O ICMBio é responsável por gerir e proteger unidades de conservação, mas também funciona como um importante centro de pesquisas |
A partir de abril, estudos do instituto ambiental só poderão ser divulgados após aval de um tenente-coronel da PM que ocupa diretoria. Pesquisadores apontam que medida prejudica pesquisa e conservação do meio ambiente.
O governo federal regulamentou uma norma para a
divulgação de pesquisas feitas no âmbito do Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade (ICMBio). A portaria, publicada no Diário Oficial
da União no dia 12 de março, delega ao diretor de pesquisa a competência de
autorizar previamente a publicação de textos produzidos no âmbito do instituto.
O cargo é ocupado por Marcos Aurélio Venâncio, tenente-coronel da reserva da
Polícia Militar do estado de São Paulo. A medida vai passar a vigorar em 1º de
abril.
A regra já aparecia em um Código de Ética do instituto
elaborado em 2020, mas somente agora foi regulamentada.
Além de implantar, gerir, fiscalizar e monitorar
unidades de conservação federais, o ICMBio é responsável por fomentar e
executar programas de pesquisa, proteção, preservação e conservação da
biodiversidade. Com 14 centros de pesquisas, o ICMBio produz uma série de
estudos, muitos em parceria com outras universidades, inclusive do exterior.
Agora, mesmo estes teriam que passar pelo aval do diretor.
Para cientistas independentes e também para
pesquisadores e funcionários do ICMBio e do Ministério do Meio Ambiente (MMA)
ouvidos pela DW Brasil, trata-se de censura prévia, além de representar um
entrave a parcerias com outros centros de pesquisa no Brasil e no mundo. Tanto
servidores do instituto quanto do MMA falaram sob condição de anonimato.
"A repercussão interna [por conta da portaria]
foi de muito medo. É uma evidência de controle e de censura", disse uma
pesquisadora do ICMBio. "Há muito receio também em relação a como os
parceiros nos verão, porque muito do que o ICMBio constrói é junto com uma
enormidade de parceiros. Quando a gente faz a avaliação de quão ameaçadas estão
as espécies, por exemplo, tudo isso é feito com centenas de instituições."
A DW Brasil fez uma série de questionamentos ao MMA,
que os remeteu ao ICMBio. Em resposta, o instituto enviou uma lacônica nota:
"Não há censura. Qualquer publicação que se pretenda fazer em nome do
órgão continuará sendo previamente analisada, porém, agora, de forma delegada
ao diretor da área e não mais pelo presidente do órgão." Atualmente, o
instituto é presidido por Fernando Cesar Lorencini, um coronel da Polícia
Militar de São Paulo.
Ofensiva
Até então, publicações que saíssem com o selo do
instituto já precisavam de autorização. Mas a portaria é mais abrangente.
"Uma publicação do ICMBio, do ministério, que sai com a logomarca do
ministério, isso é uma coisa; outra coisa é o que saiu agora na portaria,
porque isso significa que eu, como pesquisadora, com doutorado e pós-doutorado,
se eu tiver que fazer um artigo eu vou ter que submeter ao diretor, mesmo já
tendo passado por uma avaliação de pares. Então, claramente, é uma
censura", avalia uma servidora do MMA. "Fora isso, o que pode acontecer
é que os pesquisadores vão acabar desistindo de ter publicações com
pesquisadores do ICMBio."
Há uma preocupação também, por parte dos
pesquisadores, com a falta de detalhamento da portaria. Em um áudio de Whatsapp
trocado entre pesquisadores do instituto a que a reportagem teve acesso, um
servidor fala: "Vamos submeter os pedidos de autorização da publicação de
nossas pesquisas e ficaremos esperando resposta ad infinitum. A portaria não
traz prazo, não determina nada, não regulamenta."
Mercedes Bustamante, professora do departamento de
Ecologia da Universidade de Brasília (UnB) e membro da Coalizão Ciência e
Sociedade, explica que já há uma série de mecanismos e avaliações para que
pesquisas sejam divulgadas, e que não teria sentido impor essa normativa. "Por
que colocar mais uma etapa com uma pessoa que neste momento não tem posição
técnica para poder avaliar isso?", questiona. "Ficou muito obscuro o
quadro, levanta essa preocupação que seria mais um passo de cerceamento das
atividades desses órgãos."
De acordo com o biólogo Filipe França, pesquisador da
Universidade de Lancaster, no Reino Unido, e da Rede Amazônia Sustentável, a
portaria prejudica tanto o desenvolvimento da ciência quanto a conservação do
meio ambiente no Brasil. "Um dos pontos principais da pesquisa é
justamente você ter liberdade para transmitir os resultados que foram
encontrados usando o método científico. Um mecanismo direcionado para uma linha
de pensamento, que vai funcionar com aprovação ou reprovação do conteúdo de um
artigo científico, é um mecanismo de censura, é um perigo para a liberdade de
pesquisa científica", afirma.
