Depois de dois anos de reuniões remotas, o 11º Fórum de Empresas e Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU) levou a Genebra, na Suíça, milhares de consultores, pesquisadores, e representantes da sociedade civil e dos governos dos 193 países-membros da ONU. Pela primeira vez, a delegação brasileira do Pacto Global, unidade que dialoga com o setor privado, levou uma maioria de mulheres e negras.
Entre elas estão a conselheira de
administração Rachel Maia, a artista e mulher trans CEO da consultoria Nhaí,
Raquel Vírgínia, e a presidente da Rede Mulher Empreendedora, Ana Fontes.
Também participaram do grupo a deputada indígena Célia Xakriabá (PSOL),
especialistas do Pacto Global, representantes da Petrobras e Eletrobras.
Logo no início dos trabalhos, as
plenárias ganharam um tom de urgência, com pedidos para que mais países sigam
os passos de França, Alemanha, Noruega, Bélgica, Canadá e EUA e adotem
políticas nacionais detalhadas e compulsórias para garantir que as empresas
apliquem os Princípios Orientadores sobre Negócios e Direitos Humanos (UNGPs),
da ONU, que completam dez anos em 2023.
O apelo é visto como uma resposta à —
ainda — baixa adesão de empresas aos Planos Nacionais de Ação sobre Direitos
Humanos (PNAs).
— Precisamos tanto das medidas
obrigatórias quanto das voluntárias, pois não sabemos o que vai funcionar
melhor para cada problema que enfrentamos — disse Gerald Pachoud, pesquisador
associado da Geneva Academy, que participou do evento na semana passada.
Ainda são poucos os países com
legislação compulsória sobre o tema. Por isso, há uma grande expectativa em
torno da publicação da norma da União Europeia, que está sendo costurada e é
alvo de elogios e críticas.
Segundo especialistas, a regra pode
ser um divisor de águas para muitas companhias brasileiras, uma vez que
determina que as companhias e suas filiais pelo mundo façam a devida diligência
(due diligence) em toda a cadeia de fornecedores para evitar riscos de
desrespeito aos UNGPs.
— Quando a diretriz europeia for
finalizada vai acelerar a agenda de direitos humanos em muitos lugares. Já
temos uma amostra disso acontecendo, por exemplo, no setor de aço no Brasil.
Empresas exportadoras já estão se adequando para seguir a Aluminium Stewardship
Initiative (ASI), que define padrões e certificações para o desempenho de sustentabilidade
da cadeia de valor do alumínio — explica Rafael Benke, CEO e fundador da
Proactiva Results, consultoria especializada em direitos humanos e
desenvolvimento sustentável.
Leis locais
O executivo cita o exemplo da
multinacional norueguesa Norsk Hydro ASA, que extrai bauxita na Amazônia e já
desenvolveu um trabalho de due diligence com seus fornecedores para garantir a
aderência à nova legislação da Noruega. Cita ainda a Companhia Brasileira de
Alumínio (CBA) e a Albras.
Um estudo feito pelo Pacto Global da
ONU no Brasil em parceria com a Proactiva a partir da resposta de 107
companhias brasileiras a um questionário sobre sua atuação em direitos humanos
traz meio ambiente (92%), saúde e segurança ocupacional (78%) e trabalho
forçado e análogo à escravidão (75%) como os três temas onde elas estão mais
avançadas na gestão de riscos e impactos, isto é, tomam mais medidas
preventivas e mitigatórias.
Isso permite, na opinião de Tayná
Leite, gerente sênior de Direitos Humanos e Gênero do Pacto Global da ONU no
Brasil, inferir duas conclusões: os temas que são tratados em legislação local
são mais aplicados e ainda falta um entendimento por parte do setor corporativo
de toda a abrangência da temática direitos humanos.
