quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Um brasileiro no fechado mundo do mangá japonês


O desenhista brasileiro Angelo Vasconcelos Levy, 33, ganha pouco, trabalha muito, mas não reclama. Há pouco mais de 9 anos ele trocou Belo Horizonte (MG) para tentar a sorte na capital japonesa e, após muita insistência, conseguiu entrar no concorrido mercado de quadrinhos japoneses, os famosos mangás.
"O sonho de ser desenhista de mangá no Japão é como querer ser jogador profissional de futebol no Brasil", diz o brasileiro, que adotou o codinome de Angelo Mokutan – "mokutan" significa carvão em japonês, que é o sobrenome do pai, Ricardo Carvão Levy, também artista.
A comparação feita pelo brasileiro, na verdade, não tem nada de exagero. Segundo dados da Associação Japonesa de Papel, os mangás representam por volta de 40% do material impresso no Japão. É um mercado que movimenta perto de US$ 3,6 bilhões (mais de R$ 14 bilhões) em vendas por ano.
No Japão, pessoas de todas as faixas etárias têm o costume de ler este tipo de publicação. Temas sérios, como história mundial, manuais de equipamentos e maquinários, clássicos da literatura e até a Bíblia têm suas versões em quadrinhos.

Foto: BBC
Image caption“O sonho de ser desenhista de mangá no Japão é como querer ser jogador profissional de futebol no Brasil.”

No caso de Angelo, ele publica as histórias na President Next, revista voltada para a área de business e economia, e com foco no público jovem. "Toda edição tem um grande tema, que é apresentado em forma de quadrinhos", explica.

Longo caminho

Angelo, que começou a aprender japonês aos 14 anos, fez o mestrado em animação no Japão e, na sequência, conseguiu um emprego na área de tecnologia da informação. "Nas horas vagas eu produzia meus trabalhos e participava de feiras para publicações independentes", conta.
O artista produziu três obras, uma trilogia dentro de um projeto chamado Era uma vez em Tóquio, na qual adapta contos clássicos da literatura infantil. A primeira foiChapeuzinho Vermelho, seguida de Iara e Fábulas de Esopo.
Foi nestas feiras que ele conheceu seu atual chefe, um editor que buscava novos talentos e que achou o trabalho do brasileiro diferente e interessante.

Foto: BBC
Image captionMangás representam por volta de 40% do material impresso no Japão

Angelo conta que hoje existem poucos estrangeiros no mercado de mangá no Japão. "Isso acontece por causa do sistema, que não é flexível; as editoras são bem tradicionais e não trabalham com reuniões virtuais e desenhistas que moram longe", diz.
"Além disso, existem certos elementos da cultura japonesa que são muito valorizados e é preciso conhecer a fundo esses detalhes e ter contato com esse mundo", completa o brasileiro. "Sem contar, é claro, o idioma."
No entanto, Angelo afirma que no Japão é até relativamente fácil começar como profissional de quadrinhos. "No mundo ocidental você envia um trabalho para uma editora e muitas vezes nem tem resposta. Aqui, você pode ligar para a empresa e pedir para marcar um horário para apresentar seu trabalho", diz.
Segundo ele, o problema é apenas o salário. "A remuneração não é nem um pouco boa, por causa dessa competição acirrada", diz. Mas o sucesso financeiro existe quando as obras são adaptadas para a animação, games ou filmes, além dos produtos de merchandising.

Quadrinhos

A palavra mangá, em japonês, significa "desenhos irreverentes". Surgiu em 1814, primeiramente como ilustrações e caricaturas sobre a cultura japonesa.
Em 1947, a primeira historinha publicada foi Shin Takarajima (A Nova Ilha do Tesouro), de Osamu Tezuka, desenhista conhecido no Japão como "Deus do Mangá".

Image captionNa “era de ouro” dos quadrinhos (1985 - 2000), algumas publicações vendiam mensalmente 5 milhões de exemplares

Foi Tezuka quem definiu as características dos quadrinhos japoneses, como expressões faciais exageradas, elementos metalinguísticos – como as onomatopeias – e enquadramentos que dão um impacto emocional maior.
A "era de ouro" dos quadrinhos foi entre os anos de 1985 e 2000, quando algumas publicações chegavam a vender mensalmente 5 milhões de cópias.
Depois, com o avanço da internet, a crise econômica e a pirataria derrubaram as vendas para quase a metade. Mesmo assim, continua sendo um mercado lucrativo.
Para tentar recuperar as vendas, as editoras passaram a exportar muitas das obras para os países ocidentais. Os maiores consumidores no exterior são hoje os Estados Unidos, França e Alemanha. Mas o Brasil também tem se mostrado um grande filão para o segmento.
Ewerthon Tobace, de Tóquio para a BBC Brasil