Iniciativas de
empresas no país oferecem modelos ao mundo; políticas públicas podem promover
ampla transformação do setor
A indústria brasileira está comprometida com a agenda ambiental e trabalha
para se tornar referência no uso eficiente dos recursos naturais. Uma das
evidências é que 76,5% das indústrias do país adotam algum processo de economia
circular, segundo dados da CNI (Confederação Nacional da Indústria). Entre as
principais práticas estão otimização de processos (56, 5%), uso de insumos
circulares (37, 1%) e recuperação de recursos (24, 1%).
'As grandes empresas buscam modelos de negócios dentro da sustentabilidade que
as façam prosperar. Um deles é a economia circular', diz Aldo Ometto, professor
do Departamento de Engenharia de Produção da USP (Universidade de São Paulo),
em São Carlos.
A economia circular está no centro do conceito de sustentabilidade. É um sistema
que alia desenvolvimento econômico ao melhor uso de recursos
naturais, menor impacto ambiental e maiores efeitos sociais. 'São criadas
outras formas de negócios', afirma o professor.
Um exemplo é o da multinacional de eletroeletrônicos Flex. A empresa montou em
Sorocaba (SP) o Sinctronics, um centro de inovação em sustentabilidade. '*Como
objetivo de incorporar resíduos nas cadeias de produção de clientes', afirma
Leandro Santos, vice-presidente de Operação da Flex no Brasil.
A Flex passou a usar plástico reciclado de impressoras descartadas na produção
de novas, sob demanda de outra multinacional. A companhia repassa demais
materiais para indústrias parceiras. A unidade recebeu o certificado Zero
Waste, porque elimina 100% dos resíduos.
O reaproveitamento de descartes é feito em parceria com cooperativas de
catadores. *Trouxemos para dentro do processo soluções que incluem
socialmente', declara Santos. 'O modelo brasileiro é referência para a Flex no
mundo"', acrescenta.
De acordo com o executivo, o fato de o Brasil ter uma base industrial grande e
diversificada possibilitou que a iniciativa surgisse. 'O Brasil pode ser líder
nesse novo modelo', declara.
Outro exemplo é o da siderúrgica multinacional Arcelo Mittal. Ela adota no
Brasil um modelo em que serviços são agregados ao produto e ampliam sua vida
útil. Em vez de vender, a empresa aluga 'estacas-prancha metálicas' para obras
de contenção temporárias, em substituição a estruturas de concreto, que depois
são reutilizadas por outros clientes.
De acordo com Guilherme Abreu, gerente-geral de Sustentabilidade da Arcelor
Mittal no Brasil, a companhia promove também reciclagem de 'coprodutos', como
escórias, acima de 90%. A empresa mantém ainda uma rede de captação de sucata
para uso como matéria-prima.
'*Da sucata se produz um noVO aço com as mesmas características do original,
infinitas vezes', observa Abreu. 'São ações que perenizam nossos negócios',
declara.
A sustentabilidade ganha importância também na área de compras públicas.
Segundo Tânia Pimenta, secretária de Controle Externo de Aquisições
Logisticas do TCU (Tribunal de Contas da União), a nova Lei de Licitações coloca
o 'desenvolvimento nacional sustentável' como um dos objetivos do processo
licitatório.
'As compras públicas têm uma representação significativa no PIB brasileiro e
grande potencial de indução de políticas públicas', afirma Tânia. 'Existe
preocupação dos gestores públicos com o tema. Eles estão antenados, sabem da
necessidade de observar esse princípio, mas têm dificuldade em saber como
fazer', diz.
Nesse sentido, em 2020, a CNI lançou, em parceria com o Sebrae e o TCU,
cartilha para orientar o setor produtivo na definição de requisitos que vão
ajudar o gestor público a realizar compras governamentais mais sustentáveis.
Tânia destaca ainda a importância de ações educativas. Para a CNI, isso vale
também para consumidores. Pesquisa da entidade mostra que 58% dos brasileiros
nunca ou raramente verificam se a forma de produção de um bem é sustentável, e
apenas 38% estão preocupados com impactos ao meio ambiente.
Para viabilizar a transição para a economia circular, a indústria sugere a
eliminação da cumulatividade tributária, em especial sobre reciclados, e uma
maior interação entre as políticas públicas ambientais existentes, em relação à
extração ao uso e à recuperação de recursos. Além disso, defende o incentivo ao desenvolvimento tenológico
e à inovação.
Negociação define normas internacionais de economia circular
O Brasil é protagonista de uma iniciativa internacional de normatização da
economia circular. Liderado pela CNI (Confederação Nacional da Indústria), o
país participa de negociações na ISO (Organização Internacional de
Normalização).
'Está em elaboração um conjunto de normas internacionais sobre economia
circular, pois isso ainda não existe', diz Mario William Esper, presidente da
ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), representante da ISO no Brasil.
Nas negociações, a CNI defende a transição gradual para a economia circular.
Entre as práticas que o setor gostaria que fossem contempladas na norma está a
recuperação energética de resíduos. 'O Brasil é um dos únicos países que ainda
enterram energia em lixões ou aterros', afirma Paulo Camillo Penna, presidente
da ABCP (Associação Brasileira de Cimento Portland). As cimenteiras usam
escórias siderúrgicas, cinzas de termelétricas e pó de calcário como insumos e
gastam menos combustível para produzir mais cimento. Pneus velhos e biomassa
substituem o coque na geração de energia.
Graças a essas práticas, as emissões do setor de cimento estão n% abaixo da
média mundial, e a meta é reduzi-las em mais 33% até 2050. 'Vamos evitar a
emissão de 420 milhões de toneladas de CO, equivalente na atmosfera', declara
Penna.
'É importante para o Brasil a geração de energia a partir de resíduos', afirma
Jorge Soto, diretor de Desenvolvimento Sustentável da petroquímica
Braskem. 'O pais é grande produtor de biomassa. '
A empresa produz resinas a partir de etanol de cana-de-açúcar. 'Somos os
maiores produtores mundiais de biopolímeros', diz Soto. Usa-se também plástico
reciclado na composição de produtos.
Com a economia circular, há menor impacto ambiental e maiores efeitos sociais.
Além disso, são criadas novas formas de fazer negócios'
Propostas prioritárias para a agenda da economia circular
Adequar o ambiente regulatório para viabilizar a transição para a economia
circular MN Promover a gestão estratégica, o mapeamento e o rastreamento dos
estoques e fluxos de recursos M Incentivar a adição, retenção e recuperação de
valor dos recursos pelas organizações M Incentivar a pesquisa, o desenvolvimento e
a inovação tecnológica para melhor aproveitamento dos recursos W Contribuir
para a competitividade e ampliação do setor de manufatura brasileiro e acesso
ao mercado externo W Fomentar a conscientização da sociedade para o melhor uso
dos recursos
O que pensam empresários e consumidores? Resultados de pesquisas da CNI
88,2% dos empresários veem a economia circular como importante ou muito
importante para a indústria
76,5% das indústrias adotam alguma prática de economia circular
73% dos industriais defendem cooperação entre governo, setor privado e sociedade
60% dos entrevistados dizem que a economia circular pode gerar empregos
1 em cada 31 brasileiros está disposto a pagar mais caro por itens fabricados
de forma ambientalmente correta
38% estão preocupados com o impacto da produção no meio ambiente
62% já boicotaram marcas por violação de direitos trabalhistas, maus-tratos a
animais, crimes ambientais, discriminação e posicionamento político.
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