Os estádios da Copa foram superfaturados em 1,5 bilhão
de reais, dinheiro usado para, entre outras coisas, molhar a mão de
governadores, parlamentares, partidos...
A OPERAÇÃO LAVA-JATO e a Copa do Mundo de 2014 fazem
parte de um mesmo jogo. Dos doze estádios construídos e reformados país afora,
oito apresentam indícios de irregularidades graves já detectados por
investigações do Ministério Público, da Polícia Federal e dos Tribunais de
Contas. Para tirar do papel o projeto das arenas, gastaram-se 8,5 bilhões de
reais, quase tudo dinheiro do contribuinte ?' um valor 57% acima do orçamento
inicial. Cerca de metade desses recursos saiu do caixa dos estados, que hoje estão
na pindaíba, e de bancos estatais como o BNDES.
Passados dois anos, chega a
primeira fatura consolidada: até o momento, foram identificados sobrepreços que
somam 1,5 bilhão de reais, fraude que tem como protagonistas as mesmas
empreiteiras, os mesmos políticos e os mesmos métodos de Corrupção revelados
pela Lava-Jato.
As empreiteiras se reuniam, combinavam entre si qual
ficaria com a obra, superfaturavam o valor dos contratos e repassavam parte dos
lucros a políticos e partidos em forma de doações para campanhas eleitorais e
'comissões' em dinheiro vivo. O esquema se replicou em pelo menos cinco
estados, cujas histórias vêm a seguir.
MANÉ GARRINCHA
Em Brasília, as construtoras Andrade Gutierrez e OAS
chegaram a se desentender, mas o impasse foi resolvido pelo então governador
José Roberto Arruda (ex-DEM). Em troca, as empresas negociaram com Arruda uma
propina no valor de 1% da obra, que custou 1,4 bilhão de reais, 87% acima do
preço inicial. Com o afastamento do governador, que foi preso em 2009, os pagamentos
passaram a ser acertados com o seu sucessor, Agnelo Queiroz, do PT, e, depois,
com o vicegovernador Tadeu Filippelli, do PMDB, atual assessor especial do
presidente Michel Temer. 'O então vice de Agnelo, Tadeu Filippelli, também
solicitou à Andrade Gutierrez pagamento de propina via doações de campanha em
favor do PMDB na ordem de 1% do valor do estádio', relatou Clovis Renato Numa
Peixoto Primo, ex-diretor da empreiteira em delação premiada. Procurado,
Arrruda disse que 'não tem o menor sentido', porque a obra não foi realizada
em seu governo. 'A Licitação do estádio foi feita em outra gestão', afirmou.
Filippelli garantiu que 'nunca aconteceu' nenhuma solicitação de ajuda
financeira a executivos da Andrade Gutierrez. O ex-governador Agnelo não quis
comentar, porque não teve acesso à delação.
ITAQUERÃO
Construída em São Paulo pela Odebrecht em parceria com
o Corinthians, a arena custou 1,2 bilhão de reais, 46% a mais que o previsto
inicialmente. Desse total, 750 milhões de reais foram financiados pelo BNDES e
pela Caixa Econômica Federal. O restante está sendo bancado por isenção de
impostos concedida pela prefeitura de São Paulo ?' dinheiro público, portanto.
