“(...) No Brasil, cerca de 40% do total da água potável destinada ao consumo se perde na tubulação, seja por vazamento ou por ligações clandestinas, segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (...)”
No país com maior disponibilidade de água doce no mundo, nos acostumamos a ignorar sua escassez, a desigualdade na sua distribuição e como dependemos dela no dia a dia.
O acesso à água e ao
saneamento como um direito humano expõe nossa profunda relação com este recurso
finito e a necessidade de trabalharmos a curto, médio e longo prazos para não
deixarmos ninguém para trás.
O momento em que o Brasil
vive mais uma grave crise hídrica, sanitária e social nos convida a agir em
relação aos recursos hídricos sob o olhar da adaptação, resiliência, eficiência
e acesso, com foco e alianças locais. A mudança do clima é uma das ameaças mais
graves à humanidade, com impactos diretos sobre a segurança hídrica, em
especial, a água para abastecimento humano, produção e consumo, geração de
energia, preservação dos ecossistemas e resiliência aos eventos climáticos
extremos.
E quando se fala em mudanças
do clima, o sexto relatório do Grupo de Trabalho I do IPCC aponta que o globo
provavelmente atingirá um aumento de temperatura média superior ao recomendado
pelo Acordo de Paris até o final do século. Somente cortes ambiciosos nas
emissões de fontes poluidoras permitirão manter um aumento de até 2°C médios.
Caso nada seja feito, o IPCC projeta que o globo possa aquecer mais de 4°C no
período. Na prática, o que isso representa?
O aumento da temperatura
global é reflexo de diversos fatores, sendo os principais o desmatamento e a
emissão de gases provenientes do efeito estufa – GEE. Estudos já comprovam uma
perda pronunciada na resiliência de áreas florestais desde o início do século,
levando a oscilações no regime de chuvas e trazendo uma repercussão negativa em
relação ao desenvolvimento econômico e humano.
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Mais de 2 bilhões de pessoas
(cerca de 1 a cada 4) vivem em países com escassez hídrica ou consomem água
proveniente de fontes contaminadas. Essa marca se agrava ainda mais em regiões
de alta vulnerabilidade econômica e estrutural. A grande maioria dos países em
desenvolvimento estão despreparados para os efeitos das mudanças climáticas e
são os que mais sofrem com a falta de recursos e saneamento básico.
No Brasil, cerca de 40% do
total da água potável destinada ao consumo se perde na tubulação, seja por
vazamento ou por ligações clandestinas, segundo dados da Confederação Nacional
da Indústria. Olhando a longo prazo, a Organização das Nações Unidas acredita
que em 2050 faltará água para cerca de 5 bilhões de pessoas no mundo – ou seja,
metade da população global estimada para a década. Baixas taxas de saneamento e
má distribuição de água têm correlação direta com a transmissão de doenças que
expõem os indivíduos a riscos de saúde evitáveis. Em crianças e adolescentes,
por exemplo, o acesso à água potável pode resultar em mais saúde e no aumento
na frequência escolar.
Cuidar da justiça hídrica da
sociedade está longe de ser a preocupação de um único setor. Este é um papel
que vai desde a conscientização do consumo interno familiar, como fechar a
torneira ao escovar os dentes, até medidas de mitigação dos setores privado e governamental,
com intuito de evitar as perdas e aprimorar a disponibilidade de água e
saneamento para todos.
Segundo dados apurados pela
Resultante ESG – que conta com uma plataforma de avaliação de quase 200
empresas de capital aberto – sobre a preocupação quanto ao tema “água”, dos 11
setores avaliados em 2021, apenas os segmentos de papel e celulose e o setor de
siderurgia e mineração tiveram destaque e se apresentaram na média quanto à
discussão da problemática, com um pouco mais de 60 pontos entre 100 possíveis
em uma nota que leva em conta 15 temas ambientais, sociais e de governança
corporativa.
Em geral, esses setores
tiveram um bom desempenho por serem grandes indústrias que possuem maior
materialidade no tema. Por outro lado, a média de todos os setores juntos não
atinge os 30 pontos, o que indica que, de modo geral, as empresas não olham
para esse consumo. Esperava-se uma pontuação melhor dos setores de
infraestrutura e construção civil, por serem intensivos no consumo de água. No
entanto, infraestrutura apresentou queda no desemprenho entre 2020 e 2021 e a
construção civil ficou abaixo dos 20 pontos nos últimos 3 anos avaliados. O uso
de água de forma consciente e o combate aos desperdícios é uma pauta de ação
necessária.
Nesse contexto de um clima
em mudança e da degradação das bacias hidrográficas, garantir a disponibilidade
de água em quantidade e qualidade suficientes para o atendimento às
necessidades humanas como prioridade e, ao mesmo tempo, viabilizar a prática
das atividades econômicas e a conservação dos ecossistemas aquáticos e
terrestres é um desafio complexo e urgente, que só será superado a partir de
uma atuação de liderança conjunta entre o setor privado, os governos nas
diferentes esferas e a sociedade civil, de forma sistêmica e com mecanismos de
governança robustos. Para ajudar nessa missão, a Rede Brasil do Pacto Global
estabeleceu o Movimento +Água, cujo objetivo é levar saneamento e segurança
hídrica a mais de 100 milhões de pessoas até 2030.
Mais do que um
posicionamento público, o Movimento +Água propõe uma jornada conjunta por maior
controle, transparência e ações coletivas, defendendo a definição de metas como
uma maneira poderosa de impulsionar as empresas com vantagem competitiva na
transformação da sociedade para a universalização do saneamento e a segurança
hídrica no país, avançando no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 6 – Água
Potável e Saneamento, que busca garantir disponibilidade e manejo sustentável
da água e saneamento para todos.
A iniciativa é uma colaboração
entre Rede Brasil do Pacto Global, Instituto Trata Brasil, Ordem dos Advogados
do Brasil Conselho Federal (OAB), The Nature Conservancy Brasil (TNC) e
Water.org. Para participar, as companhias devem se inscrever, reportar as
melhores práticas e preencher um formulário anual auto declaratório do
Movimento +Água com os indicadores de cada compromisso assumido.
É por meio do trabalho
conjunto desenvolvido em iniciativas como essa, com a aliança entre empresas e
atores de influência política e econômica, que a sociedade ganha forças para
enfrentar as desigualdades, pensar a conscientização ambiental e aproveitar da
melhor maneira os recursos tão básicos quanto finitos, como a água. Afinal,
pensar em alternativas de mitigação da escassez hídrica é, também, pensar em
desenvolvimento econômico e não podemos deixar essa reflexão para o futuro.
Devemos voltar nossas atenções, no presente, para a carta que a humanidade está
escrevendo aos nossos filhos e netos ou eles podem ter de pagar caro na conta
que nós estamos deixando pendurada hoje.
Sobre as autoras: Daniela
Freitas (Analista ESG & Mudança Climática na Resultante ESG) e Maitê
Padovani Leite (Gerente de Meio Ambiente do Pacto Global da ONU Brasil.
Daniela Freitas e Maitê
Padovani Leite, O Globo
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