O gesto é automático, antes mesmo de levantar da cama: ao acordar, a
mão logo estica em busca do celular. A tela desbloqueada inunda os olhos — e o
cérebro — de mensagens, notícias, imagens e informações. Em um mundo cada vez
mais conectado, em especial em tempos de pandemia, o smartphone virou quase uma
extensão do corpo.
Estudos recentes mostram que, em média, as pessoas
checam seu celular 80 vezes por dia. No entanto, o uso em excesso pode causar
danos à saúde e ao bem-estar.
Como o fenômeno é novo, os impactos das redes sociais
na saúde mental ainda não são totalmente compreendidos, mas as evidências mais
contundentes disponíveis apontam para a associação dessas tecnologias ao
aumento do risco de problemas mentais, em especial ansiedade e depressão. Calma,
isso não significa que as redes sociais sejam a causa primária desses
transtornos, como alguns querem nos fazer acreditar. Mas seu papel de gatilho
soa incontestável.
As pessoas mais suscetíveis à depressão têm pouca
habilidade para regular as emoções, têm baixa resiliência e tendem a ter
problemas de autoestima. Nesse caso, as redes sociais são um prato cheio para
embaralhar a saúde mental. O uso antes de dormir prejudica o sono; as
notificações constantes afetam a concentração; os likes aceleram a necessidade
de aprovação e a busca pela selfie perfeita contribui com a busca incessante
pela perfeição. Uma pesquisa recente feita pela pesquisadora comportamental
Vanessa Van Edwards mostrou que 68% dos entrevistados relataram episódios de
ansiedade e pânico diante de imagens que eles não conseguiam reproduzir em suas
vidas.
Além disso, o ambiente virtual é habitado pelos haters,
que praticam cyberbullying. Famosos como as cantoras Luísa Sonza e Ana Vilela
já falaram em público sobre como o ódio nas redes sociais pode ser gatilho para
depressão. A última edição da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar mostrou que um
em cada dez estudantes já foi ofendido nas redes sociais.
O uso excessivo da internet é especialmente preocupante
na adolescência, quando o cérebro é mais vulnerável ao surgimento de doenças
mentais. Nascidos em uma época hiperconectada, os jovens, com mente ainda em
formação, têm mais risco de desenvolver déficit de atenção, fobia social,
depressão e compulsão com esses hábitos.
Antes da pandemia, os brasileiros estavam entre os
povos que passam mais tempo conectados: em média, nove horas diárias. A média
mundial é de seis horas. A situação certamente piorou na pandemia, quando o
trabalho, a escola e as relações sociais se tornaram primordialmente remotas.
Um estudo publicado em 2017 pela Universidade de Seul, na Coreia do Sul,
mostrou que a utilização excessiva de telas como a de celular gera alterações
químicas no cérebro que levam a reações idênticas às da síndrome de
abstinência.
Já existem centros dedicados a tratar do vício na
internet, que inclui, entre outros, jogos online e redes sociais. No Brasil, os
principais são o Instituto Delete, no Rio de Janeiro, e o Grupo de Dependências
Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo. Em
países como Inglaterra e Japão, a dependência tecnológica já é vista como um
problema de saúde pública.
Levantamento realizado no Reino Unido avaliou a
influência de quatro redes — YouTube, Instagram, Twitter e Snapchat — em jovens
de 14 a 24 anos. A plataforma mais nociva seria o Instagram. A proliferação de
fotos cuidadosamente produzidas para parecem espontâneas e tratadas impacta a
autoimagem e multiplica o FOMO (“fear of missing out”, ou medo de ficar de
fora). Essa ansiedade por estar sempre conectado serve como alimento para os
processos depressivos.
Na tentativa de reduzir a ansiedade causada pelos
likes, o Instagram declarou o fim das curtidas. Pode parecer exagero, mas não
é. Receber curtidas nas plataformas ativa a dopamina, neurotransmissor
associado a situações prazerosas. Isso faz com que procuremos mais do mesmo,
para continuar a sentir essa sensação boa. Na mesma medida, a sensação
contrária é frustrante.
Para a psicóloga Andrea Jotta, pesquisadora da PUC-SP,
o que torna as redes sociais mais prejudiciais são os algoritmos.
— O que é prejudicial para a saúde mental é ficar na
bolha. Quando você está mais deprimido, busca conteúdos que favorecem esse
estado. As redes vão alimentar isso ainda mais, pois continuam trazendo conteúdos
tristes — ressalta.
Para reduzir as consequências de uma timeline
prejudicial a quem sofre com transtornos de ansiedade e depressão, o Instagram
passou a mostrar mensagem com sugestões de cuidados quando se faz buscas por
hashtags relacionadas a essas condições.
Um estudo da Universidade Duke, dos Estados Unidos,
confirmou esse impacto negativo. Os participantes que usavam tecnologias
digitais por mais de duas horas e meia por dia tendiam a exacerbar
comportamentos associados à depressão. Quando a exposição era menor, o uso dos
aparelhos operava no sentido contrário: ajudava a diminuir os sinais de
angústia.
Para Marcelo Demarzo, professor do departamento de
Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina da Unifesp e coordenador do
Centro Mente Aberta da faculdade, as redes sociais também têm aspectos que são
benéficos. Tudo depende da como cada um usa.
— Tem sempre um lado positivo e um lado negativo. O
lado bom das redes sociais é a conexão humana, com amigos, família e conhecidos
— diz ele, que acrescenta outra característica favorável dessas plataformas:
seu uso como fontes de informação e aprendizado.
Mas afinal, como saber se essa relação é saudável ou
passou dos limites? Uma das diferenças está no nível de inquietação quando o
dispositivo não está por perto. Outra dica é notar se o uso exagerado do
smartphone está interferindo na produtividade no trabalho ou no tempo dedicado
à família, aos amigos ou a outras atividades. A premissa para tudo na vida vale
para as redes sociais também: use com moderação.
O
Globo
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