Um ex-morador de
rua do Distrito Federal trocou o chão frio da Rodoviária do Plano Piloto, no
centro de Brasília, pelo calor das bibliotecas da cidade. Com o sonho de fazer
faculdade, Walisson dos Reis Pereira, 30, voltou a estudar, abandonou as ruas,
fez o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio e passou no curso de direito de uma
universidade particular. Hoje, no oitavo semestre da graduação, ele trabalha
como estagiário da Casa Civil, no Governo do Distrito Federal.
Nascido no interior
de Minas Gerais, o estudante foi criado pelos avós até os 18 anos e não chegou
a completar o ensino médio na época. Como almejava um diploma de ensino
superior, decidiu se mudar para Brasília e passou a morar com o pai.
Infelizmente, a aproximação com o familiar não foi o que esperava.
“Meu pai me batia
sem motivo, era muito violento. Sofri muito durante esse tempo. Até hoje, não
nos damos bem. Preferia passar frio, preconceito, pedir esmolas e até passar
fome do que morar com ele”, lembra o rapaz que, cansado da violência, fugiu de
casa e passou a morar na rodoviária da cidade.
Entre as amizades
com comerciantes e passageiros da rodoviária, certo dia Walisson conheceu um
idoso que havia decidido pagar um lanche para ele. Foi aí que conversaram sobre
o futuro e o ex-morador de rua confessou o desejo de voltar a estudar.
“Eu sempre quis
terminar o ensino médio, ficava folheando as revistas e livros de uma banca de
jornais que fica por lá [Rodoviária do Plano Piloto]. Então, contei para o
senhor que havia procurado uma colégio para concluir os estudos, mas como não
tinha residência fixa, não conseguia ser matriculado. Ele então me deu uma
conta de luz. Foi o dia mais feliz da minha vida”, conta.
No mesmo dia, o
Walisson pegou um ônibus, com dinheiro obtido por esmolas, e foi até o Centro
de Educação de Jovens e Adultos na Asa Sul se matricular.
Era o ano de 2012 e
o jovem iniciou uma rotina árdua de estudos. Acordava às 5h, ia para a escola e
depois passava à tarde toda na biblioteca. Já à noite, por volta de 22h,
voltava para dormir na rodoviária.
“Eu nunca desisti
de estudar, mesmo nas dificuldades. Queria me esforçar cada dia mais, para sair
daquela situação, entende? Tanto que no mesmo ano conclui o ensino médio.
Depois, consegui um emprego como entregador de panfleto. Ganhava R$ 20 e
aluguei um quarto em Samambaia. Isso foi em 2012”, relembra.
Da rua para a
faculdade
Após conseguir sair
das ruas e ter o próprio espaço, o estudante decidiu que persistiria no sonho
de infância: entrar em uma faculdade. Durante um ano, ele frequentou
bibliotecas públicas e se preparou para o Enem.
“Eu sabia das
minhas dificuldades. Mas sempre pensava: ‘os outros candidatos têm internet em
casa, mais estudo. Não posso ter preguiça, né? Tenho que estudar todos os
dias'”, lembra.
Com o esforço, veio
o resultado. Walisson garantiu uma vaga numa universidade particular da região.
A pontuação no Enem também assegurou o financiamento do curso de direito por
meio do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil).
Apesar da história
de superação, o estudante confessa que não gosta de contá-la para professores e
colegas. “Muitos nem sabem o que eu passei. Vão saber agora com a reportagem”,
brinca. “Eu sei que tem muita gente metida em faculdades particulares. Fiquei
com medo de me acharem coitadinho e ficarem com dó. Eu estou onde estou porque
me esforcei.”
Vaquinha para a
formatura
Para fechar com
chave de ouro a conquista da graduação, Walisson sonha com a festa de
formatura, que será realizada no ano que vem. O problema é o gasto que ele terá
com a festa.
Financeiramente, a
vida do jovem continua com altos e baixos. Ele ganha R$ 760 no estágio. Desse
valor, R$ 500 são usados para pagar o aluguel da quitinete onde vive. “O que
sobra [quando sobra] eu uso para comer, andar de ônibus e tirar cópia das
apostilas”, conta.
Por isso, o rapaz
resolveu fazer uma vaquinha virtual para tentar arrecadar R$ 6 mil que precisa
para pagar o baile, fotos, roupas e a colação de grau.
Depois que se
formar, o estudante espera passar em um concurso público para o cargo de
defensor público. O motivo? Ajudar pessoas de baixa renda. “Muita gente não
sabe os direitos que têm. Por isso, quero ajudá-los.”
Por Jéssica Nascimento,
no UOL
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