Uma perigosa trama política, por José Casado
José Casado, no jornal O Globo
Que tal viver nos próximos anos
submetido ao poder hegemônico de um grupo? E ainda, a cada eleição, estar
obrigado a votar exclusivamente numa lista de candidatos feita pelos caciques
desses partidos?
Lembre-se: quase todos os
parlamentares que hoje exercem mandatos ocuparão o topo das listas de
candidatos, para facilitar-lhes a reeleição.
Agora, tente imaginar o impacto
político, econômico e social dessas escolhas na vida pessoal, dos filhos, dos
netos e, talvez, dos bisnetos. Essa é a dimensão da manobra em curso no
Congresso, cujo patrocinador mais visível atualmente é o PT, com estímulo da
presidente Dilma Rousseff, do ex-presidente Lula e de algumas seções da Ordem
dos Advogados do Brasil, mas que conta com a simpatia das cúpulas de todos os
grandes partidos.
A instituição do voto em lista
partidária fechada — definida pelos chefes da burocracia partidária — será
apresentada à sociedade como “consequência natural” de um novo modelo de
financiamento de campanhas eleitorais, caso o Supremo Tribunal Federal decida
tornar partidos e candidatos mais dependentes de dinheiro público.
E, no STF, quatro dos onze ministros
já decidiram proibir doações de empresas e de pessoas físicas às campanhas
eleitorais e ao caixa de partidos políticos. Com mais dois votos iguais, fica
estabelecida a maioria. O julgamento deve ser concluído no início do próximo
ano.
No Congresso prepara-se reação
imediata, uma vez confirmada a tendência dos juízes. Justifica-se que não seria
possível cumprir a ordem da Justiça, para fazer campanha sem doações privadas,
se não houver substancial aumento do financiamento público a partidos e
candidatos.
Nas duas últimas eleições foram
registradas 420 mil candidaturas a vereador em 5.500 municípios. Pelas contas
mais conservadoras, isso custaria ao menos R$ 4 bilhões ao Tesouro Nacional —
ou seja, despesa equivalente a dois meses de Bolsa Família apenas com o
preenchimento de 56.810 vagas nas Câmaras Municipais.
A questão seguinte, nesse caso, é
como dividir a bolada de dinheiro público entre 420 mil candidatos. Seria
impossível a partilha, argumenta-se, sem a adoção do voto em lista fechada,
definida pelas cúpulas dos partidos políticos.
Planeja-se apresentar o fim do
financiamento privado aos partidos e candidatos, complementado pelo voto em
lista fechada, como alavanca para “moralizar” a política, em resposta ao ronco
das manifestações de rua contra a corrupção.
Puro engodo. A conexão política das
empresas no Brasil ocorre no uso partidário dos fundos de pensão das empresas
estatais, que têm patrimônio milionário e participam do controle acionário das
100 maiores empresas; pela reserva de um terço das vagas em conselhos de
administração das companhias privadas para pessoas politicamente conectadas; e
pelo acesso privilegiado ao caixa do sistema financeiro estatal —principalmente
o BNDES —, que tem sido decisivo para a expansão e diversificação dos grupos
empresariais dentro e fora das fronteiras nacionais.
Por trás da manobra, há coisa pior: a
ideia de que a democracia é a mãe de todas as corrupções. Uma formulação
rudimentar, acoplada ao oportunismo para manipulação política com objetivos
pouco democráticos, numa era em que o poder é cada vez mais fácil de obter, mais
difícil de utilizar e mais fácil de perder.