O
cantor Lobão lançou na segunda-feira no Rio de Janeiro o livro “Em busca do
rigor e da misericórdia”, título colhido na leitura de um texto de Olavo de
Carvalho, a quem presta uma bela homenagem no capítulo 6.
“Dois
dos cacoetes frequentes entre os ruidosos detratores do Olavo são a invariável
fuga do debate com ele e a recusa peremptória em ler o que escreve.
Intelectuais de esquerda não leem autores que se oponham ao ideário
esquerdista, o que expõe o avançado processo de autofagia em que se encontram,
como o cachorro atrás de seu rabo, numa regurgitação sistemática de assertivas
sobre suas convicções, sem a menor possibilidade de visitação ao contraditório.
Todos agem naquele célebre formato: não li, não quero ler e tenho raiva de quem
leu. Daí essa atmosfera inalienável de masturbação impotente a que tanto me
refiro”, escreve Lobão.
Embora
os detratores do cantor certamente também prefiram não ler seu novo livro,
seguem abaixo o convite do lançamento e o texto editorial
da orelha para aqueles que, como Lobão, têm a coragem de buscar
conhecimento para embasar suas opiniões, aprimorar suas criações e
tornar-se uma pessoa melhor, sem deixarem de se divertir, é claro, durante todo
o processo.
É
sempre rigorosamente divertido, de fato, ler o misericordioso Lobão.
“O
homem está há pelos menos três anos exposto a um dos mais bárbaros processos de
simonalização da história do Brasil, enfrenta essa campanha criminosa com
coragem e espírito público, sobe nos carros de som para discursar contra o
autoritarismo para milhares de pessoas nas ruas, e, no entanto, chega em casa,
entra em seu estúdio e cria, compõe, anota, toca, escreve, lê, grava.
Sozinho com seus gatos.
Isto
é Lobão.
A
solidão é a chave deste livro, que narra, em tempo real, sem omitir fraquezas
nem minimizar o clima exterior pesadíssimo, o processo de materialização –
desde a concepção até a realização – de um projeto ambicioso e há muito
desenhado pelo artista escritor: o de compor, arranjar, tocar e gravar um disco
rigorosamente sozinho.
É
na exploração literária desse choque altamente produtivo entre atividade
pública e vida interior que está a grandeza sublime deste ‘Em busca do rigor e
da misericórdia’. Lobão é um coerente – ser raríssimo. As brigas que compra na
vida pública hoje – e que não faltam a este relato amoroso – são as mesmas de
trinta, quarenta anos atrás. Ele não mudou. É o mesmo cara de sempre,
inconformado, livre, incondicionalmente comprometido com o contraditório, com o
dissenso, indivíduo que não abre mão do humor e da linguagem muito peculiar –
que sofistica o desbocamento – através da qual explora a ironia, o deboche, a
provocação. A novidade – de que este livro é extraordinário fruto – talvez seja
o espaço maior que dá ao pensamento, à meditação, à reflexão profunda, razão
pela qual idealizou e montou para si, em seu estúdio caseiro (importante
personagem desta narrativa), um microcosmo de solidão criativa perfeita e
absoluta.
Neste
livro, marco da evolução de um artista completo, Lobão reflete sobre a
necessidade – o impulso – de trabalhar sozinho, de produzir sozinho, de estar
sozinho, e ao mesmo tempo sobre o ambiente mental, de maturidade mesmo, que o
levou valorizar, mais do que nunca, o convívio da família. A passagem na qual
aborda as condições em que construiu para (contra) si a carapaça de personagem
assustador e maldito, por meio da qual se pretendia proteger, é obra-prima
representativa dos altíssimos graus de honestidade, abstração e consciência
abrigados nestas páginas.
Das
mais baixas mentiras, das piores covardias e traições, das violências e ameaças
as mais inacreditáveis, de toda a carga de intimidação que lhe tentam pesar, de
toda essa pedreira Lobão extrai grande arte – grande música, grande livro. É
espantoso. Mas a leitura deste ‘Em busca do rigor e da misericórdia’ não deixa
mesmo dúvida: não importa a sordidez mobilizada contra si, tudo – ao menos em
Lobão – resulta em criação.”
Por
Felipe Moura Brasil, na revista Veja