A transnacional
espanhola Telefónica revelou pedidos de "interceptações" de mais de
1,5 milhão de suas linhas de telefone e acessos à Internet na Venezuela em
2021, o que defensores dos direitos humanos consideram um sinal do avanço de um
programa de "vigilância em massa" do Estado.
As "interceptações
legais" das linhas de telefonia e acessos à Internet da Telefónica pularam
de 380.250 em 2016 para 861.004 em 2021, com mais de 1,5 milhão de
"acessos afetados" nesse último ano, segundo um relatório da empresa,
presente na nação caribenha desde 2005.
A empresa divulgou dados
sobre os pedidos de interceptações e bloqueios a sites recebidos das
autoridades nos doze países onde opera: Alemanha, Reino Unido, Espanha,
Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Peru, Uruguai e Venezuela.
— É um abuso sistemático da
interceptação de comunicações — disse à AFP Andrés Azpúrua, diretor da VE Sin
Filtro, uma ONG venezuelana que luta contra bloqueios e restrições na Internet.
As interceptações por
agentes do governo do presidente Nicolás Maduro e outras autoridades, cujo
número quadruplicou em seis anos, evidenciam "um programa de vigilância em
massa por meio da interceptação de comunicações e captura de metadados",
alertou Azpúrua, que denuncia essa situação como "uma violação em grande
escala dos direitos humanos" que "projeta um cenário
autoritário".
Carlos Correa, diretor da
ONG Espaço Público, que monitora ataques contra a liberdade de expressão,
lamentou o "aumento dos grampeamentos telefônicos".
Esses
"grampeamentos" atingiram 20% dos clientes da Telefónica na Venezuela
e apenas 0,28% no Brasil, 0,05% na Argentina e 0,00% no México, Colômbia e
Equador.
Além disso, entre 2016 e
2021, houve mais de 3,5 milhões de solicitações de "interceptações"
destinadas a acessar os dados do assinante e sua localização "em tempo
real".
Cerca de um milhão de linhas
(997.679) foram afetadas por solicitações de "metadados": informações
pessoais, localização, endereços IP, número de mensagens de texto recebidas e
enviadas e chamadas recebidas e efetuadas.
O relatório destaca, entre
as "autoridades competentes" que fizeram os pedidos, o Serviço de
Inteligência (Sebin) "a pedido do Ministério Público e autorização do juiz
correspondente", a polícia científica e as Forças Armadas, bem como
"outros órgãos e entidades especiais de investigação criminal".
O Sebin é alvo de múltiplas
denúncias de violação dos direitos humanos e perseguição de opositores.
A Universidade Nacional de
Segurança Experimental (Unes) também está habilitada a solicitar escutas
telefônicas. "Em termos práticos, qual é a necessidade de uma universidade
ter o poder de intervir nas comunicações privadas?", questionam membros do
Espaço Público.
— Isso fala de um nível
muito alto de vigilância por parte do Estado — disse Correa à AFP.
A Telefónica é a principal
operadora de telefonia móvel da Venezuela. A estatal CANTV, por sua vez, domina
o mercado de telefonia e internet fixa.
Bloqueios na Internet
Quanto ao acesso à Internet,
mais de 1.300 sites sofreram entre 2016 e 2021 bloqueios ou restrição de
conteúdos na Venezuela por solicitação da Comissão Nacional de Telecomunicações
(Conatel), segundo a Telefónica.
Jornalistas e organizações
dos direitos humanos já denunciavam bloqueios em massa de portais na Internet
de veículos de comunicação críticos à Maduro.
De acordo com o relatório, o
ano com maior quantidade de bloqueios foi 2016, com 1.050, seguido de 2018, com
106, enquanto em 2021 foram 30 solicitações.
O documento não detalha as
características ou a natureza de 98% de todos os sites restritos, mas aponta
que 27 URLs de "sites de jogos e apostas" foram alvo em 2019.
Segundo o Espaço Público, 45
de 100 portais de notícias na Venezuela estão bloqueados.
Os bloqueios, pelas normas
internacionais, deveriam acontecer após ordens de juízes ou sentenças
judiciais, mas na maioria dos casos registrados neste país não existe
informação sobre o motivo das restrições de URLs, criticou Correa.
Embora os dados correspondam
a apenas uma das empresas de telecomunicações que operam na Venezuela,
"acreditamos que a situação é parecida nas outras", acrescenta.
Embora não haja dados
públicos das outras empresas, "o número de intervenções solicitadas também
deve ser altíssimo", estima Correa.
A AFP tentou contato com a
Conatel, mas porta-vozes do órgão descartaram oferecer declarações no momento.
Também tentou contatar, sem resposta, os representantes de outras operadoras.
O Globo
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