quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

TCU proíbe Lei Rouanet para projetos lucrativos



-MinC não poderá aprovar incentivos a eventos como o festival Rock in Rio
-Nos últimos quatro anos, a renúncia de receitas do governo federal para ações culturais foi superior a R$ 5 bilhões
-Eventos culturais com " potencial lucrativo " ou que " possam atrair investimento privado" serão proibidos de receber incentivos fiscais por meio da Lei Rouanet, de acordo com determinação aprovada pelo TCU (Tribunal de Contas da União) nesta quarta (3).
-Não há previsão para que a resolução entre em vigor.

A decisão foi tomada ao analisar a regularidade do incentivo fiscal à edição de 2011 do Rock in Rio e ademais eventos com cobrança de ingresso e outras fontes de receitas. Naquele ano, o festival de música, cuja receita prevista era de R$ 34 mi, captou R$ 6 mi de empresas - pessoas jurídicas que puderam abater do Imposto de Renda 30% do valor. "

Não consigo vislumbrar interesse público a justificar a renúncia de R$ 2 milhões de receita do Imposto de Renda em benefício da realização de um projeto com altíssimo potencial lucrativo, como o Rock in Rio", diz o relator do processo, o ministro Augusto Sherman.

Nos últimos quatro anos, a renúncia de receitas do governo federal foi superior a R$ 5 bilhões, segundo dados do MinC (Ministério da Cultura).

A investigação começou em 2011 após denúncia do Ministério Público, que entendeu que a Rouanet proíbe esses eventos de receber incentivo. O TCU entendeu que, apesar de moralmente inaceitáveis, os incentivos não são ilegais.

O MinC, responsável pela autorização dos projetos, apresentou argumento no processo pela concessão do benefício, alegando que não poderia negar subsídio para aqueles comercialmente lucrativos.

Mas os ministros, que têm a palavra finais sobre os processos, concordaram com a tese dos procuradores: o projeto tem que ter interesse público.

Segundo Sherman, a lei determina que um fundo específico (o Ficart) deveria incentivar projetos com fins comerciais. Como o Ficart nunca foi criado, o MinC usa, para todos os pedidos, o Fundo Nacional de Cultura, voltado para projetos com menor possibilidade de captar recursos.

O relatório do TCU aponta que o patrocínio distorce os objetivos do MinC, como o incentivo à cultura regional, já que o dinheiro prioriza as estratégias de marketing das empresas patrocinadoras.

A decisão do TCU não impede todos os projetos comerciais de receber incentivos - devem ser vetados os que se mostrarem capazes de se sustentar ou que não necessitarem do mecenato. 

Segundo o TCU, o MinC tem normas internas para fazer essa distinção.

Para fazer uso da lei, uma empresa tem que informar ao governo os valores que serão arrecadados, o custo/benefício e o impacto do incentivo no evento. Os técnicos do MinC têm que dar parecer dizendo se o projeto se enquadra na lei.

Em nota, o MinC diz que, tecnicamente, todos os projetos que captam pela Rouanet são capazes de atrair investimentos, ser potencialmente lucrativos e "não há uma classificação a respeito do assunto". Segundo a nota, o ministério defende mudança na lei para acabar com "distorções". 

Cultura do patrocínio 

 O Tribunal de Contas da União (TCU) tomou nesta semana uma decisão que pode provocar verdadeira transformação no universo cultural brasileiro. Proibiu que eventos lucrativos ou autossustentáveis captem recursos por meio da Lei Rouanet.

A determinação ainda não está em vigor, e decerto não faltarão setores contrariados dispostos a tentar derrubá-la antes que produza algum efeito.

Em seu formato atual, a Lei Rouanet tem-se mostrado instrumento perfeito para empresas que querem patrocinar a atividade cultural sem gastar muito com isso. Na outra ponta, produtores e artistas bem-sucedidos na captação de recursos nem precisam se preocupar com as receitas da bilheteria.

Até seria possível discutir vantagens e desvantagens do modelo se o dinheiro saísse de carteiras privadas. No ano passado, porém, do total (R$ 1,18 bilhão) angariado por meio da lei, 96% (R$ 1,13 bilhão) foram bancados pelos contribuintes. Ou seja, a empresa pega uma cota de R$ 100 de patrocínio, mas desembolsa apenas R$ 4,4.

O mecanismo é conhecido. Quem direcionar verbas a projetos aprovados com base em critérios técnicos pode descontar de 30% a 100% desse valor do Imposto de Renda devido.

O fato de o governo abrir mão dessas cifras sempre suscitou questionamentos. O montante deveria ser destinado a iniciativas que sobreviveriam sem auxílio oficial? Não seria melhor direcionar os recursos para outros fins?

Ao analisar o "Rock in Rio", o TCU chegou a uma resposta. "Não consigo vislumbrar interesse público a justificar a renúncia de R$ 2 milhões de receita do Imposto de Renda em benefício da realização de um projeto com altíssimo potencial lucrativo", disse o relator do caso, ministro Augusto Sherman.

Tem toda razão. Como esta Folha há muito defende, o estímulo estatal na área da cultura deve voltar-se às frentes de formação (bibliotecas, cursos, salas), à preservação do patrimônio histórico e a setores que que não encontrem sustentação no mercado.


Da Folha de São Paulo


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