A juventude guineense diz-se "discriminada" no próprio país por falar português e crioulo. Francófonos e anglófonos estão a impor-se no mercado de trabalho. Especialista justifica complexidade linguística do país.
Os jovens guineenses querem
um amplo debate nacional sobre o uso das línguas estrangeiras como ferramenta
indispensável para conseguir um emprego nas instituições privadas e em muitas
organizações não-governamentais que operam no país.
A juventude sente-se
"discriminada" por estudar em português, quando as empresas só admitem
quem fala francês ou inglês, num país lusófono, e cuja língua de trabalho é
português e crioulo.
"Basta de concurso
público em francês e inglês. Se o português já não serve, então que seja
retirado como a língua oficial da Guiné-Bissau", é o slogan da campanha
lançada por um grupo de jovens académicos guineenses.
Um dos mentores da
iniciativa, Amiel Monteiro de Carvalho, disse à DW que quem fala apenas o
português é penalizado nas instituições do país.
"Sofremos
discriminação", atirou o jovem que fez o seu curso superior no Senegal e
trabalha num dos bancos privados da capital guineense.
Português é barrado
A Guiné-Bissau, segundo
Monteiro de Carvalho, por ser um país lusófono, integrante das organizações
sub-regionais da África Ocidental, não significa que deixou de ter a sua
própria língua oficial. "E as empresas vindas destes países não podem
impor a língua estrangeira na Guiné-Bissau".
A primeira barreira para o
recém-formado guineense, que procura emprego no país, é ter que fazer
entrevistas de trabalho em inglês ou francês.
"Mesmo sendo um quadro
competente para a vaga, acaba por ser eliminado", explica Amiel Monteiro
que considera "injusto" que essas empresas recorram à mão de obra de
fora para preencher as vagas de trabalho.
"Atualmente estamos a
sofrer com esta situação na Guiné-Bissau, porque estão a importar técnicos de
outros países que falem inglês e francês, ao passo que os nativos que não
conseguem, são excluídos" lamenta.
Sistemas das empresas não
estão em português
Contactas pela DW, as empresas
não estão disponíveis a gravar entrevistas. Mas uma fonte revela que quem fala
o português e as duas outras línguas tem mais vantagem porque o sistema
operativo destas instituições estão ou em francês ou inglês. Comunicam-se com
outas representações e a "sede mãe" nestas duas línguas.
Mas, na Guiné-Bissau, o
inglês e francês são línguas opcionais tanto no liceu, como nas universidades,
e as duas línguas não são faladas nas instituições, nem nas ruas do país.
"O mais caricato é que,
depois de passar à entrevista em francês ou em inglês, a língua de trabalho com
o público é o crioulo ou o português", revela Amiel Monteiro de Carvalho.
O país, plurilingue e
multicultural, tem cerca de 33 grupos étnicos com as suas respetivas línguas.
Mas a língua crioula, principal meio de comunicação entre os povos, é falada
por cerca 90,4% da população, segundo o último censo divulgado em 2009. 27,1%
fala português.
Situação é
"complexa"
Estes dados colocam o país
numa situação complexa, analisa o professor do ensino secundário guineense,
Sumaila Jaló.
"O problema tem a ver
com a complexa questão linguística do próprio país, que oficialmente tem o
português apenas como a língua de trabalho, do funcionamento da administração
pública, mas a língua nacional é o crioulo", realça Jaló.
A falta de uma política
nacional que balize as regras linguísticas na Guiné-Bissau, por parte do
Estado, é outro problema que deve ser debatido com profundidade pelos
guineenses, diz Sumaila Jaló que ainda descobre um outro problema que a língua
portuguesa tem no sistema educativo guineense.
"É uma língua que é
ensinada como se fosse língua materna, língua do dia-a-dia, quando não é. É uma
língua estrangeira e deve ser essa metodologia que deve ser usada para o ensino
do português", defende.
A Guiné-Bissau é um país
lusófono que faz fronteiras com o Senegal e a Guiné-Conacri, dois países
francófonos, e com a Gâmbia, que é anglófono. Integra a União Económica e
Monetária da África Ocidental (UEMOA) uma organização regional onde ainda estão
o Benim, Burkina Faso, Costa do Marfim, Mali, Níger, Senegal e Togo. O país é
ainda membro da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e
da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Braima Darame, DW
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