Guerra fria nas águas do sul da China
Jato de guerra chinês sobrevoa Mar do Japão |
Apesar de nem sempre ocupar as
manchetes, o Mar da China Meridional é palco de tensão crescente entre Pequim e
Washington, respingando também em aliados regionais. Conflito se arrasta ha
décadas, sem solução aparente.
A
cada dia 21 de setembro, o Sino da Paz soa em Nova York. Em 1954, ele veio para
a sede das Nações Unidas, em Manhattan, como presente de reconciliação do
Japão. Desde então, ele é tocado anualmente pelo secretário-geral da ONU.
Os
badalos, no entanto, desvanecem com o fim das celebrações em Nova York.
Enquanto no resto do mundo, os sinais de alerta soam cada vez mais altos.
Apesar de as grandes potências Rússia, China e Estados Unidos participarem das
árduas negociações de paz na Síria, o seu encontro no Mar da China Meridional
vai numa direção completamente diferente.
Há
poucos dias, China e Rússia executaram as primeiras manobras conjuntas no Mar
da China Meridional, enquanto, do outro lado, americanos e japoneses atuam
agora cada vez mais próximos. Naquela parte do Oceano Pacífico, que vai de
Cingapura até o estreito de Taiwan, estão em jogo interesses chineses e
americanos. Pequim vem provocando seus vizinhos há anos, com a ocupação de
ilhas disputadas e com a ampliação de sua esfera de influência.
A
situação é complicada: China e EUA são as duas maiores forças econômicas e
militares do mundo. Assim como a Rússia, os dois países são potências
nucleares, e todos os três Estados possuem assento permanente no Conselho de
Segurança da ONU.
Para
Pequim, a região marítima a sudeste da China tem enorme importância econômica.
Como potência mundial, os EUA estão interessados na segurança do livre-comércio
e veem sua influência ameaçada no Sudeste Asiático. Mercadorias no valor de 5
trilhões de dólares são embarcadas através dessa região. Além disso, o governo
chinês suspeita que no fundo do mar haja uma das maiores reservas petrolíferas
do mundo.
Howard
Loewen, especialista em Ásia Oriental das Universidades de Hamburgo e
Erlangen-Nurembergue, afirma que a interdependência econômica é tão grande, que
nenhum Estado poderia permitir, de fato, que esse conflito venha a evoluir para
uma guerra. Apesar disso, explica, os gastos militares subiram vertiginosamente
– e aumentaram as escaramuças.
Presidente dos EUA, Barack Obama (d) e seu colega de pasta chinês, Xi Jinping, na cúpula do G20 |
China: mais investimento militar
Segundo
Loewen, o conflito está ganhando agora particularmente em força: "A China
está transformando seu poder econômico cada vez mais em poder militar. Isso se
evidencia na atitude mais agressiva da China quando se trata de impor as suas
reivindicações de poder."
Por
esse motivo, desde a década de 1990, Pequim vem transformando sucessivamente
determinadas ilhas em bases militares, localizadas imediatamente ao largo das
costas dos países vizinhos. Hoje existem portos inteiros dedicados a fins
militares e até mesmo pistas de pouso construídas sobre recifes de bancos de
areias aterrados. A China se movimenta na vizinhança direta das águas
territoriais de seus vizinhos, principalmente as Filipinas. Atualmente, essas
bases são patrulhadas até mesmo pela Guarda Costeira chinesa.
O
governo em Manila protestou. No dia 12 de julho, a Corte Permanente de
Arbitragem de Haia decidiu: não se reconhece a justificativa histórica chinesa
para a expansão no Mar da China Meridional e, com a apropriação das ilhas,
Pequim viola a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Mas isso não
mudou a situação.
"Uma
decisão arbitral não é um veredicto", afirma Michael Paul, do instituto
alemão SWP, especializado em relações Internacionais e segurança. De acordo com
ele, o direito internacional não possui nenhum mecanismo de sanções para impor
tal decisão. O que vai acontecer com ela vai depender dos Estados envolvidos.
"Em vez de melhorar, a situação de negociação entre China e Filipinas tem
piorado", lembra Paul.
Além
disso, a China exigiu, antes mesmo de entrar em negociações, que as Filipinas
considerassem a decisão de Haia como nula e sem efeito.
Dessa forma, explica o
especialista do SWP, as consequências diretas da decisão da corte de Haia são
ambivalentes.
Conflito dividiu a região
É por
isso que os EUA realizam as suas próprias manobras junto a países amigos na
região. Desde a Segunda Guerra Mundial, os EUA assumiram um papel-chave no
Pacífico. Entre os aliados mais próximos estavam, até agora, as particularmente
afetadas Filipinas. Mas o seu novo presidente, Rodrigo Duterte, quer pôr um fim
às patrulhas conjuntas executadas ao lado dos americanos e pretende negociar
sozinho com o governo chinês.
Por
outro lado, outros adversários da China, como o ex-Estado-irmão Vietnã,
procuram agora, objetivamente, a proximidade dos EUA. Em maio deste ano, o
presidente Barack Obama suspendeu um embargo que há décadas proibia a venda de
armamentos americanos ao Vietnã. Uma aproximação com Hanói poderia se seguir.
Agora, com a Rússia, outro ator importante entrou no conflito ao lado da China.
"A
Rússia também quer ser reconhecida como uma superpotência, mas assumiu, na
verdade, o papel de sócio minoritário da China", diz o especialista em
segurança do SWP. Segundo Paul, eles ainda estão interessados em ficar do lado
de seus parceiros chineses como potência marítima. "Para os países
menores, é claro que as atividades de mais uma superpotência em suas águas
territoriais é um desenvolvimento preocupante. Trata-se certamente de uma
escalada dos acontecimentos", alerta.
Sem fim à vista
Pequim
também tem tentado competir militarmente com os EUA. Desde 2006, os gastos
militares chineses cresceram, oficialmente, em média mais de 9% a cada ano. Em
nível mundial, somente os EUA gastam mais com suas Forças Armadas. Toda manobra
da República Popular da China é seguida por outro exercício militar dos Estados
Unidos e seus aliados – e vice-versa.
Com
cada navio a mais e com cada ator a mais, cresce a complexidade do conflito. De
acordo com o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, em 2015, todos os
navios de guerra americanos passaram juntos 700 dias nas águas disputadas. Em
2016, espera-se que essa cifra passe para mais de mil dias. Recentemente, a
China e a Rússia exercitaram até mesmo a conquista de ilhas. Aqui, todas as
partes trabalham com armas afiadas. Washington tem feito esforços para trazer
todos os envolvidos à mesa de negociações. Sem sucesso.
"Os
chineses estão interessados numa situação em que são os parceiros de negociação
mais fortes e em que possam impor a sua vontade", explica o especialista
Michael Paul, acrescentando que a China não quer nenhum conflito militar, mas
que essas tensões vão continuar a ter um potencial de escalada. Num futuro
próximo, não se vislumbra nenhuma solução para essa disputa entre
superpotências.
Por Constantin Schmitz, na Deutsche Welle
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