O artista cubano e dissidente Luis Manuel Otero Alcántara fala em frente a uma de suas pinturas em Havana, em 4 de abril de 2021 |
Um grupo de artistas não quer mais ver suas obras no Museu Nacional de Belas Artes de Cuba. O ato é em solidariedade ao colega dissidente Luis Manuel Otero Alcántara, hospitalizado há um mês e acusado pelo governo de ser financiado pelos Estados Unidos.
“A arte cubana vive momentos sombrios (...), a
criminalização da diferença não é, nem será, um caminho de convivência”,
lamentou o pintor Tomás Sánchez na semana passada no Facebook.
Famoso por suas paisagens de floresta de sonho, este
pintor de 73 anos, radicado na Costa Rica, expôs suas obras na França, México e
Estados Unidos.
Otero Alcántara, 33 anos, foi internado em um hospital
de Havana no dia 2 de maio, oito dias depois de fazer greve de fome para
denunciar a tomada de suas obras pela polícia.
Apesar de as autoridades terem divulgado detalhes de
seu prontuário médico para comprovar que ele está em perfeita saúde e de terem
sido publicados vários vídeos do artista dissidente, aparentemente gravados por
médicos, seus familiares denunciam a impossibilidade de se comunicar com ele.
O governo dos Estados Unidos exigiu sua libertação
"imediata" e, para a Anistia Internacional, ele é um
"prisioneiro de consciência".
Em carta aberta ao diretor do museu, os artistas
exigem a retirada das obras até a libertação do dissidente.
Mas a instituição rejeita o pedido: “O museu não
aceita uma demanda que não esteja de acordo com a vocação de serviço de nossa
instituição ou com o interesse do público que é prestado”.
-
"Mercenário" -
Para as autoridades da ilha, Otero Alcántara é um
"mercenário" pago por Washington para promover a agitação política.
O governo dos EUA faz "uma simulação de
preocupação com os direitos humanos, enquanto oculta (seus) verdadeiros
propósitos", disse Johana Tablada, vice-diretora do Ministério das
Relações Exteriores para os Estados Unidos.
Para ela, os Estados Unidos “nem se importam com
aqueles cidadãos que, de forma sistemática, financiam, orientam e promovem com
grande visibilidade a fabricar ações judiciais de desestabilização e gerar uma
falsa imagem de Cuba, pretextos com os quais tenta justificar sua política
criminosa de bloqueio econômico”.
Desconhecido do grande público até o ano passado, o
rosto de Otero Alcántara agora aparece regularmente nos noticiários da
televisão estatal cubana, que o acusa de ser financiado e administrado pelo
Instituto Nacional Democrático dos Estados Unidos, um centro de estudos
dirigido pela ex-secretária de Estado Madeleine Albright. "Eles
mentem", disse Otero à AFP em abril.
“O que um artista faz é questionar um problema (...) e
é isso que estou questionando como artista e através do meu trabalho”.
-
Crescente mal-estar -
Nascido em uma família humilde, esse homem que se
define como "artivista" - artista e ativista- realizou nos últimos
anos uma série de performances, geralmente provocativas, como cobrir o corpo
com excrementos para protestar contra um decreto que regulamenta os artistas.
Em outra, ele propôs andar pela cidade por dias com um
capacete de construtor, depois que três meninas foram mortas pelo desabamento
de uma varanda de um prédio em ruínas.
Sua ação mais marcante foi em novembro passado, quando
se barricou com outros membros e apoiadores de seu coletivo, o Movimento San
Isidro, em sua casa para denunciar a prisão de um rapper.
Durante 10 dias, o grupo, alguns deles em greve de
fome, transmitiu seu protesto pela internet, ganhando audiência internacional.
O despejo do grupo gerou um protesto histórico de 300
artistas em frente ao Ministério da Cultura em 27 de novembro.
Embora alguns deles não compartilhem das convicções ou
métodos de Otero Alcántara, muitos mostram um crescente desconforto com os
limites que lhes são impostos.
Por Katell Abiven, na AFP
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