Quase metade dos brasileiros ouvidos para pesquisa internacional considera combustíveis fósseis essenciais para a economia. Muitos entrevistados apontam gás natural como 'amigo do clima'.
No Brasil, 47% de
entrevistados para um estudo sobre desinformação climática acreditam que o gás
natural, um dos responsáveis pelo aquecimento global, "é um combustível
essencial e importante para a transição energética de baixo carbono".
Cerca de 40% também acham que se trata de um "combustível amigo do
clima".
Na Índia, a porcentagem de
pessoas que acham o gás natural útil para se chegar a uma produção de energia
de baixo carbono atinge 57%, e o destaque negativo fez com que as organizações
Climate Action Against Disinformation e Conscious Advertising Network soassem o
alarme. No estudo global das duas instituições, publicado em novembro, indianos
e brasileiros aparecem no topo da lista dos que acreditam em afirmações falsas
sobre combustíveis fósseis.
"Não conseguiremos nos
desligar dos combustíveis fósseis neste momento, mas é problemático que grande
parcela da população no Brasil e Índia acreditem que estas são fontes de
energia favoráveis ao clima. Isso é perigoso, principalmente porque empresas de
combustíveis fósseis exploram essa lacuna de desinformação para venderem e para
não deixarem regular os poluidores”, diz Jake Dubbins, co-diretor da Conscious
Advertising Network, uma das responsáveis pelo estudo, em entrevista à DW.
As principais conclusões da
pesquisa
A pesquisa foi também
conduzida na Austrália, na Índia, na Alemanha e nos Estados Unidos, e diz que:
- 45% dos indianos e 41% dos
brasileiros acreditam que é possível produzir combustíveis fósseis "de
maneira segura, sem agredir o planeta";
- 49% dos brasileiros (quase
metade) consideram o petróleo e o gás natural "componentes essenciais para
a economia nacional";
- 43% dos indianos creem que
"combustíveis fósseis são parte da solução" e que eles podem
"ser uma ponte para promover a economia de baixo carbono";
- 44% dos alemães (logo
atrás da Índia e Brasil) afirmaram que o gás natural "é um combustível
essencial e importante para a transição energética de baixo carbono";
- no Reino Unido, o país com
menor porcentagem de crença nas afirmações falsas sobre combustíveis fósseis,
14% acreditam que o gás natural é um combustível amigo do clima.
"Há uma grande lacuna
entre a percepção pública e a ciência sobre questões tão básicas como se a
mudança climática existe ou se é causada principalmente pelo homem. Essa lacuna
enfraquece a pressão pública cobrando ações climáticas e prejudica as
negociações para atingir as metas do Acordo de Paris”, diz trecho do documento.
Maioria dos brasileiros não
nega mudanças climáticas
O estudo também perguntou
aos entrevistados questões relacionadas às mudanças climáticas.
"Esperávamos encontrar dados alarmantes. Porém, a nossa surpresa não foi a
parcela de pessoas que nega as mudanças climáticas, mas a confusão sobre
assuntos como 'combustíveis fósseis' e 'carbono zero'", diz Jake Dubbins.
No Brasil, 27% afirmam que
as "mudanças climáticas não são resultado direto da atividade
humana", enquanto que 70% afirmam que o fenômeno é causado diretamente
pela ação humana. O país também tem a menor taxa de pessoas que negam as mudanças
climáticas (menos de 3%).
Por outro lado, 25% dos
brasileiros afirmaram que "organizações climáticas são financiadas por
estrangeiros para evitar que o Brasil se torne mais forte"; e 24%
acreditam que "o registro de temperatura não é confiável ou é manipulado".
"Considerando o
contexto do Brasil atualmente, um número incrivelmente alto de pessoas
afirmaram que a atividade humana contribui para as mudanças climáticas. Porém,
há uma grande confusão no país sobre o clima no planeta. Além disso, a questão
agora é: como fazer as pessoas agirem contra a crise climática?”, pontua
Dubbins.
"No Brasil, ao mesmo
tempo que os brasileiros não negam a crise climática, 25% pensam que o país não
pode se dar ao luxo de zerar suas emissões de carbono até 2050 porque acreditam
que a economia depende disso. Essas crenças possivelmente surgem de discursos
de representantes [políticos] com desinformações sobre o clima", ressalta
o co-diretor da Conscious Advertising Network.
Brasil: falta de dados
contribui para desinformação
A pesquisa foi conduzida nos
seis países estudados durante o mês de outubro deste ano, um mês antes da
COP27.
"Escolhemos países em
cada parte do mundo que representassem uma região. Alguns desses países estão
polarizados [politicamente]. É o caso do Brasil, onde queríamos entender como
está a opinião pública sobre mudanças climáticas após a pandemia de covid-19 e
as eleições", explica Dubbins.
