Ipea: educação é instrumento para afastar jovens da trajetória de
crimes
O estudo Trajetórias Individuais,
Criminalidade e o Papel da Educação, divulgado pelo Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea), mostra que o eixo básico de qualquer política
preventiva e efetiva de segurança pública é a educação. “Não se pode pensar em
resolver o problema do crime prendendo e botando mais armas na rua quando, na
verdade, é preciso investir na criança para que ela não seja o bandido de
amanhã”, disse o técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea, Daniel Cerqueira,
autor do estudo.
O trabalho aborda a trajetória do indivíduo desde
os problemas que podem ocorrer na infância e que podem gerar problemas
comportamentais mais adiante, como hiperatividade, agressividade, tendência ao
isolamento, levando aqueles jovens à delinquência e ao crime. Cerqueira disse
que a necessidade de uma boa educação deve ser dada desde a infância até o
ensino médio. “É algo que nos parece crucial”.
O Mapa da Letalidade Violenta no Brasil identifica
60 mil assassinatos por ano, no país, que respondem por mais de 10% a 12% dos
assassinatos no mundo. Com base nesses dados, reduzir crimes parece ser uma
tarefa hercúlea, segundo Cerqueira, que esclareceu, porém, que olhando a
geografia da letalidade, apura-se que 50% dos homicídios estão concentrados em
81 municípios e que, nestes, a violência se concentra em alguns bairros. “A
gente percebeu que nestes municípios, enquanto 50% dos bairros praticamente não
tinham homicídios, 10% dos bairros concentravam metade dos homicídios que lá
aconteciam”.
A questão de localização geográfica facilita a
implementação de políticas efetivas, disse o pesquisador do Ipea. Isso
significa que em vez de pensar o Brasil em dimensões continentais, os governos
devem construir políticas focalizadas nas crianças e jovens que residem
exatamente nessas localidades e bairros mais violentos do Brasil.
Mais reprovações
Analisando a incidência de homicídios nesses
bairros e a qualidade das escolas, chegou-se à constatação que o desempenho
educacional é muito pior naqueles bairros do que nos bairros menos violentos.
Nos 30 bairros mais violentos do Rio de Janeiro, por exemplo, em comparação aos
30 menos violentos, a taxa de reprovação é 9,5 vezes maior nos primeiros, o
mesmo ocorrendo em relação à taxa de abandono, que é em torno de quatro a cinco
vezes maior do que nos bairros menos violentos.
Cerqueira admitiu ser verdade também que os lugares
onde existe mais violência são aqueles mais pobres. É o chamado efeito aluno.
“Como os alunos já vêm de uma desvantagem cultural e educacional desde a
infância, dada à sua situação de pobreza e vulnerabilidade, você imaginaria que
eles vão ter pior desempenho. Mas olhando outros indicadores da qualidade das
escolas, como a provisão de recursos, a gente vê que nos bairros mais pobres se
concentram as piores escolas do ponto de vista da oferta de recursos para o
setor educacional”, disse.
Nessas instituições, há professores com mais de 500
alunos no total em várias turmas de diferentes níveis, com grande sobrecarga.
São escolas com piores médias de alunos por turma. O estudo divulgado pelo Ipea
detalhou a situação educacional no Rio de Janeiro, mas deverá ser expandido
para os 81 municípios que serviram de base para o trabalho.
Boas práticas
Daniel Cerqueira disse que as boas práticas
nacionais e internacionais que conseguiram reduzir o crime de forma
relativamente rápida sempre funcionam em dois pilares: ter um sistema de
repressão qualificado e inteligente, em que a polícia funcione como primeiro
defensor dos direitos da cidadania e não agindo com truculência; e, em
paralelo, ter políticas integradas de prevenção, com ênfase na educação
infantil e para os jovens.
Segundo Cerqueira, a mensagem que se coloca é que
não adianta simplesmente encarcerar, adotar políticas de aumentar e endurecer
penas ou diminuir a
maioridade penal. “A gente tem que investir na criança e no jovem de hoje, para
que eles não sejam os bandidos de amanhã”, disse.
"Nesse quadro, é
importantes a educação infantil, que abrange a faixa etária de até 6 anos,
quando a criança desenvolve habilidades cognitivas e socioemocionais. Quando
essas habilidades não são desenvolvidas na fase da primeira infância e, muitas
vezes, a criança é criada em um ambiente hostil, ela tem mais chances de
desenvolver problemas comportamentais que, mais à frente, levam na direção do
crime organizado e desorganizado".
Canais
O estudo aponta seis canais para afastar os jovens
do crime, partindo da premissa do que as escolas poderiam oferecer para se
transformarem em um instrumento mais potente que evite que as crianças
enveredem na trajetória do crime. O pesquisador do Ipea disse que o modelo
educacional brasileiro pensa em colocar na cabeça das crianças informações
“enciclopédicas”, mas não reconhece que há diferenças entre os indivíduos e
diferenças sociais. O Ipea propõe que as escolas reconheçam essas diferenças
individuais e sociais e apliquem para isso programas psicoterapêuticos e de
diálogos, a partir de princípios de Justiça restaurativa.
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“Nessas escolas, a criança não vai apenas para
aprender, mas tem o reconhecimento dos problemas por que está passando e tem um
facilitador para mitigar esses problemas socioemocionais”. Segundo Cerqueira,
esse canal vai impactar não só no menor nível de violência dentro da escola,
mas, inclusive, na maior capacidade de aprendizado da criança.
O segundo ponto destaca a escola como espaço
primordial para se internalizar na mente dessas crianças a ideia de cidadania,
de que na sociedade ela tem obrigações e direitos. O terceiro ponto é que a
escola poderia ter mecanismos para trabalhar melhor o elo com a família, com o
objetivo de resolver problemas educacionais da criança. O programa
Coordenadores de Pais, implantado em algumas escolas do Espírito Santo, é um
bom exemplo disso, segundo Cerqueira. Ali, uma pessoa contratada na comunidade
fica responsável por supervisionar a vida acadêmica dessas crianças e o
envolvimento da família.
O quarto canal visa a reconhecer que o adolescente
é um indivíduo que está em profundas transformações não só biológicas e busca
sua identidade. É um período de experimentação. A proposta é que a escola
explore os talentos e as escolhas dos jovens, facilitando que ele seja
protagonista de sua trajetória escolar, por meio da motivação e do aspecto
lúdico.
A interação social constitui o quinto canal
proposto. “O jovem pode estar na escola ou pode, simplesmente, estar nas ruas,
à mercê do crime desorganizado e organizado”. Para evitar que essa segunda
opção ocorra, Cerqueira indicou a necessidade de atrair esse jovem para a
escola, tornando esse espaço um local agradável, que faça com que ele prefira
estar ali, interagindo com outros grupos de jovens nas artes ou no esporte,
dando uma chance menor de ele se interessar por uma trajetória de crime.
A sexta proposta objetiva gerar capital humano, que
esses jovens se preparem melhor para ingressar no mercado de trabalho e ter
mais condições de ganhar um salário melhor. Cerqueira sugeriu que a adoção de
programas do Ministério do Trabalho pode ser feita por estados e municípios
para reforçar a ligação entre escola e mercado de trabalho, além de financiarem
parte de cursos profissionalizantes que facilitem o emprego dos jovens em
indústrias.
Por Alana Gandra, da Agência Brasil