Até agora, sete operários morreram em obras das
arenas da Copa no país. Cinco deles foram vítimas de acidentes violentos –
desde quedas ao desabamento de um guindaste no Itaquerão, em São Paulo.
Os outros dois foram vítimas de "mal
súbito", nomenclatura genérica dada por autoridades a doenças como
infartos ou acidentes vasculares.
Para se ter ideia, na África do Sul, onde também
ocorreram inúmeros atrasos de cronograma, a preparação dos estádios causou duas
vítimas fatais.
As estatísticas mais recentes do Ministério da
Previdência Social (divulgadas em outubro) registraram mais de 62 mil acidentes
– de diferentes gravidades – no setor da construção civil no ano de 2012.
O número representa um aumento de 12% em relação
aos casos ocorridos nos dois anos anteriores. Contudo, no mesmo período, o
crescimento de empregados no setor também foi de 12%, segundo o Ministério do
Trabalho e Emprego.
O governo não tem números atualizados sobre mortes
no setor. O mais recente se refere a 2011: 471 casos.
No Estado de São Paulo – onde dois operários
morreram em novembro nas obras da Arena Corinthians – a alta no número de
mortes foi significativa, segundo dados do Sintracon-SP (Sindicato dos
Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil). Foram 24 casos neste ano
contra sete em 2012.
Pressa
"O setor da construção civil vive um momento
de aquecimento e o ritmo elevado das obras, que têm prazo para serem entregues,
acaba levando ao aumento nos acidentes de trabalho", afirmou à BBC Brasil
o procurador Philippe Gomes Jardim, da Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio
Ambiente do Trabalho (Codemat), do Ministério Público do Trabalho da União.
"O aumento no ritmo de trabalho não vem
acompanhado de mais segurança", afirmou.
Segundo ele, quanto mais longas forem as jornadas
de trabalho e menores os intervalos de folga, mais desgastado ficará o
trabalhador e, portanto, mais sujeito a acidentes.
"Falta em qualquer projeto no Brasil uma
análise preliminar de riscos feita por profissionais da área de segurança"
João Roberto Boccato, especialista em segurança do
trabalho da Unicamp
"É um círculo: o mercado exige velocidade da
construtora, que exige do trabalhador, que acaba em situação de maior
risco".
Segundo o professor João Roberto Boccato,
especialista em segurança do trabalho da Unicamp (Universidade de Campinas), as
construtoras estão mais preocupadas em cumprir os cronogramas de obras do que
em cumprir a legislação prevencionista.
"O não-cumprimento dos prazos envolve multas,
que muitas vezes são bem maiores do que o custo dos acidentes. Falta em
qualquer projeto no Brasil uma análise preliminar de riscos feita por
profissionais da área de segurança", afirmou Boccato.
Ele disse que a maioria dos contratos de obras
falha ao não prever atrasos para a realização de melhorias para prevenir
acidentes.
"Os contratos também deveriam prever
pagamentos de multas maiores por acidentes de trabalho", disse.
Horas extras e empreitada
Segundo Sebastião Geraldo de Oliveira,
desembargador do Tribunal Superior do Trabalho de Minas Gerais, adota-se com
certa frequência no setor da construção civil o pagamento rotineiro de horas
extras que, por serem sistemáticas, acabam diminuindo o tempo de descanso do
trabalhador.
"É um círculo: o mercado exige velocidade da
construtora, que exige do trabalhador, que acaba em situação de maior risco"
Philippe Gomes Jardim, procurador da Coordenadoria
Nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho (Codemat), do Ministério
Público do Trabalho da União
"Isso (horas extras) não deveria ocorrer com
tanta frequência, mas no Brasil existe a cultura da hora extra habitual, como
se o fato extraordinário fosse um fato corriqueiro".
Em alguns casos, os empregadores fazem pagamentos
de forma ilegal para horas extras não registradas, segundo Antônio de Souza
Ramalho, vice-presidente da Força Sindical, presidente do Sintracon e deputado
estadual em São Paulo pelo PSDB.
"É o trabalho por empreitada. Paga-se 'por
fora' para aumentar o ritmo da obra", disse Ramalho.
De acordo com ele, um operário comum (pedreiro,
encanador, carpinteiro, etc.) costuma ter registrado na carteira de trabalho um
salário mensal na faixa de R$ 1,5 mil. Contudo, uma vez em atividade na obra,
ele passaria a receber por tarefa cumprida (empreitada) – o que poderia elevar
seus rendimentos a até R$ 7 mil por mês.
Isso significa, segundo Ramalho, trabalhar de 12 a
16 horas por dia e não ter o serviço "por fora" registrado para fins
previdenciários ou para contar no 13º salário.
Ramalho afirmou ainda que alguns trabalhadores usam
entorpecentes para aguentar as longas jornadas de trabalho – o que aumenta
ainda mais o risco de acidentes. A droga mais comum nos canteiros de obras
seria o oxi, um derivado da cocaína preparado a partir da pasta base do
entorpecente misturado a cal e querosene.
O deputado também afirmou que não haveria fiscais
suficientes para visitar todos os canteiros de obras. Eles são necessários para
garantir o cumprimento de normas de segurança e impedir o excesso de trabalho
dos operários.
Segundo Boccato, além disso, a fiscalização não é
suficiente porque o valor das multas é baixo. Ele cita como exemplo o caso de
uma empreiteira com obras em um aeroporto no Estado de São Paulo, que já teria
sido multado diversas vezes por ação do Ministério Público – devido a
irregularidades na questão de prevenção de acidentes.
"Mas por que estas obras continuam? Porque o
valor das multas é muito pequeno em comparação com o custo do atraso da
obra", afirma.
Segundo os especialistas, a responsabilidade para
esses problemas deve recair tanto nas construtoras como no poder público e nos
próprios operários e seus sindicatos.
A BBC Brasil entrou em contato com o Sinicon, o
sindicato patronal da construção pesada, para comentar a questão da insegurança
em canteiros de obras mas não obteve resposta até o fechamento desta
reportagem.