quarta-feira, 25 de novembro de 2015

"Todo exílio é uma ferida", diz escritor sírio

Rafik Schami vive na Alemanha desde 1971, onde seus livros escritos em alemão têm tiragens milionárias. Em entrevista à DW, o autor fala sobre a terra natal e atual crise migratória que aflige a Europa.
O sírio Rafik Schami, de 69 anos, é um dos escritores em língua alemã de maior sucesso. Seus romances, ensaios e livros infantis têm tiragens milionárias e foram traduzidos em várias línguas.
Schami se exilou na Alemanha em 1971, após a tomada do poder pelo clã Assad. Em seu novo romance, Sophia oder Der Anfang aller Geschichten (Sophia ou o princípio de todas as histórias, em tradução livre), ele fala sobre o retorno à terra natal.
Em entrevista à Deutsche Welle, o escritor falou sobre o medo da volta à Síria, o poder dos clãs no Oriente Médio e a atual crise migratória que assola a Europa. A maioria dos refugiados chegando ao continente é de origem síria e fugiu do país para escapar da guerra civil.
Segundo o escritor, é preciso ressaltar que "ninguém deixa a própria casa voluntariamente". "Este não um capricho repentino das pessoas", afirma.
Deutsche WelleSeu novo livro Sophia oder Der Anfang aller Geschichten é um romance sobre o retorno do exilado sírio Salman para Damasco, depois de 40 anos. Você escreve que Salman tem uma "ferida do exílio". O que quer dizer com isso?
Rafik Schami: O exílio se torna uma ferida quando se proíbem as coisas mais simples: enterrar a própria mãe ou assistir ao casamento do irmão. Visitar lugares da infância sem romantizá-los. A ferida permanece, e nenhuma conversa com um amigo ou uma amiga é capaz de consolar, o que ajuda é apenas a desilusão por meio da volta à terra natal, pois essa ferida faz com que se construa um idílio e se idealize o lugar de onde se vem.
Em seu romance, você fala sobre Damasco, sobre a coexistência das religiões e também sobre o poder dos clãs. Qual a importância deles ainda hoje na Síria?
Novo livro de Rafik Schami fala sobre o retorno de um exilado sírio para Damasco
O clã é mais que uma família. É um sistema econômico, político e cultural. Trata-se de uma invenção genial para se sobreviver no deserto. A coesão, a lealdade levou ao seu sucesso ou ao seu declínio.
Hoje, ele proporciona segurança, em detrimento da liberdade, da dignidade do indivíduo, da democracia. Dentro do clã, não há oposição, isso é considerado traição. É por isso que os governantes sírios e de todos os países árabes recorrem rapidamente à palavra "traidor". Se você é um oposicionista, vai acabar na prisão. Portanto, isso é um grande obstáculo no caminho para a democracia.
O senhor vive há 44 anos na Alemanha. Quão perto ainda lhe é a Síria, como mantém contato?
O contato com amigos e parentes sírios é muito intenso. Eu telefono diariamente, trocamos e-mails. Encontros são mais difíceis. Muitos dos exilados moram em Paris ou Londres. Mas nós nos completamos por meio da troca de informações.
Você é um dos escritores em língua alemã de maior sucesso. Os seus livros também foram traduzidos para o árabe?
Houve um grande avanço graças a um editor corajoso que está no Líbano. Atualmente, cinco dos meus livros foram publicados sem censura.
Como se diferenciam as reações do leitor árabe daquelas dos alemães?
Os leitores alemães admiram a língua alemã, a forma como eu escrevo. Eles admiram o conteúdo. Eles dizem: "Pegamos o seu romance, o levamos às ruas e tudo se encaixa." Os árabes não se tudo corresponde ou não à realidade. Eles se interessam pelos golpes que distribuo contra os costumes e tradições.
Voltando ao seu romance, a volta de Salman a Damasco também significa a realização de um dos seus desejos?
É um desejo repleto de medo. Eu prefiro deixar que Salman vá e caia na armadilha do que eu mesmo. Esta é a vantagem da literatura, os processos são executados com precisão, sem que haja risco para o próprio corpo e alma. Esta é a perversidade dos escritores. Eles se sentam à mesa e enviam seus heróis para a morte.
Você nunca teve a oportunidade de voltar à Síria?
Houve uma oferta três anos atrás. De repente, eu não era mais o traidor, mas o autor sírio mais conhecido no mundo. Eu teria achado macabro voltar, aparecer na TV e realizar palestras culturais, enquanto amigos meus estão na prisão. Eu não posso. Meu exílio teria sido em vão.
Diferentemente dos exilados e também dos atuais refugiados, você já sabe ou prevê que não vai retornar mais para a Síria. Você conversa sobre isso com outros exilados sírios?
Para mim, narrar significa: ter esperança. Se eu não a tivesse, nunca teria narrado. Sophia também não. Essa esperança permanece. Atualmente, ela é uma ilusão quando olho para a destruição. Apesar disso, sim, entendo. Estamos falando sobre quão difícil se tornou um retorno.
Mas, mesmo assim, isso não me apavora. Depois da volta, haveria uma abundância de tarefas. Eu tentaria prestar minha contribuição para a reconstrução, se houvesse certa segurança. Eu não sou um mártir, não sou um aventureiro. Eu também acredito que todos os exilados – não importa se são recém-chegados ou não – atravessam as mesmas fases de desespero profundo. E então se erguem novamente.
Como você vê a onda de refugiados da Síria que está vindo agora para a Europa?
A Europa está dividida, cada sociedade está dividida: o que vamos fazer com os refugiados? Primeiro de tudo, digo a todos de orientação de direita e a todos os populistas: ninguém deixa a própria casa voluntariamente, ninguém! Mesmo em pequenas cabanas, as pessoas preferem ficar no seu entorno, na sua região linguística. Quero dizer, este é um resultado de uma longa política, não um capricho repentino das pessoas.
Foi um grande infortúnio que expulsou as pessoas, ele se chama guerra civil, se chama ditadura, se chama hipocrisia europeia. Agora os alemães avançaram rápido demais e se isolaram. Isso vai ter consequências na sociedade. Depois que a euforia passar, vem a sóbria vida cotidiana e a desilusão do dia a dia é difícil.
Por Sabine Kieselbach, na Deutsche Welle