— Nós, como Pacto Global, que é
responsável por engajar o setor privado, temos o papel de apoiar a construção
de capacidades e trabalhar o advocacy (estratégia de pressão) com o Estado para
que ele dê meios de as empresas interpretarem a legislação, além de fazerem uma
fiscalização efetiva de seu cumprimento.
No Brasil, a aposta está em torno do
projeto de lei 572, apresentado em março e que pode ganhar prioridade no
governo Lula, de acordo com o autor do texto, o deputado petista Helder
Salomão.
O parlamentar estava na comitiva
brasileira do Pacto Global da ONU e apresentou a proposta nacional. A ideia é
criar um marco sobre Direitos Humanos e Empresas, que sirva de base para
políticas públicas que cobrem das empresas mais responsabilidade pelos atos
relacionados a direitos humanos. Há ainda na proposta a constituição de um fundo
de reparação de danos causados por empresas.
Repensar a produção
Salomão é relator da Comissão Externa
da Câmara dos Deputados que acompanha a Repactuação do acordo com a Samarco,
referente ao rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana (MG), e citou o caso
em seu discurso como exemplo de violência de direitos humanos e impacto
ambiental. Segundo ele, as empresas precisam repensar sua lógica de negócios:
— O objetivo da legislação não é
travar o desenvolvimento econômico, mas fazer com que ele se torne compatível
com os direitos humanos e com a preservação ambiental.
Políticas para fornecedores aquém do
necessário
Um estudo recente divulgado na última
semana pelo Pacto Global da ONU do Brasil mostra que a pauta de direitos
humanos na cadeia de fornecimento já é algo observado pelas companhias, mas o
nível de profundidade das políticas está aquém do desejado. Ao mesmo tempo em
que isso pode representar risco, pode ser uma oportunidade de diferenciação no
futuro.
Feita a partir das respostas de 107
empresas de diversos portes e 12 setores que responderam ao formulário do
Termômetro de Direitos Humanos, do Pacto em parceria com a consultoria
Proactiva Results, a pesquisa mostra que quase 90% das respondentes adotaram um
compromisso público de respeitar os direitos humanos internacionalmente
reconhecidos.
Porém, só 60% trabalham com
procedimentos estruturados para identificar e avaliar os riscos e impactos aos
direitos humanos, com base nos Princípios Orientadores sobre Negócios e
Direitos Humanos (UNGPs). Dessas, quase todas identificam e avaliam riscos nas
próprias operações, 70% nas cadeias de suprimentos e menos de 50% de clientes
finais.
— São poucas as que têm políticas
estruturadas a partir de escuta de várias partes interessadas e validadas pela
alta liderança, processos de devida diligência de fornecedores, auditoria
externa, entre outros parâmetros que os UNGPs ditam para que sejam consideradas
boas políticas — explica Tayná Leite, gerente sênior de Direitos Humanos e
Gênero do Pacto no Brasil.
Eis a questão: Você recomendaria uma
empresa que está poluindo o meio ambiente?
Para Rafael Benke, CEO da Proactiva,
o primeiro passo é entender que “a sustentabilidade deve ir além do
compliance”. Segundo ele, acionistas e investidores respondem por 38% da
demanda por políticas de direitos humanos. Clientes, que ainda são pouco
ouvidos, representam uma pressão tão grande quanto: 37%. Quem se posicionar
para atender a essas demandas vai sair na frente, na opinião do executivo.
— Não é só uma questão de mitigar
riscos, mas de otimizar oportunidades — diz.
Na semana passada, durante o Fórum de
Empresas e Direitos Humanos da ONU, em Genebra (Suíça), a Petrobras anunciou
parceria com o Pacto Global para ampliar sua atuação junto à cadeia, cobrando,
mas também ensinando.
A partir de 2023, será feito um
piloto com cem fornecedores para rodar o termômetro dos direitos humanos. A
ferramenta permite fazer um autodiagnóstico sobre governança e temas críticos
como trabalho decente, igualdade, bem como impactos na comunidade e no meio
ambiente.
O Globo
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