Especialistas alertam para necessidade de adaptação e redução de emissão gases de efeito estufa; ações adotadas até agora são insuficientes, segundo relatório.
Metade da população
mundial é "muito vulnerável" aos impactos cruéis e crescentes das
mudanças climática – e a inação "criminal" dos governantes ameaça
reduzir as poucas possibilidades de um "futuro habitável" na Terra,
alertou o Painel Intergovernamental de Especialistas sobre Mudanças Climáticas
(IPCC) da ONU nesta segunda-feira (28).
Em seu novo relatório, a
entidade, que reúne 270 cientistas de 67 países, alerta para secas, inundações,
ondas de calor, incêndios, insegurança alimentar, escassez de água, doenças,
aumento do nível das águas e mais.
“O relatório do IPCC de hoje é um atlas do
sofrimento humano e uma acusação condenatória de liderança climática
fracassada”, disse o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, em
comunicado".
Com fatos e mais fatos,
este relatório revela como as pessoas e o planeta estão sendo atingidos pelas
mudanças climáticas. Eu vi muitos relatórios científicos durante minha
carreira, mas nenhum como este", completou.
O relatório é o segundo
capítulo de três sobre as ações humanas e as mudanças climáticas. O primeiro
foi publicado em agosto do ano passado; o segundo está previsto para abril.
O texto foi negociado
linha a linha, palavra por palavra, pelos 195 Estados-membros da ONU. Segundo o
resumo do documento para tomadores de decisão – como parlamentares e chefes de
Estado –, entre 3,3 e 3,6 bilhões de pessoas já são "muito
vulneráveis" às mudanças climáticas.
O chefe da diplomacia dos
Estados Unidos, Antony Blinken, afirmou que o relatório é um "recordação
de que a crise climática ameaça a todos".
"Também demonstra por
que a comunidade internacional deve continuar adotando medidas climáticas
ambiciosas, mesmo quando enfrentamos outros desafios globais urgentes",
acrescentou o secretário de Estado em um comunicado.
Para Blinken, "se as
decisões políticas e econômicas são os principais fatores de conflito, a
mudança climática aumentará a ameaça à estabilidade local e mundial".
"Os relatórios do
IPCC são como sinos de alarme para a crise climática", alertou a
especialista Christiana Figueres, ex-secretária-executiva da Convenção-Quadro
das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC, na sigla em inglês), e
cofundadora da "Global Optimism".
"Este último
relatório é um lembrete sóbrio de que nosso fracasso global em reduzir as
emissões está levando a impactos devastadores na saúde, econômicos e sociais em
todo o mundo. Mas o relatório também é um lembrete de que temos o poder de
mudar isso", ressaltou.
"Podemos prevenir e
nos proteger de eventos climáticos extremos, fome, problemas de saúde e muito
mais, cortando as emissões e investindo em estratégias de adaptação. A ciência
(e as soluções) são claras. Depende de como moldamos o futuro", completou
Figueres.
Mais
pobres sofrem mais
O sofrimento é ainda maior
para as populações mais frágeis, como os povos autóctones ou pobres, afirmou o
IPCC, mas também afeta os países ricos – como ocorreu no ano passado, com as
inundações na Alemanha e os incêndios devastadores nos Estados Unidos.
"É muito claro para
nós que nenhuma quantidade de adaptação pode compensar a falha em limitar o
aquecimento a 1,5°C [meta estabelecida pelo Acordo de Paris em 2015]",
afirmou a presidente do grupo dos Países Menos Desenvolvidos (LDCs) nas
negociações climáticas da ONU, Madeleine Diouf Sarr.
A temperatura do planeta
aumentou, em média, 1,1 °C desde a era pré-industrial. Em 2015, o mundo se
comprometeu, com o Acordo de Paris, a limitar o aquecimento a 2 °C, com
esforços para mantê-lo abaixo de 1,5 °C.
Na primeira parte de seu
relatório, publicado em agosto do ano passado, os especialistas do IPCC
estimaram que, até 2030 – dez anos antes do que se pensava –, o aumento da
temperatura atingiria o limite de 1,5°C.
O texto desta segunda (28)
destaca que ultrapassar os 1,5ºC de aquecimento – ainda que de maneira
temporária, antes de tentativas de esfriar o planeta depois – poderia provocar
danos "irreversíveis" a ecossistemas frágeis como os polos, as costas
e as montanhas, com efeitos em cascata para as comunidades que vivem nestas
áreas.
"O relatório confirma
o que já estamos vendo e experimentando – a mudança climática está causando
perdas e danos devastadores, e afetando desproporcionalmente nossa população
vulnerável", disse Sarr."
"De acordo com este
relatório, o financiamento acessível é uma barreira fundamental, e buscaremos
finanças públicas dedicadas nas negociações internacionais, tanto para a
adaptação, como para enfrentar perdas e danos", completou.
O financiamento para
enfrentar as mudanças climáticas é uma grande questão para países menos
desenvolvidos. Em 2009, países ricos prometeram pagar aos mais pobres U$S 100
bilhões (cerca de R$ 516 bilhões) por ano, até 2020, para ajudá-los a se
adaptar às mudanças e mitigar os efeitos dela. Isso não foi alcançado.
O copresidente do grupo do
IPCC que preparou o documento, .Hans-Otto Pörtner, lembrou que o relatório não
pode ser ofuscado pela invasão russa da Ucrânia. O aquecimento do planeta
"nos persegue, ignorá-lo não é uma alternativa", declarou à AFP.
O
que é o IPCC e por que os alertas dele são preocupantes?
As consequências
desastrosas aumentarão com "cada décimo adicional de aquecimento".
O relatório também prevê o
desaparecimento de 3% a 14% das espécies terrestres e alerta que, até 2050,
quase um bilhão de pessoas viverão em áreas costeiras de risco.
"A adaptação é
crucial para nossa sobrevivência", disse em um comunicado o
primeiro-ministro de Antígua e Barbuda, Gaston Browne, que preside a Aliança de
Pequenos Estados Insulares (AOSIS).
Brown fez um apelo para
que os países desenvolvidos respeitem o compromisso de aumentar a ajuda
climática aos países pobres – para permitir que se preparem para as catástrofes
previstas.
Esforços
de adaptação insuficientes
O relatório constata que,
apesar de alguns progressos, os esforços de adaptação são em sua maioria
"fragmentados, de pequena escala" e que, sem uma mudança de
estratégia, a lacuna entre o que é necessário e o que precisa ser feito pode
aumentar.
Mas, em um determinado
ponto, adaptar-se não será possível, de acordo com o documento. Alguns
ecossistemas já foram pressionados "além de sua capacidade de
adaptação" e outros se enfrentarão o problema caso o aquecimento global
continue, adverte o IPCC, enfatizando que a adaptação e a redução das emissões
de C02 devem caminhar juntas.
"À luz dos
compromissos atuais, as emissões globais vão aumentar quase 14% na década
atual. Isto representará uma catástrofe. Vai destruir qualquer chance de manter
viva a meta de 1,5ºC", denunciou António Guterres, que apontou como
"culpados" os grandes países emissores.
No fim do ano passado, na
COP26 em Glasgow, o mundo prometeu acelerar a luta contra o aquecimento global
e reforçar as ambições para a COP27 – programada para ocorrer no Egito em
novembro.
"Não esqueçamos de
uma coisa: estamos todos no mesmo barco", afirmou o ex-primeiro-ministro
de Tuvalu, Enele Sopoaga. "Ou conseguimos flutuar ou afundamos e todos nos
afogamos", acrescentou o ex-governante da pequena ilha no Oceano Pacífico.
France
Presse
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