Na conferência ambiental Estocolmo+50, jovem liderança da Amazônia Txai Suruí diz que, enquanto o mundo olha para a Ucrânia, indígenas e a floresta são alvo de uma guerra no Brasil, com potenciais impactos globais.
No amplo centro de eventos
que abriga a conferência ambiental Estocolmo+50, na capital sueca, a jovem
líder indígena Txai Suruí é notada pelos participantes. Mesmo os que passam
apressados fazem uma pausa para falar com ela, tiram foto. E jornalistas
internacionais pedem uma entrevista.
O discurso que Txai fez na
abertura da última conferência do clima (COP26), em dezembro de 2021, parece
ainda ecoar. Em Estocolmo não há programação para uma fala dela diante da
plateia, mas a visão dos povos indígenas sobre o que acontece no Brasil é alvo
frequente de interesse nos bastidores das reuniões.
"A gente está aqui para
acompanhar a conferência e também tentar encontrar algum representante do
governo brasileiro", diz Txai, que está na conferência como representante
da ONG Kanindé Associação de Defesa Etnoambiental, da Articulação dos Povos
Indígenas do Brasil (Apib) e do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia.
Frustrada com o papel de seu
país de origem na agenda ambiental, a jovem líder diz que o Brasil pratica
greenwashing (injustificada apropriação de virtudes ambientalistas) em reuniões
como a de Estocolmo. A situação, rebate, é de guerra.
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"Quando 20 mil
garimpeiros estão dentro de uma terra indígena, e todo mundo sabe que estão
estuprando mulheres e crianças, onde pessoas estão passando fome, é uma guerra.
A gente está vivendo uma guerra, só que é invisível, as pessoas não
olham", argumenta em entrevista à DW Brasil.
Txai Suruí: A gente está
aqui para acompanhar a conferência e também tentar encontrar algum
representante do governo brasileiro, ver se vai sair algum documento oficial e
ver a que passo o mundo e o Brasil estão andando na direção para contornar esta
crise climática.
A gente está aqui para
mostrar para o restante do Brasil e do mundo o que está acontecendo na
Estocolmo+50, porque não é todo mundo que pode estar aqui. Ainda tem poucos
indígenas do Brasil aqui, e é importante esta representação.
Quando a gente fala de
mudanças climáticas, de meio ambiente, a gente está falando primeiramente sobre
gente, sobre a floresta, sobre a Amazônia, sobre os povos indígenas. Já somos
os principais afetados por toda essa crise e também estamos na linha de frente
da proteção dessas florestas.
Os povos indígenas são 5% da
população mundial, mas protegem 80% da biodiversidade do planeta. Como esse
tipo de evento acontece e a gente não está aqui?
A gente está aqui para
ocupar esses espaços que vão falar sobre o nosso futuro, as nossas vidas.
A diplomacia brasileira ajudou
a fixar esse conceito de desenvolvimento sustentável na agenda das Nações
Unidas, principalmente depois de receber a Rio-92. Como os jovens indígenas
veem os passos que o Brasil tem dado rumo ao desenvolvimento sustentável?
O Brasil é importantíssimo
quando a gente vai falar do meio ambiente em todas as conferências que tratam
do tema. Ele sempre foi essencial, e aí ele pode se colocar no papel de ser
herói ou vilão. Hoje a gente está vendo que o Brasil é o vilão.
Ele passou do protagonismo
de quem está ajudando a criar o termo desenvolvimento sustentável para virar o
país que está sendo visto pelo mundo como destruidor da Amazônia, destruidor
das florestas. Estamos vendo os maiores índices de desmatamento dos últimos 15
anos.
O problema é que a gente não
tem mais tempo. Os recursos do planeta não são ilimitados. Na verdade, quem vai
desaparecer é a gente. A maior parte da Amazônia está no Brasil, com a maior
biodiversidade de animais e plantas, e de povos também. E a gente vem tratando
os povos indígenas como um obstáculo para o tal chamado progresso.
