
cerejeiras em flor que lembram a azulejaria portuguesa.
Uma pintura do
brasiliense Taigo Meireles intitulada Altar e inspirada no barroco brasileiro
também está no salão, que tem ainda As mulatas, de Di Cavalcanti. O quadro de
1962 é, segundo Lessa, emblemático da obra do pintor.
No gabinete
presidencial, que não é aberto à visitação, fica um painel de Djanira da Mota e
Silva. Interior do Brasil (1962) mostra colhedores de banana e pescadores,
temas populares comuns na pintura naif da artista. O quarto andar, também fechado
ao público, tem uma galeria de artistas ilustres com obras de nomes como
Samico, Clóvis Graciano, Athos Bulcão, Maria Bonomi e Fayga Ostrower.
No segundo andar,
no Salão Oeste, fica o famoso painel de Burle Marx. “É um dos que está em
melhor estado de conservação”, avisa Lessa. Mesmo assim, é inevitável que o
painel tome o sol da manhã. A sala costuma ser usada para eventos.
Outra pintura de
Djanira, Orixás (1962), pode ser vista pelos visitantes no segundo andar. Lá
também estão duas pinturas sobre papel do espanhol Joan Miró. Elas ficam longe
da vista do público, no hall da Sala do Conselho Supremo, e não se sabe ao
certo como chegaram ao acervo da Presidência. Provavelmente, foram presentes de
chefes de estado durante visitas oficiais.
Nahima Maciel, no
Correio Braziliense