O estádio só foi erguido depois de uma articulação entre o expresidente Lula, a
Odebrecht e o deputado Andrés Sanchez (PT-SP), ex-presidente do Corinthians. Os
três personagens são alvo da Operação Lava-Jato. Sanchez está sendo investigado
por crimes de Corrupção passiva, tráfico de influência e lavagem de dinheiro. A
Polícia Federal encontrou indícios de que ele recebeu meio milhão de reais da
Odebrecht. 'Antonio Roberto Gavioli, diretor de contrato na Odebrecht
Infraestrutura, vinculado à obra da Arena do Corinthians, em São Paulo, foi
identificado como o contato para o pagamento ao codinome 'Timão' no valor de
500 000 reais', diz um documento da Procuradoria-Geral da Re-pública a que VEJA
teve acesso. Executivos da Odebrecht já confirmaram que o dinheiro foi
destinado a Sanchez ?' e também mencionaram os ex-presidentes Lula e Dilma como
beneficiários. De acordo com Marcelo e Emílio Odebrecht, controladores da
empreiteira, Lula e Dilma atuaram para liberar os empréstimos do BNDES e da
Caixa. Sanchez negou ter recebido caixa dois da Odebrecht: 'Eu não tenho nada,
não pedi nada e não peguei nada'. O advogado Cristiano Zanin Martins, que
defende Lula, disse que 'a Lava-Jato não conseguiu apresentar nenhuma prova
sobre suas acusações contra Lula. Na ausência de provas, trabalha-se com
especulações de delações'. Por meio de sua assessoria, Dilma afirmou que 'não
teve acesso ao conteúdo da suposta delação, nem sabe sequer o nome do executivo
que teria prestado o depoimento'. Por isso, 'não há o que comentar'.
MARACANÃ
O Maracanã foi inteiramente reformado. A obra de
melhoria custou 1,2 bilhão de reais, o dobro do previsto. Até o momento foram
detectadas irregularidades de quase 200 milhões de reais. Tanto diretores da
Andrade Gutierrez, que fecharam um acordo de colaboração, como os da Odebrecht,
que estão em negociação com o Ministério Público, apontam o ex-governador
Sérgio Cabral, do PMDB, como beneficiário de propinas ?' 5% do valor inicial da
obra. Ou seja, cerca de 30 milhões de reais. De acordo com os depoimentos
prestados, entre 2010 e 2011, a Andrade fez pagamentos mensais de 300 000 reais
em espécie ao então governador. Para escamotear o esquema, a empreiteira
simulava contratos de prestação de serviços com seus fornecedores. O
ex-governador Sérgio Cabral, por meio de sua assessoria, 'afirma que jamais
interferiu em quaisquer processos licitatórios de obras, tampouco solicitou
benefício financeiro próprio ou para campanha eleitoral'.
ARENA AMAZÔNIA
A propina no Amazonas chegou a ser cotada a 10% do
valor total da obra ?' 'taxa-padrão' do governo de Eduardo Braga, do PMDB,
sobre todos os contratos da empresa com o estado, segundo delatores da Andrade.
Fechado o contrato de construção do estádio, a empreiteira decidiu renegociar.
A tarefa coube a Omar Aziz (PSD-AM), o sucessor de Braga.
De acordo com Peixoto
Primo, executivo da empreiteira, não foi uma conversa fácil. 'O governador fez
um grande teatro', chegando a dizer que era impossível reduzir o valor da
propina, 'pois tinha seus compromissos', contou o delator. O hoje senador
acabou cedendo ?' e topou reajustar a 'comissão' para 5%, ou seja, 27 milhões
de reais. Mas logo depois voltaria à carga. De acordo com os delatores, Aziz
exigiu 20 milhões de reais em pro¬pina. Uma parte desse dinheiro foi paga por
intermédio de empreiteiros do Amazonas. O restante do pagamento foi feito via
doações eleitorais. A procuradoria abriu inquérito para apurar o 'recebimento
de vantagens indevidas para campanha e como contraprestação pelas obras
executadas pela Andrade Gutierrez no Estado do Amazonas', segundo documentos
obtidos por VEJA. O senador Omar Aziz se disse 'tranquilo porque não houve
sobrepreço na obra'. Sobre os pedidos de dinheiro, negou qualquer
irregularidade e disse que ainda não teve acesso ao inquérito. Por meio de sua
assessoria, o sena-dor Eduardo Braga afirmou que 'não participou da gestão de
obra relaciona¬da à Copa do Mundo, muito menos a da Arena Amazônia', e que 'não
houve de sua lavra nenhum pagamento'.