Cientistas veem controle em outros órgãos
O temor dos pesquisadores ocorre não somente pela
portaria em si, mas pelo contexto que vem se desenrolando nos últimos anos. Em
julho de 2019, por exemplo, após o Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe)
divulgar dados que mostravam a aceleração do desmatamento na Amazônia, o
presidente Jair Bolsonaro falou que os números eram "mentirosos" e
que o diretor do Inpe estaria "a serviço de alguma ONG". A ofensiva
culminou na exoneração do então diretor do instituto, Ricardo Galvão.
Mais recentemente, em 5 de março, o Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou internamente um ofício que
determina que pesquisas e estudos só podem ser divulgados após "aprovação
definitiva". Os servidores do Ipea também só poderiam falar com a imprensa
após aprovação do órgão. Anexo ao ofício, foi encaminhado, por e-mail dirigido
individualmente a cada funcionário, o Manual de Conduta do Agente Público, que
informa que a inobservância da norma poderia caracterizar descumprimento de
dever ético e, eventualmente, infração disciplinar. Em nota pública, os
servidores expressaram preocupação com cerceamento à liberdade.
"Infelizmente [a portaria do ICMBio] não
surpreende, né? Não é surpreendente, a gente já vive, como todos sabem, em um
regime democraticamente autoritário", diz o pesquisador Tiago Reis, que
estuda ações de combate ao desmatamento na Universidade Católica de Louvain, na
Bélgica. "Do ponto de vista científico, [a portaria] é um absurdo. O
diretor de um instituto de conservação, que zela pelas áreas protegidas de um
país, mais do que ninguém deveria ser justamente o interessado em ouvir o
contraditório, em acolher a publicação científica que desagradasse, que
contrariasse."
Coordenadores de centros questionaram regra
Segundo servidores do ICMBio e do MMA entrevistados, a
construção do código de ética que culminou na portaria não foi participativa.
Chegou a haver entre os funcionários um movimento para que não assinassem o
documento, mas, segundo eles, houve pressão no sentido contrário.
"Como a própria discussão da fusão do Ibama
[Instituto Brasileiro de Meio Ambiente] com o ICMBio, que não tem quase
participação dos servidores, a gente tem um conjunto de decisões que começam a
excluir servidores, feitas em gabinete. É uma prática que vem se estendendo,
causa uma preocupação porque temos o histórico do Inpe, essa disputa de
narrativas em cima dos dados", diz uma funcionária do MMA.
"Esses instrumentos foram totalmente feitos sem
consultas às áreas técnicas. A gente tem o entendimento de que o objetivo
central é sim censurar ideias, porque se uma construção é feita totalmente à
revelia da área técnica, parece que a intenção não é a excelência técnica, mas
estabelecer o controle do que é dito", afirma pesquisadora do ICMBio.
Em agosto de 2020, os diretores dos centros de
pesquisa do ICMBio chegaram a emitir um documento, enviado à Procuradoria
Federal, questionando a necessidade de autorização de divulgação das pesquisas,
uma vez que o próprio órgão já contava
com uma série de regras para isso. O texto também questiona, entre outros
pontos, quais seriam as diretrizes para os procedimentos e critérios para
emissão da autorização. Em resposta, contudo, a Procuradoria considerou
procedente a nova norma.
Por
Larissa Linder, Edison Veiga, na Deutsche Welle
- - - -
No mecanismo de busca do site amazon.com.br, digite "Coleção As mais belas lendas dos índios da Amazônia” e acesse os 24 livros da coleção. Ou clique aqui.
No mecanismo de busca do site amazon.com.br, digite "Antônio Carlos dos Santos" e acesse dezenas de obras do autor. Ou clique aqui.
Clique aqui para acessar os livros em inglês. |
-----------
Para saber mais, clique aqui. |
Para saber mais, clique aqui. |
Coleção Greco-romana com 4 livros; saiba aqui. |
Coleção Educação e Democracia com 4 livros, saiba aqui. |
Coleção Educação e História com 4 livros, saiba mais. |
Para saber sobre a Coleção do Ratinho Lélis, clique aqui. |
Para saber sobre a "Coleção Cidadania para crianças", clique aqui. |
Para saber sobre esta Coleção, clique aqui. |
Clique aqui para saber mais. |
Click here to learn more. |
Para saber mais, clique aqui. |
Para saber mais, clique aqui. |
Para saber mais, clique aqui. |
Para saber mais, clique aqui. |