Considerada uma das atrizes mais versáteis do Brasil, Marília Pêra trabalhou como atriz, diretora, cantora, bailarina e coreógrafa. Destacou-se na TV, no teatro e no cinema. Esteve em mais de 50 peças, cerca de 30 filmes e 40 novelas, além de minisséries e outros programas
Do G1.com
Marília Soares Pêra nasceu em 22 de janeiro de 1943, no bairro do Rio Comprido, no Rio. Em depoimento ao site Memória Globo, ela se lembrou de que “estreou” aos 19 dias de vida: “Minha mãe diz que eu entrei no colo de uma atriz, amiga dela, numa peça em que precisavam de um bebê”.
O início oficial, contudo, veio com apenas 4 anos de idade, num espetáculo em que dividiu cena com os pais, Manoel Pêra e Dinorah Mazullo. Na montagem de “Medeia”, de Eurípedes, feita pela Companhia de Henriette Morineau, atuou como uma das filhas da personagem-título.
O ingresso profissional no teatro coincidiu com os estudos de piano. “Meu pai não queria que eu fosse atriz de jeito nenhum. A profissão de ator, naquela época, era muito sacrificada, e eles tinham uma vida muito dura”, afirmou ao Memória Globo.
Em 1959, Marília abandonou os estudos e se casou com o ator Paulo Graça Mello, com quem teve um filho, Ricardo, também ator e cantor. Nessa época ela atuava como bailarina em musicais, o que continuou fazendo até os 21 anos. Quando tinha 18, viajou por Brasil e Portugal com a peça “Society em baby-doll”. Outro destaque foi “Como vencer na vida sem fazer força”, trabalhando ao lado de Procópio Ferreira, Moacyr Franco e Berta Loran.
Em 1965, já separada, foi contratada pelo diretor Abdon Torres para integrar o elenco inicial da TV Globo. Em seus primeiros tempos na emissora, protagonizou as novelas “Rosinha do sobrado”, “Padre Tião” e “A Moreninha”, versão para a TV do romance escrito por Joaquim Manuel de Macedo. O autor da adaptação era o ex-sogro da atriz, Graça Mello.
“Esse comecinho da Globo era muito divertido, porque tudo era muito experimental. Como ninguém sabia nada, o brinquedo era muito novo para todo mundo, havia muita criatividade”, afirmava ela.
Na segunda metade dos anos 1960, Marília esteve nas peças “Onde canta o sabiá”, de Gastão Tojero; “Se correr o bicho pega”, de Oduvaldo Vianna Filho e Ferreira Gullar; “A ópera dos três vinténs”, de Bertold Brecht e Kurt Weill; “A megera domada”, de William Shakespeare; “O barbeiro de Sevilha”, de Beaumarchais; e “Roda viva”, de Chico Buarque.
Na mesma época, na TV Tupi, esteve na novela “Beto Rockfeller” (1968), um dos maiores sucessos da TV do país em todos os tempos. “Ali havia a história de um malandro, o herói não era politicamente correto, e isso era bem interessante”, comentou ela em seu perfil.
Marília retornou à TV Globo em 1971, convidada por Daniel Filho. Logo no retorno, fez um papel que rendeu muita popularidade, a Shirley Sexy de “O cafona”. “Era muito divertido trabalhar com Francisco Cuoco, que era meu par. Ele estava quebrando a imagem de galã interpretando um cara que fazia tudo errado. Era a primeira vez que ele fazia comédia”, afirmou.
Ainda em 1971, emendou outro sucesso, “Bandeira 2”. Sua personagem era a taxista Noeli, do qual ela se recordava com humor: “Eu nunca tinha dirigido carro, era uma barbeiragem só”. Em seguida, veio “Uma rosa com amor” (1972), como Serafina Rosa Petrone. Agora, dividia cena com Paulo Goulart. Sobre este período, dizia: “Eu fazia muito essas mocinhas pobres que se apaixonavam por homens ricos que não davam bola para elas. Eles namoravam sempre mulheres lindas, ricas, elegantes. Mas, no fim, ficavam comigo. Só depois você percebe a imagem que passava, a da mocinha comum que vence na vida”.
Por fim, após protagonizar “Supermanoela”, em 1974, afastou-se das novelas por oito anos, até aparecer em “O campeão” (1982), da TV Bandeirantes. Naquele mesmo ano, faria ainda a minissérie “Quem ama não mata”, novamente na Globo, que tinha como tema um crime passional. Escrita por Euclydes Marinho, a trama “causou forte impacto por causa da direção realista de Daniel Filho”, conforme cita o Memória Globo. Ao lado de Cláudio Marzo, Marília retratou um assunto controverso.
