Há nove anos chegam a meu computador denúncias de
um golpe típico de vigarista: quase 3 mil famílias de associados entraram na
Justiça contra a administração da Cooperativa dos Bancários (Bancoop), fundada
por Ricardo Berzoini, secretário da presidente Dilma Rousseff.
Eles se queixam de ter pago prestações de
apartamentos em que não puderam morar. O acusado é o ex-presidente da
instituição João Vaccari Neto, suspeito de haver desviado o dinheiro dos
cooperados para beneficiar o Partido dos Trabalhadores (PT), de que foi
tesoureiro.
Do
grupo que mandou no Sindicato dos Bancários de São Paulo sob a égide de Luiz
Gushiken, absolvido no mensalão pelo Supremo Tribunal Federal e saudado como
herói, quase santo, pelo revisor do processo, Ricardo Lewandowski, Vaccari
ficou livre, leve e solto até cair na rede da Operação Lava Jato. E, aí, ser
recolhido à prisão em Curitiba, onde cumpre penas. Aplaudido de pé em reuniões
do partido, tratado pelo presidente nacional petista, Rui Falcão, e pelo
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como companheiro prestimoso, Vaccari vê
agora ressuscitarem nas mãos do promotor José Carlos Blat as queixas das
vítimas da Bancoop, que têm complicado sua situação.
Nos processos há evidências que desfazem a aura de
santidade que Lula se outorgou ao falar a blogueiros fiéis: sem ter dado um dia
de expediente em agência bancária na vida, o ex-presidente é acusado de ter
adquirido a preço de banana um triplex de 294 metros quadrados com elevador
privativo na praia do Guarujá. A revista VEJA circula
com reportagem de capa que reproduz trechos de depoimentos ao Ministério
Público de São Paulo com testemunhos de que o imóvel, cuja propriedade o ex
nega, não pertence à empreiteira OAS, acusada de participar do propinoduto da
Petrobras, mas à família Lula da Silva. Outro promotor, Cássio Conserino,
informou que “Lula e Marisa serão denunciados” pelo crime de ocultação de
patrimônio, que caracteriza lavagem de dinheiro.
A bomba revelada pelo semanário causou
controvérsias. O promotor não podia ter dado a entrevista e a revista não devia
ter noticiado a perspectiva de denúncia não concretizada? Desde que Guttenberg
decidiu imprimir sua Bíblia até nossos dias de
internet, o debate sobre o direito à privacidade de homens públicos e o dever
dos meios de comunicação de noticiar o que lhes cai nas mãos foi aberto,
repetido e dificilmente um dia se resolverá.
Mas
há algo mais grave omitido na polêmica: os quase 3 mil chefes de família cuja
poupança virou pó de calcário não têm direito a ver punidos o mau gestor que
levou a cooperativa à falência e os que o protegeram tanto nela quanto no
partido que dela tirou proveito?
Esse episódio pungente e revoltante retrata apenas
um tijolo do muro das lamentações a cujas proximidades as vítimas da desumana
rapacidade das castas dirigentes sindical, política e burocrática nacionais
nunca tiveram sequer acesso. É o caso do camponês diante da lei na fábula de
Kafka que Orson Welles usou como prólogo do filme O
Processo, lançado em DVD pela Versátil.
Outra
evidência de que as vítimas de ignomínias similares são tratadas no Brasil como
párias destinadas à danação é a chicana mal disfarçada no desabafo de famosos
causídicos na tentativa esdrúxula de configurar a ação da Polícia Federal, do
Ministério Público Federal e do juiz federal do Paraná Sergio Moro, que
devassam as petrorroubalheiras, como caudatária de métodos neoinquisitoriais da
ditadura militar. Em defesa de seus polpudos proventos, os “profissionais da
lei” não invocaram um único fato para execrar o trabalho honesto e competente
dos agentes do Estado, que cometem o pecado de introduzir na história penal do
país condenações de milionários e meliantes de colarinho branco flagrados em
delito. A mistura cavilosa de alhos com bugalhos chega a ser um escárnio, de
tão cínica.
Ao
tratar acusados de rapina do patrimônio público como se fossem vítimas desse
saque, os signatários escarram nos rostos honrados dos mais de 160 milhões de
brasileiros que sabem que são espoliados sem dó por um desgoverno de desmandos,
um Congresso com muitos representantes venais deles próprios e um Judiciário
cuja lerdeza é uma forma de opressão. O número citado não é aleatório, consta
do furo de José Roberto de Toledo publicado neste jornal: segundo o Ibope, 82%
dos entrevistados sabem que nunca podem contar com a gestão federal do PT, PMDB
e aliados para nada.
Difícil é encontrar alguma razão para 14% ainda
alimentarem a vã ilusão de que Dilma Rousseff e seus asseclas estejam levando o
Brasil para um rumo qualquer. Na semana passada, Tania Monteiro, da sucursal
do Estadão em Brasília, informou que a presidente
ainda não demitiu o ministro da Saúde, Marcelo de Castro, por não querer
desagradar a seu candidato a líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani, e
assim evitar transtornos à condução de seu único projeto de governo: evitar o
próprio impeachment.
Cem anos após Oswaldo Cruz ter combatido a febre
amarela expulsando o mosquito Aedes aegypti do
Brasil, esse senhor cometeu a insânia de dizer, entre risos de mofa, em
entrevista, que torce para as mulheres contraírem o vírus da zika antes da
fertilidade, ficarem imunes e assim seu desgoverno sem caixa não ter de comprar
vacinas caras. Dois séculos depois de José Bonifácio de Andrada e Silva ter
articulado a nossa independência, contamos com um líder do pré-sal do
baixíssimo clero da Câmara para garantir no posto um ministro que atua como se
sua missão fosse disseminar a doença, e não proteger a saúde das vítimas de sua
incúria.
O
pior é que combate essa súcia uma oposição que, limitada a atuar para pôr fim a
um desgoverno desastrado, em vez de apresentar alternativa decente de poder, só
propõe patacoadas como a extinção do partido adversário. Pobres de nós, vítimas
dessa vil politicagem!
Por José Nêumanne, no Estadão
Pré lançamento do livro "Tiradentes, o mazombo: 20 contos dramáticos":
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