A gente vive em harmonia com
a natureza há milênios, a gente tem muito a ensinar e falar sobre isso. Muitas
pesquisas mostram que o manejo dos povos indígenas contribui para que ela seja
essa enorme floresta. Os territórios indígenas protegem a floresta.
O que vocês esperam de
reuniões diplomáticas como esta de Estocolmo?
Existe uma grande diferença
entre expectativa e realidade. A expectativa seria que a discussão sobre o percurso
em que estamos desde a primeira conferência [climática], o que a gente precisa
fazer para melhorar. Mas, para isso, a gente precisaria ter mais
representatividade aqui, mais povos indígenas de todo o mundo, ter populações
que realmente estão sofrendo com a degradação ambiental. A gente precisaria de
representantes dos nossos governos comprometidos com essa causa, mas não é o
que está acontecendo no Brasil.
Infelizmente, a realidade é
que a gente ainda tem pouco diálogo e pouca ação. A gente continua só falando,
falando, falando, quando a gente não tem mais tempo de falar. A gente já está
sentindo a mudança.
Exemplos das mudanças
climáticas no Brasil são muitos, como as tragédias provocadas pelas chuvas
extremas na Bahia, Minas Gerais, Petrópolis, Recife.
Antes de vir para Estocolmo,
estava na minha aldeia. Lá a gente está vendo que este ano o rio vai secar
todo. A chuva, quando é para cair, não cai mais, ou demora para começar. Às
vezes chove quando não é época.
Tudo isso prejudica as
nossas plantações, a nossa alimentação e faz nossas plantas medicinais
desaparecerem. Hoje já tem planta que a gente não encontra mais. A gente já
está sofrendo as consequências das mudanças climáticas agora.
O Brasil, na visão de vocês,
está desempenhando um bom papel aqui?
O Brasil deveria estar aqui
como um país-chave para reverter essa crise.
O ministro do Meio Ambiente
virá. Eu quero ver qual será a posição do país. A gente vê que internamente o
país tem um projeto: o que vem acontecendo nos territórios indígenas, toda a
destruição que a gente está vendo, os ataques que os ativistas de direitos
humanos estão sofrendo é proposital.
O que está acontecendo
dentro dos nossos territórios tem incentivo do governo para que invasores
entrem. O Brasil vem colocando um projeto antiambientalista e anti-indígena em
curso. Existem leis tramitando que querem acabar com as nossas terras e
permitir grandes empreendimentos sem levar em consideração tratados
internacionais.
Mas quando chega aqui, como
aconteceu na última COP, o Brasil faz greenwashing, fala que protege a
Amazônia. Mas a gente está aqui para falar a verdade, dizer que o que está
acontecendo no Brasil é que os povos tradicionais, ribeirinhos e quilombolas é
que preservam e que estão sofrendo.
O que você falaria para
plateia aqui em Estocolmo?
A gente está vendo pouca
movimentação dos países aqui. Fala-se demais, mas nada é feito.
Hoje a Europa está
preocupada com a guerra na Ucrânia, e estão certos. O problema é que hoje
qualquer coisa tira o foco do meio ambiente, das mudanças climáticas, enquanto
elas estão acontecendo agora. A própria guerra traz consequências para as
mudanças climáticas.
A gente também está vivendo
uma guerra no Brasil: quando 20 mil garimpeiros estão dentro de uma terra indígena,
como o que está acontecendo com os yanomami, e todo mundo sabe que estão
estuprando mulheres e crianças, onde pessoas estão passando fome, é uma guerra.
A gente está vivendo uma guerra, só que é invisível, as pessoas não olham.
Mas essa guerra vai ter uma
consequência para o mundo inteiro. No momento em que a Amazônia acabar, que as
florestas forem destruídas, não tem salvação, não tem vida para ninguém.
Nádia Pontes, DW
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