“Foi numa época em que Daniel e eu conversávamos muito sobre a violência, que estava acontecendo muito próximo de nós, casais se matando por ciúmes. Foi quando morreu a Angela Diniz”, disse ela.
O retorno às novelas da Globo aconteceu apenas em 1987, como a Rafaela Alvaray de “Brega & Chique”. A química com Marco Nanini, intérprete do personagem Dr. Montenegro, está entre as mais marcantes da teledramaturgia do país. “Eu criei a Rafaela pensando na Dulcina de Moraes, que tinha um tipo de humor que não era o do escracho, era mais sutil, mais meigo. E Cassiano Gabus Mendes me deu esse presente. ‘Brega & Chique’ foi, eu acho, a novela que mais gostei de fazer”, afirmava Marília.
Marília voltaria a interpretar Rafaela Alvaray em 2011, no remake de “Ti-Ti-Ti”, de Maria Adelaide Amaral.
Entre os trabalhos preferidos na TV, contudo, ela escolhia duas minisséries: “O primo Basílio” (1988), no qual interpretou a vilã Juliana, e “Os Maias”, de 2001, onde fez o papel de Maria Monforte. Curiosamente, Maria Monforte não existia no romance de Eça de Queiroz que inspirou a trama, e foi criada por Maria Adelaide Amaral em sua adaptação.
Sobre “O primo Basílio”, Marília comentou: “Eu não queria fazer a Juliana, exatamente porque eu tinha lido o livro, e o Eça a descreve de forma implacável. Mas foi muito bom para mim. Eu soube que há escolas de teatro que usam o DVD de ‘O primo Basílio’ para estudar o que eu fiz”.
Nos anos 1990, Marília atuou nas novelas “Lua cheia de amor” (1991), em que teve um reencontro com Francisco Cuco, e “Meu bem querer” (1998). Nessa época, fez “Mandacaru” (1997), na Manchete. Outros trabalhos mais recentes foram em “Começar de novo” (2004); “Cobras & Lagartos” (2006), como a falida, mas ambiciosa, Milu; “Duas caras” (2007), como a alienada Gioconda.
Ela elogiava bastante o autor de “Cobras & Lagartos”. “Como escreve o João Emanuel Carneiro! Eu tinha alguns monólogos dificílimos de serem decorados, e eu precisava decorar mesmo, como se fosse Shakespeare, porque o João Emanuel é um homem muito culto.”
Antes de “Pé na cova”, a amizade com Miguel Falabella já havia rendido papéis no seriado “A vida alheia” (2010), no filme “Polaroides urbanos” (2008) e na novela “Aquele beijo” (2011), todos escritos por ele. “Miguel sempre fantasia que eu posso fazer ricas”, contou a atriz ao Memória Globo.
A admiração de Falabella por Marília teve ainda grande influência em sua carreira teatral. “A primeira vez na vida que tive a coragem de dirigir uma peça de teatro aconteceu porque ele e Maria Padilha foram à minha casa e praticamente me obrigaram a dirigir uma peça com os dois, que se chamava ‘A Menina e o Vento’, da Maria Clara Machado, em 1978”.
No cinema, Marília Pêra destacou-se em “Pixote, a lei do mais fraco” (1980), de Hector Babenco; “Bar Esperança” (1983); de Hugo Carvana; “Anjos da noite” (1986), de Wilson Barros; “Dias melhores virão” (1988) e “Tieta do agreste” (1995), de Cacá Diegues; “Central do Brasil” (1996), de Walter Salles; e “O viajante” (1998), de Paulo César Saraceni.
No teatro, ganhou duas vezes o Prêmio Molière: em 1974, por “Apareceu a Margarida”, e em 1984, por “Brincando em cima daquilo”. Como diretora, esteve por trás de uma das peças de maior sucesso do país, “Irma Vap”, que ficou em cartaz por mais de dez anos, com Marco Nanini e Ney Latorraca como protagonistas.
Como atriz, recebeu prêmios pela peça “Fala baixo, senão eu grito” (1969). Em 1977, recebeu o Prêmio Mambembe de melhor atriz por “O exercício”.
Depois de se separar de Paulo Graça Mello, Marília Pêra também foi casada com o ator Paulo Villaça, na década de 1970, e com o escritor e produtor Nelson Motta, pai de suas filhas, Esperança, nascida em 1978, e Nina, em 1980. Seu último marido foi o economista Bruno Faria, com quem se casou em 1998.