ARENA DAS DUNAS
As irregularidades que envolvem a Arena das Dunas
puseram na mira dos investigadores o ex-ministro Henrique Alves (PMDB-RN) e o
senador José Agripino Maia (DEM-RN). Eles te¬riam recebido dinheiro em troca de
ajuda no processo de liberação de financiamentos para a obra. A Polícia Federal
descobriu mensagens trocadas entre os políticos e o empreiteiro Léo Pinheiro,
ex-presidente da OAS, que mostram a ação de ambos para ajudar a empresa a
destravar um processo dos Tribunais de Contas da União e do Estado. Em julho de
2013, Henrique enviou uma mensagem a um executivo da OAS, responsável pelo
projeto, questionando se procedia a informação de que a inauguração da arena
iria atrasar. O diretor da construtora afirmou que isso deveria ocorrer devido
à retenção dos repasses do dinheiro do BNDES. 'Seg, em BSB, vou pra cima do
TCU.
Darei notícias!', escreveu o ex-ministro. O senador Agripino Maia realizou
uma reunião com um conselheiro no Tribunal de Contas do Esta¬do para tratar da
interrupção do fluxo de pagamentos do BNDES para a obra. Em sua proposta de
delação, Léo Pinheiro confirma que a construtora atuou para driblar a fiscalização
dos tribunais ?' e os políticos que a ajudaram receberam doações para as
campanhas. Henrique Alves disse que 'não tem nada a ver uma coisa com a outra.
Foi doação legal'. Agripino Maia ad¬mite que se reuniu com o conselheiro do
TCE, 'mas ele não mudou de posição'. Sobre as doações, afirmou que elas foram
'oficiais e legais'.
Por
Thiago Bronzatto, na Veja
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A corrupção da Rússia imperial guarda plena consonância com a verificada no Brasil atual?
O livro contém o texto original de Nicolai Gogol, a peça teatral “O inspetor Geral”. E mais um ensaio e 20 artigos discorrendo sobre a realidade brasileira à luz da magnífica obra literária do grande escritor russo. Dessa forma, a Constituição brasileira, os princípios da administração, as referências conceituais da accountability pública, da fiscalização e do controle - conteúdos que embasam a política e o exercício da cidadania – atuam como substrato para o defrontar entre o Brasil atual e a Rússia dos idos de 1.800.
Desbravar a alma humana através de Gogol é enveredar por uma aventura extraordinária, navegar por universos paralelos, descobrir mundos mantidos em planos ocultos, acobertados por interesses nem sempre aceitáveis.
A cada diálogo, a cada cena e ato, a graça e o humor vão embalando uma tragédia social bastante familiar a povos de diferentes culturas, atravessando a história com plena indiferença ao tempo.
O teatro exerce este fascínio de alinhavar os diferentes universos: o cáustico, o bárbaro, o inculto que assaltam a realidade, que obliteram o dia a dia; e o lúdico, o onírico, o utópico-fantástico que habitam o imaginário popular.
“O inspetor geral” é um clássico da literatura universal. Neste contexto, qualquer esforço ou tentativa de explicá-lo seria tarefa das mais frívolas e inócuas. E a razão é simples, frugal: nos dizeres de Rodoux Faugh “os clássicos se sustentam ao longo dos tempos porque revestem-se da misteriosa qualidade de explicar o comportamento humano e, ao deslindar a conduta, as idiossincrasias e o caráter da espécie, culminam por desvendar a própria alma da sociedade”.
Esta é a razão deste livro não aspirar à crítica literária, à análise estilística e, sim, possibilitar que o leitor estabeleça relações de causa e efeito sobre os fatos e realidade que assolavam o Império Russo de 1.800 com os que amarguram e asfixiam o Brasil dos limiares do século XXI.