Em 2018, o Brasil elegeu o
atual presidente Jair Bolsonaro, derrotado nas urnas em outubro deste ano. Seu
governo foi marcado por críticas ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe), órgão federal que há mais de 30 anos monitora a Amazônia, e por falas
como o seu discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) em 2020, onde
afirmou que a Amazônia não sofria com queimadas. "Nossa floresta é úmida e
não permite a propagação do fogo em seu interior", disse, na ocasião.
O governo também retardou a
divulgação dos dados consolidados de desmatamento em 2021 e neste ano para não
apresentá-los durante a COP 26 e a COP 27, as conferências do clima da ONU.
Segurar e omitir dados
científicos sobre o clima, de acordo com o estudo, também é uma forma de
desinformação que visa minar a opinião pública sobre a urgência de medidas
contra as mudanças climáticas.
Mudanças climáticas existem?
Já nos EUA e na Alemanha, a
parcela de negacionistas do clima é maior do que no Brasil. A avaliação
concluiu que os Estados Unidos têm a maior quantidade de negacionistas (7%),
seguido pela Austrália (5%). Considerando os que negam e os que afirmam que
estas são um fenômeno natural que sempre existiu, os EUA aparecem com 40% e,
Austrália, 38%.
Quase metade dos Estados
Unidos (46%), e da Alemanha (45%) também acreditam que as "mudanças
climáticas não são resultado direto da atividade humana".
"23% da população
norte-americana acredita que a mudança climática é uma farsa inventada por
organizações de elite, como o Fórum Econômico Mundial. Essa crença
provavelmente é consequência de uma política ambiental historicamente omissa,
como o fato de os EUA terem saído do Acordo de Paris pouco tempo atrás",
afirma Dubbins.
Em 2020, no governo de
Donald Trump, os EUA saíram do Acordo de Paris, o pacto climático global para
controlar o aumento das temperaturas mundiais, mantendo-as abaixo de 2°C e de
preferência limitando-as às 1,5°C em comparação com os níveis pré-industriais.
Em 2021, o novo governo de Joe Biden recolocou os EUA no Acordo.
"Não podemos dizer que
esses discursos ocorrem nos EUA porque o país não enfrenta as mudanças
climáticas. Veja os furacões na Flórida nos últimos anos", diz Dubbins.
Uma pessoa com roupa de
plástico inflável representando um Tiranossauro Rex atravessa rua em São Paulo.
Ao fundo, carros e um ônibus esperam semáforo abrir.Uma pessoa com roupa de
plástico inflável representando um Tiranossauro Rex atravessa rua em São Paulo.
Ao fundo, carros e um ônibus esperam semáforo abrir.
Desinformação global
A conclusão do estudo é que
em todos os países pesquisados há a prevalência de crenças em narrativas de
desinformação sobre mudanças climáticas, sendo a Índia com o maior número de
declarações e o Reino Unido com a menor.
"A desinformação sobre
o clima corre solta em todo o mundo e dificulta a ação climática, influenciando
a opinião pública e moldando as ações dos governos e sua inação na questão das
mudanças climáticas", diz o documento.
Pelo menos 20% das pessoas
pesquisadas em cada país acreditam que "o clima sempre mudou, o
aquecimento global é um fenômeno natural e não é um resultado direto da
atividade humana". Já 23% na média geral "não acreditam nas mudanças
climáticas ou não têm certeza se elas estão acontecendo".
Um quarto ou mais das
pessoas pesquisadas em cada país, por exemplo, acredita que seu país "não
pode se dar ao luxo de atingir a meta de zero emissões líquidas até 2050".
Uso de redes sociais
A pesquisa também encontrou
que a diferença entre o que diz a ciência do clima e a percepção das populações
sobre a pauta climática é maior entre aqueles que consomem redes sociais: 29%
do público brasileiro em geral acredita que um número significativo de
cientistas discordam sobre as mudanças climáticas, entre os usuários do Twitter
essa crença chega a 37%.
Enquanto 41% dos brasileiros
acham que é possível produzir combustíveis fósseis sem agredir o planeta, essa
crença atinge 50% entre os usuários do Twitter no Brasil.
"A desinformação sobre
o clima é uma barreira que impede as pessoas e os governos de agirem. Enquanto
a mudança climática for uma coisa nebulosa e assustadora e propagada como algo
que ainda está longe da sua realidade, será difícil para as pessoas assimilarem
a urgência da crise climática. Estamos perdendo tempo em um momento em que a
janela de oportunidade para enfrentarmos as mudanças climáticas está se
fechando", diz Dubbins.
Este ano, a União Europeia
se tornou o primeiro órgão de formulação de políticas a reconhecer oficialmente
a urgência de definir e combater a desinformação sobre o clima.
DW, Laís Modelli
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