Vilarejo nas Filipinas atingido por tufão em novembro de 2020 |
As palavras "perdas e danos" provavelmente serão muito mencionadas durante a COP27, a Conferência das Nações Unidas para o Clima que está ocorrendo no Egito. O que elas significam e como têm sido encaradas por diferentes países?
As negociações até agora se concentraram em pautas sobre
como reduzir os gases de efeito estufa e como lidar com os impactos das
mudanças climáticas. Mas há a expectativa de que outra questão ganhe
importância: se os países altamente industrializados, que mais contribuíram
para causar problemas climáticos e ambientais, deveriam reparar financeiramente
os países que sofrem os impactos mais diretamente.
Desastres como enchentes, secas, furacões, deslizamentos
de terra e incêndios florestais estão se tornando mais frequentes e intensos
como resultado das mudanças climáticas, e os países mais afetados pedem ajuda
financeira há anos para lidar com as consequências.
Isto é o que as palavras "perdas e danos"
("loss and damage", em inglês) significam. O termo abrange tanto as
perdas econômicas (casas, terras, fazendas ou empresas) quanto não econômicas
(mortes de pessoas, locais culturalmente importantes ou biodiversidade).
Após intensas negociações durante dois dias e a apenas
uma noite da abertura da COP27, os delegados concordaram em incluir a questão
das "perdas e danos" na agenda oficial.
O dinheiro que os países mais pobres estão exigindo ultrapassam
os US$ 100 bilhões por ano que os países mais ricos já concordaram em
transferir para os países mais pobres, visando ajudar estes a:
• reduzir os gases de efeito estufa, algo conhecido como
"mitigação" nas negociações climáticas;
• tomar medidas para lidar com os impactos das mudanças
climáticas, a "adaptação".
"As pessoas estão sofrendo perdas e danos causados por
tempestades potencializadas, inundações
devastadoras e derretimento de geleiras, e os países em desenvolvimento têm pouco apoio para se reconstruir e se recuperar antes do
próximo desastre", diz Harjeet Singh, chefe de estratégia global da ONG
Climate Action Network International.
"São as comunidades que menos contribuíram para
causar a crise que agora estão na linha de frente dos piores impactos."
Quão grande é a fatura por perdas e danos?
Um relatório publicado pela Loss and Damage
Collaboration, um grupo de mais de 100 pesquisadores e formuladores de
políticas de todo o mundo, revelou que 55 das economias mais vulneráveis ao
clima sofreram perdas econômicas
de mais de US$ 500 bilhões
entre 2000 e 2020. E isso poderia aumentar em mais US$ 500 bilhões na próxima década.
"Cada fração de aquecimento a mais significa mais
impactos climáticos, com perdas nos países em desenvolvimento estimadas entre
US$ 290 bilhões e US$ 580 bilhões até 2030", escreveram os autores.
O documento destaca que o nível do mar nas Américas tem
subido a um ritmo mais rápido do que no resto do mundo, especialmente ao longo
da costa atlântica da América do Sul, no Atlântico Norte subtropical e no Golfo
do México.
"A grande seca no centro do Chile já dura 13 anos.
Essa é a seca mais longa na região em pelo menos mil anos, agravando uma
tendência mortal e colocando o Chile na vanguarda da crise hídrica."
O ano passado também registrou o terceiro maior número de
tempestades nomeadas no Atlântico. Foram 21, incluindo sete furacões.
O Banco Mundial estima que entre 150 mil e 2,1 milhões de
pessoas são a cada ano empurradas para a pobreza extrema na América Latina
devido a desastres, incluindo aqueles causados pelas
mudanças climáticas; e que cerca de 1,7% do PIB da região é
perdido a cada ano devido a desastres relacionados ao clima.
"Vários países estão passando por secas mais
profundas e prolongadas, por tempestades e inundações mais intensas que estão
atrapalhando as atividades econômicas e afetando os meios de
subsistência", diz o banco.
"No Uruguai, por exemplo, os choques relacionados ao
clima tornaram-se mais frequentes e intensos. As secas de 2017-18 e as perdas
na agropecuária custaram cerca de 0,8% do PIB somente em 2018."
