Desenvolvimento Urbano debate projeto
que prorroga fim dos lixões
A Comissão de Desenvolvimento Urbano
da Câmara dos Deputados promoveu audiência pública na terça-feira (23) quando discutiu
o Projeto de Lei Complementar (PLP) 14/15, que amplia prazos e obriga a União
a oferecer apoio técnico e financeiro a estados e municípios na elaboração e
execução dos respectivos planos de saneamento básico e de resíduos sólidos.
De acordo com o projeto, os
municípios passarão a ter até 2 de agosto de 2024 para assegurarem o fim dos
lixões, com a disposição final ambientalmente adequada da totalidade dos seus
rejeitos sólidos. O objetivo, segundo o autor da proposta, deputado Odelmo Leão
(PP-MG), é assegurar o cumprimento da Política Nacional de Resíduos Sólidos
(Lei 12.305/10). O prazo para a eliminação dos
lixões a céu aberto venceu em 2014, mas grande parte dos municípios ainda não
conseguiu cumprir o que determina a lei.
Sobre o assunto, leia o artigo que escrevi há algum
tempo atrás:
Em
Brasília, o maior lixão da América Latina!
No ano de 2010, ainda que tardiamente, o país – através da lei
12.305 - instituiu sua Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS.
Políticos brasileiros adoram engabelar eleitores fazendo-nos crer que os
problemas serão resolvidos na base da esferográfica. Assim, ante a gravidade de
uma questão qualquer, se regozijam editando uma nova lei e, num passe de
mágica, nos conduzem ao Éden perdido.
Nosso regime legal é um dos mais anacrônicos do planeta, parece
padecer da síndrome da elefantíase. Dia após dia, legislatura após legislatura,
batemos recorde sobre recorde, inventando e reinventando leis, numa espiral
viciosa, turbulenta, perdulária e inteiramente ineficaz. Já falamos disso aqui
no Blog.
‘Governança’ deveria contemplar um universo que,
ao mesmo tempo, sorvesse e exalasse liderança, estratégia, empreendedorismo,
sustentabilidade, planejamento, controle,... insumos que alavancam a
performance da gestão, qualificam a formulação e a condução das políticas
públicas, agregam valor à prestação de serviços de interesse da sociedade,
potencializam a transparência e a comunicação nas relações governo/cidadania e
cidadania/governo. Ocorre nos países desenvolvidos. Mas no Brasil, bem... no
Brasil, todos sabemos como funcionam as coisas...
Por aqui, ‘governança’ se transfigurou num
vocábulo pérfido cujo significado original foi sequestrado; por aqui, ‘governança’
adquiriu acepção única e denota exclusivamente fazer leis, criar leis, redigir
leis, publicar leis, emendar leis, promulgar leis, ainda que inconstitucionais,
para, depois, quando assim declaradas, remendá-las, recriá-las, e de novo, e
novamente, e mais uma vez, e mais ‘n’ vezes...
Num Brasil onde os tributos são cobrados à la Dinamarca e os
serviços ofertados à la Zimbabue, as leis tomam ares de varinhas de condão
conduzindo-nos aos contos de fada. Os efeitos deletérios estão como os
experimentados pelos dependentes químicos: os sonhos e ilusões idílicas, as
sensações paradisíacas despencam terra abaixo tão logo os sintomas cessam,
instante em que a realidade explode numa erupção vulcânica, descortinando a
crueza do dia a dia na terra brasilis.
A inesgotável profusão de leis objetiva enganar, fazendo-nos
acreditar que os problemas estão solucionados. Efêmera a ilusão! Suficiente,
contudo, para embair quase todos... E não é só. Esse brutal frenesi legiferante
estabelece, no âmago do parlamento, um substrato que estimula o clientelismo;
além de estruturar, no mercado, alguns dos mais lucrativos negócios para
os escritórios de advocacia. E eis o país mergulhado num lodaçal de leis,
decretos, resoluções, emendas, códigos, pacotes e jurisprudências cuja
consequência imediata é a incerteza jurídica.
E, agora, quando tratamos de saneamento e manejo de resíduos
sólidos, como haveria de ser diferente? Convivemos num limbo entrecortado pelo
país-maravilha engendrado pelas leis salvacionistas e o país-real, o
anão-ético-diplomático que o mundo civilizado já desvelou.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) estabeleceu que
até 2 de agosto de 2014 os lixões a céu aberto estariam extintos. Determinou
este dia como a data fatídica para que os aterros sanitários redimissem a
vergonhosa onipresença dos lixões.
Não custa destacar: 2012 foi a primeira tentativa, o primeiro
prazo para a extinção dos lixões; era um ano de eleições municipais e as
sumidades do Ministério das Cidades acreditaram que por ser aquele um ano
eleitoral, os prefeitos não se engajariam, não dariam a devida atenção e
prioridade à questão. E, imaginaram, vamos dilatar o prazo para 2014. Alguém
duvida que um novo adiamento esteja a caminho?
