Nas primeiras horas de 19 de abril de 1992, policiais de Nova Orleans, nos Estados Unidos, bateram à porta da casa de Robert Jones, um jovem negro de 19 anos vivendo em um dos bairros pobres da cidade.
Depois de renderem até as crianças da casa, os agentes levaram Jones algemado para a delegacia, onde ele foi formalmente acusado pelo assassinato da turista britânica Julie Stott, morta quatro dias antes em uma tentativa de assalto no Bairro Francês, uma das áreas mais turísticas da "capital do jazz".
Identificado pela vítima de um caso de estupro ocorrido na mesma época, Jones, que não tinha antecedentes criminais e negou o crime, pensou que seria liberado quando um outro suspeito, Lester Jones (sem parentesco com ele), foi julgado e condenado à prisão perpétua em 1994, não apenas pela morte da britânica, mas por uma série de roubos cometidos em Nova Orleans.
A polícia havia encontrado Lester usando joias das vítimas, e descrições do interior de seu carro condiziam com os depoimentos da vítima de estupro.
'Parceria'
Robert Jones, porém, ficou 23 anos preso, sendo apenas solto sob fiança no último dia 20 de novembro. Em março de 1996, ele também fora condenado à prisão perpétua pelo assassinato e por alguns dos assaltos supostamente praticados pelo suspeito já preso e sentenciado.
Em nenhum momento de seu julgamento a Promotoria ou mesmo sua defesa mencionaram que Lester Jones estava atrás das grades. O argumento da Promotoria foi que os dois eram parceiros no crime, apesar de os detetives que investigaram o caso terem negado a associação.
"Quando o júri deu o veredito de culpado, senti-me como se tivesse morrido. Foi um momento de desespero total. A prisão foi um pesadelo total. Não consigo encontrar no dicionário palavras para descrever a crueldade", afirma Jones à BBC.
O caso despertou graves acusações de discriminação racial envolvendo o Judiciário da Louisiana, o Estado americano que mais prende no país - 14 em cada mil adultos da região estão encarcerados.
O julgamento de Robert Jones durou menos de 10 horas e o acusado aceitou confessar alguns dos crimes em troca de ver a acusação de homicídio doloso ser "rebaixada" para culposo - uma mudança que poderia evitar a pena de morte.
Os pais de Julie Stott, que tinham comparecido ao julgamento de 1994, nunca foram informados que um segundo homem fora condenado pelo assassinato da filha.
Mesmo o principal detetive envolvido nas investigações, James Stewart, só descobriu a condenação de Robert Jones em 2013.
Jones foi enviado para a Penitenciária Estadual da Louisiana, conhecida como Angola, e construída em uma antiga plantação escravagista. Até hoje, os prisioneiros, 75% deles negros, frequentemente trabalham na colheita do algodão, sob a vigilância de guardas majoritariamente brancos.
Para o juiz do caso, Calvin Johnson, que também é negro, o sistema judiciário da Louisiana trabalhou para que jovens negros fosse encarcerados pelo máximo de tempo possível. Johnson alega que a Promotoria ocultou provas que poderiam ter ajudado o réu.
"Houve negligência em uma série de casos e de forma consistente. O fato de que Robert Jones foi preso por um crime que não cometeu pesa na minha consciência", afirmou o juiz.
Os dois promotores envolvidos no caso recusaram os pedidos de entrevista da BBC, alegando que estavam eticamente impedidos de falar sobre um caso ainda em andamento.
Um deles, Roger Jordan, recebeu em 2005 uma suspensão de três meses da Corte Suprema da Louisiana por ter ocultado provas em um caso. O outro, Fred Menner, viu-se em maus lençóis em setembro deste ano quando veio a público um memorando em que admitia a falta de provas convincentes contra o réu no caso do assassinato da britânica.
Suicídios
As autoridades da Louisiana lutaram o quanto puderam para evitar o escrutínio do caso e tentaram bloquear uma ida à Suprema Corte Federal. Mas, em junho deste ano, o órgão decidiu que o julgamento de 1996 tinha sido injusto e que um novo deveria ser marcado.
O procurador-geral da Louisiana, Leon Cannizzaro, tentou impor fiança de US$ 2,25 milhões à família de Jones para que ele tivesse liberdade condicional - mas um tribunal estadual negou o pedido de Cannizzaro.
No dia de sua libertação, Jones, que chegou a ser apelidado de "Besta da Floresta" pela mídia britânica durante a cobertura do assassinato de Julie Stott, foi recebido do lado de fora por um grupo de parentes que incluiu a mãe e a filha, Bree, nascida oito meses depois de ele ter sido arrastado de sua casa, algemado. Todos choraram, menos Jones. Sorridente, ele disse a elas que "tudo ficaria bem".
No dia seguinte, ele falou à reportagem da BBC em um restaurante, o primeiro que ele frequenta em mais de duas décadas. Em suas mãos há um smartphone, que ganhou da filha. Ele sofre para operá-lo - quando foi preso, em 1992, a internet mal existia e celulares eram do tamanho de tijolos.
O relacionamento com Bree, a filha caçula, foi construído à base de visitas à prisão e telefonemas com duração automática de 15 minutos. Os dois nunca tiveram a chance de tirar uma foto juntos, então filha pintou um retrato dos dois. "Meu pai não teve a chance de andar de bicicleta comigo nem de ir à minha formatura na escola. Ele faz parte da minha vida, mas nunca esteve perto", conta Bree.
No tempo em que passou na prisão, Jones estudou Direito e acabou prestando auxílio legal a outros prisioneiros. Segundo ele, pelo menos 39 prisioneiros que conheceu em Angola cometeram suicídio.
"Muitos companheiros perderam a fé na Justiça. Isso me motiva a lutar para que meu caso lhes traga esperança. Sei que muitos deles eram realmente inocentes, por isso essa luta não é só minha".
Um ponto de vista endossado pelo juiz Calvin Johnson, para quem o sistema carcerário da Louisiana "tem muitos outros Roberts".
Por Aleem Maqbool, da BBC, em Columbus, Ohio