O planeta viu um aumento médio da temperatura global de
1,1°C em comparação com o período pré-industrial.
Os países mais pobres e menos industrializados defendem
que o impacto do clima extremo prejudica qualquer progresso que façam em termos
de desenvolvimento econômico. Alguns apontam que se encheram de dívidas ao
tomar empréstimos para reconstruir o que foi danificado e perdido.
Desde quando se discute o pagamento de perdas
e danos?
Sete anos atrás, o inovador Acordo de Paris reconheceu a
importância de "evitar, minimizar e lidar com perdas e danos associados
aos efeitos adversos das mudanças climáticas". Mas nunca foi decidido como
fazer isso.
"Perdas e danos continuam sendo um tópico bastante
tóxico e tivemos discussões muito, muito acaloradas entre países desenvolvidos
e em desenvolvimento", diz Jochen Flasbarth, secretário do Ministério de
Cooperação e Desenvolvimento Econômico da Alemanha.
"Havia preocupação entre os países desenvolvidos de
que isso pudesse se tornar uma obrigação legal para grandes emissores (de
poluentes). Isso sempre foi uma linha vermelha para a maioria dos países
desenvolvidos."
Alguns negociadores da COP27 disseram que os países ricos
queriam deixar claro que não aceitariam qualquer responsabilidade ou obrigação
de pagar indenização por perdas e danos, algo a que os países em
desenvolvimento se opuseram fortemente. Finalmente, foi acordado que o tema
será apenas discutido na conferência atual. No próximo ano, na COP28 em Abu
Dhabi, espera-se uma decisão provisória e, em 2024, uma decisão conclusiva
sobre a questão.
"Exigimos financiamento regular, previsível e
sustentável para lidar com as crises que algum país em desenvolvimento sofre
quase todos os dias", defendeu Alpha Oumar Kaloga, negociador-chefe do
Grupo Africano, em uma reunião nas Nações Unidas.
Singh, da Climate Action Network, demonstra reprovar a
postura dos países ricos.
"Na verdade, é uma traição à confiança a forma como
os países ricos encurralaram os países em desenvolvimento para aceitar uma
linguagem que mantém os poluidores históricos a salvo de compensações e
responsabilidades, sem oferecer qualquer compromisso concreto de apoiar as
pessoas e os países vulneráveis", afirma.
Os países desenvolvidos apontam que já existem mecanismos
previstos por convenções do clima anteriores que contemplam as demandas dos
países em desenvolvimento — enquanto estes consideram que nenhum organismo e
convenção existente hoje é apropriado.
Representantes do Grupo Africano e da Aliança dos
Pequenos Estados Insulares (Aosis) têm pressionado para a criação de uma nova agência
dedicada à reparação financeira, mas Jochen Flasbarth, da Alemanha, afirma que
essa proposta talvez não consiga apoio suficiente.
Na prática, já houve problemas tanto com as instituições
financeiras que liberam o financiamento climático quanto com os países que o
recebem. A burocracia das agências financeiras internacionais faz com que os
fundos demorem muito para serem disponibilizados. E, em alguns dos países
receptores, há problemas de má governança e corrupção.
Houve algum progresso no período anterior à
COP27?
Durante a COP26, a Escócia prometeu pouco mais de £ 1
milhão em fundos para perdas e danos. No mês passado, a Dinamarca anunciou que
contribuiria com US$ 13 milhões.
E na semana passada, o Parlamento Europeu aprovou uma
resolução pedindo foco no pagamento a países em desenvolvimento e a priorização
de doações sobre empréstimos.
Além disso, o G7 (Canadá, França, Alemanha, Itália,
Japão, Reino Unido e Estados Unidos) e o V20, um grupo de 55 países
vulneráveis, concordaram recentemente em lançar uma iniciativa chamada Escudo
Global contra os Desastres Climáticos, que pretende arcar com perdas e danos
por meio de um sistema de seguro.
A Aosis demonstrou desconfiança em relação à iniciativa,
argumentando que o V20 não tem nem metade dos membros da Aosis.
"O G7 deve falar com todos nós, e não apenas com os
países que selecionou", disse o principal negociador de finanças
climáticas do grupo, Michai Robertson.
BBC, Navin Singh Khadka
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