Atendendo a
requerimento de senadores da bancada do PT, o ministro Lewandowski determinou
que a votação do impeachment seria dupla: primeiro, se Dilma perderia o cargo.
Segundo, se seria inabilitada para funções públicas. Contudo, esse procedimento
contrariava duas manifestações do Supremo sobre a questão—em uma das decisões
no caso Collor, em 1992, e na decisão de dezembro de 2015 sobre o rito do
impeachment de Dilma.
Qual a autoridade
de Lewandowski para determinar essa votação dupla?
Segundo o ministro,
não teria realmente havido, em 1992, uma decisão do Supremo no caso Collor. Como
houve empate entre os ministros e foi necessário convocar ministros do STJ para
desempatar, Lewandowski considerou não estar claro se a questão teria sido de
fato resolvida pelo Supremo.
Contudo, essa visão
do caso Collor como um não-precedente não foi mencionada pelo ministro quando
votou no rito do impeachment em dezembro de 2015. Se, nesse espaço de tempo,
descobriu um argumento novo que o levaria a repensar completamente sua posição,
o espaço legítimo para avançar essa drástica mudança seria o plenário do
Supremo, não o julgamento no Senado. São
papéis completamente distintos, como ressaltou o próprio Lewandowski ao
enfatizar que não falava ali como juiz constitucional e não exercia função
decisória judicial.
E quanto à
autoridade de Lewandowski como presidente do julgamento no Senado?
Mesmo aqui,
Lewandowski não poderia, nem deveria ter resolvido a questão sozinho.
Segundo o Regimento
Interno do Senado, um destaque apresentado pela bancada com aquele número de
senadores deve ter aprovação automática, sem passar pelo plenário. Havia,
porém, uma controvérsia constitucional séria em jogo. Um dispositivo regimental
não pode permitir que a vontade de uma minoria de senadores seja suficiente
para reformar a constituição. Não estava em jogo ali um típico processo
legislativo, mas sim um julgamento de impeachment estruturado por regras
constitucionais já interpretadas pelo Supremo em ao menos duas decisões.
O senador Aloysio
Nunes questionou, no plenário, que pudessem ser aplicadas ao impeachment as regras
para apresentação de destaques típicas de discussões legislativas normais,
observando que o produto do julgamento é uma sentença, não um projeto de texto
normativo. Lewandowski contra-argumentou – com base no glossário do Senado –
que mesmo essa decisão dos senadores é um tipo de proposição legislativa, e
aplicou as regras regimentais.
Havia, portanto,
uma controvérsia mínima no plenário sobre como proceder. E uma
(re)interpretação de uma cláusula constitucional expressa sobre o processo de
impeachment não pode ficar a cargo de uma minoria de senadores. O que quer que
diga o regimento, uma tese tão controversa, em momento tão delicado, e contra
decisões anteriores do Supremo deveria ter sido submetida ao plenário.
Esse caminho já
seria um desvio do caso Collor. Mas poderia ser defendido como expressão de
deferência aos atores políticos, na linha do que defendeu, em voto vencido no
próprio caso Collor, o ministro Paulo Brossard. Não foi o caso. Não foi o
Senado que decidiu votar duas vezes. Os senadores votaram duas vezes, contra
manifestações passadas do Supremo, porque assim decidiu o presidente
Lewandowski.
Nem se pode dizer
que Lewandowski tenha sido surpreendido pelo requerimento. Tinha em mãos várias
páginas com seu argumento pronto, da desconstrução do caso Collor como
precedente a porque o regimento permitira a aprovação do requerimento sem
decisão do plenário. Havia preparado argumentos para justificar uma decisão
sua, como presidente, que passava ao largo tanto de precedentes do Supremo,
quanto do plenário do Senado. Nem juiz, nem senador – mas decidindo sozinho, e
usurpando autoridade de ambos os lados, uma das mais importantes questões
constitucionais levantadas nesse processo.
Com sua decisão,
Lewandowski acabou respondendo uma outra pergunta que há muito está no ar. O
processo acaba com a condenação pelo Senado? Não. Ainda resta o Supremo. Foi o
que deixou claro o ministro, quando disse que nada do que fazia ali o impediria
de votar, sobre essas mesmas questões, como juiz constitucional na decisão
futura do Supremo. Com isso, anuncia sua
decisão de participar desse julgamento futuro. E, com a drástica mudança de
interpretação constitucional que encampou, cria uma inevitável controvérsia a
ser judicializada no futuro próximo.
De volta ao Supremo,
porém, o jogo muda. Talvez para não atrasar mais o fim do julgamento, uma
maioria de senadores pode ter tolerado essa tomada de poder do plenário da casa
por parte de seu presidente em exercício. No Supremo, vai ser diferente.
Nenhuma posição individual de Lewandowski sobre o impeachment poderá prevalecer
se não ganhar mais cinco votos.
Por Diego Werneck Arguelhes, professor da FGV Direito
Rio, no JOTA
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