Do início ao final da peça teatral, as similaridades com o Brasil atual inquietam, perturbam, assustam... Caracteriza a literatura clássica o distanciamento da efemeridade, o olhar de soslaio para com o passadiço pois que se incrusta nos marcos da perenidade. Daí a dramaturgia de Nicolai Gogol manter-se plena de beleza, harmonia, plástica, humor e atualidade.
Nesta expedição histórica, a literatura de um dos maiores escritores russos enfoca uma questão que devasta a humanidade desde os seus primórdios, finca âncoras no presente e avança, insaciavelmente, sobre o futuro. O dramaturgo, com maestria, mergulha nas profundezas do caráter humano tratando a corrupção, não como uma característica estanque, intrínseca exclusivamente à esfera individual, mas como uma chaga exposta que se alastrou para deteriorar todas as construções sociais, corroer as instituições e derrocar as organizações humanas.
É o mesmo contexto que compartilham Luís Vaz de Camões e Miguel de Cervantes, William Shakespeare e Leon Tolstoi, Thomas Mann e Machado de Assis.
Mergulhar neste mundo auspicioso e dele extrair abordagens impregnadas de accountability pública é o desafio estabelecido. É para esta jornada que o leitor é convidado de honra.
Desbravar a alma humana através de Gogol é enveredar por uma aventura extraordinária, navegar por universos paralelos, descobrir mundos mantidos em planos ocultos, acobertados por interesses nem sempre aceitáveis.
A cada diálogo, a cada cena e ato, a graça e o humor vão embalando uma tragédia social bastante familiar a povos de diferentes culturas, atravessando a história com plena indiferença ao tempo.
O teatro exerce este fascínio de alinhavar os diferentes universos: o cáustico, o bárbaro, o inculto que assaltam a realidade, que obliteram o dia a dia; e o lúdico, o onírico, o utópico-fantástico que habitam o imaginário popular.
“O inspetor geral” é um clássico da literatura universal. Neste contexto, qualquer esforço ou tentativa de explicá-lo seria tarefa das mais frívolas e inócuas. E a razão é simples, frugal: nos dizeres de Rodoux Faugh “os clássicos se sustentam ao longo dos tempos porque revestem-se da misteriosa qualidade de explicar o comportamento humano e, ao deslindar a conduta, as idiossincrasias e o caráter da espécie, culminam por desvendar a própria alma da sociedade”.
Esta é a razão deste livro não aspirar à crítica literária, à análise estilística e, sim, possibilitar que o leitor estabeleça relações de causa e efeito sobre os fatos e realidade que assolavam o Império Russo de 1.800 com os que amarguram e asfixiam o Brasil dos limiares do século XXI.
Do início ao final da peça teatral, as similaridades com o Brasil atual inquietam, perturbam, assustam... Caracteriza a literatura clássica o distanciamento da efemeridade, o olhar de soslaio para com o passadiço pois que se incrusta nos marcos da perenidade. Daí a dramaturgia de Nicolai Gogol manter-se plena de beleza, harmonia, plástica, humor e atualidade.
Nesta expedição histórica, a literatura de um dos maiores escritores russos enfoca uma questão que devasta a humanidade desde os seus primórdios, finca âncoras no presente e avança, insaciavelmente, sobre o futuro. O dramaturgo, com maestria, mergulha nas profundezas do caráter humano tratando a corrupção, não como uma característica estanque, intrínseca exclusivamente à esfera individual, mas como uma chaga exposta que se alastrou para deteriorar todas as construções sociais, corroer as instituições e derrocar as organizações humanas.
É o mesmo contexto que compartilham Luís Vaz de Camões e Miguel de Cervantes, William Shakespeare e Leon Tolstoi, Thomas Mann e Machado de Assis.
Mergulhar neste mundo auspicioso e dele extrair abordagens impregnadas de accountability pública é o desafio estabelecido. É para esta jornada que o leitor é convidado de honra.
Para saber mais, aqui.