Se este é um tema que não galvaniza a atenção dos gestores
municipais, quanto mais da sociedade... A população já tem um rol de
preocupações que a consome completamente: segurança, saúde, educação de
qualidade, transporte público,... Quando se trata da coleta de lixo
propriamente dita, ainda existe uma certa pressão popular, mas a sociedade se
satisfaz com a retirada do lixo da porta de suas residências, das proximidades
de seus locais de trabalho e estudo... não incorporou ainda a dimensão e a
extrema importância da destinação, os locais onde serão lançados e a forma como
serão manejados os resíduos sólidos. Quase que se contam nos dedos das mãos os
que sabem a diferença entre um aterro sanitário e o lixão a céu aberto e as
implicações que isso tem para o meio ambiente.
Como desdobramento da lei 12.305, as regras tornaram-se severas
para os municípios relapsos, os que solenemente ignoraram os prazos da norma:
as instituições públicas que descumpriram a nova política de tratamento do lixo
estão sujeitas ao pagamento de multas de até R$ 50 milhões.
Em 2008, o IBGE, através da Pesquisa Nacional de Saneamento
Básico, identificou 2.810 cidades que ainda destinam seus resíduos sólidos para
vazadouros a céu aberto. E isso não é pouco: representa mais da metade dos
municípios existente no país. Já a Confederação Nacional dos Municípios (CNM),
em levantamento de 2012, aponta a existência de, no mínimo, 3,5 mil lixões
ativos no Brasil.
Quando se trata de indicadores sociais, a região nordeste
invariavelmente assume o pódium com as piores posições. Na área de saneamento e
destinação de resíduos sólidos, o quadro não se altera: a prática dos lixões a
céu aberto é adotada por 1.598 cidades nordestinas; pasmem, cerca de 90% dos
municípios nordestinos não contam com aterro sanitário.
Nas capitais o quadro é praticamente o mesmo. Para se ter ideia
da dimensão do problema: o maior lixão da América Latina é do tamanho de 170
campos de futebol, se constitui numa verdadeira cordilheira de lixo com 50
metros de altura, ‘manejado’ por 2 mil catadores de lixo que trabalham diuturnamente,
24 horas por dia; onde fica?, a cerca de 15km do Palácio do Planalto,
exatamente em Brasília, na Capital Federal.
Estudos sobre o tema é o que mais existe. O que parece não
existir é disposição política para resolver o problema.
A Associação Brasileira de Limpeza Públicas e Resíduos Especiais
(Abrelpe) promoveu estudos mostrando que 40% de todo o lixo produzido no Brasil
tem destinação inadequada. Há ainda uma profusão de aterros controlados, um
Frankenstein, nem lixão e nem aterro sanitário, um coluna do meio onde o
chorume, embora que em menores proporções, continua sendo lançado no solo; do
ponto de vista ambiental, os aterros controlados não se diferenciam muito do
lixão; o chorume continua infiltrando no solo e contaminando o lençol freático.
Quando gestores e prefeitos municipais atinaram que o prazo para
a desmobilização dos lixões havia expirado foi um show de lamúrias, pirotecnias
e lamentações. Alguns alegaram que a lei é por demais severa, outros que os
legisladores se lembraram da solução mas se esqueceram de identificar a origem
dos recursos orçamentários e financeiros.
É verdade que a questão não é tão simples como parece, está
envolta em certa complexidade, mas nada que escape à normalidade. Sobretudo,
para os municípios pequenos, o aterro sanitário ainda é uma saída cara e de
complexa gestão. Há que se estudar a viabilidade econômica e o aterro sanitário
se viabiliza mais adequadamente para demandas superiores a 300 toneladas
diárias. Precisaríamos, assim, de municípios médios – com 200 a 300 mil
habitantes - para tornar o custo por tonelada aterrada administrável. Não se
constrói um aterro sanitário com pás e enxadas. São necessários, além de um
maquinário específico, mão-de-obra qualificada. Portanto, os pequenos municípios,
de fato, necessitam do auxílio dos governados estadual e federal. Recursos
financeiros que não deram o ar da graça, é a realidade.
Entretanto, não bastam tão somente os recursos financeiros. Tão
importante quanto o financiamento dos projetos é qualificar os processos de
gestão, aprimorá-los, tornar habitual a habilidade de fazer mais e melhor, com
menos.
Um mecanismo importante que tem ficado à margem das prioridades
dos governos é a figura dos consórcios públicos intermunicipais. É um importante
instrumento de gestão já comum nos países desenvolvidos, mas solenemente
ignorado no Brasil. A possibilidade de compartilhar recursos, sejam
maquinários, sejam de pessoal, mitigaria os custos, tornaria a operação menos
onerosa para os pequenos municípios. Porém, ainda assim, esta não é uma solução
para todos palatável, porque há um componente que exige certa engenharia
criativa, o equacionamento do problema das distâncias. Diversos vetores devem
ser devidamente equalizados para que a participação nos custos seja equilibrada
entre os municípios consorciados. Localização e volume dos resíduos a
serem manejados são dois dos mais importantes vetores. Em decorrência, os
custos variam dependendo da região. No Sul/Sudeste, as distâncias são menores,
o que implica menores custos. Nas regiões Nordeste e Centro-oeste as distâncias
entre um município e outro, não raro, chegam a 300 km. No Norte, trabalha-se
com distâncias estratosféricas. Altamira, por exemplo, tem uma área de 159
695,938 km², uma área maior que a Grécia.
Fatores não menos importantes são as rivalidades políticas entre
as cidades, condição que contribuem para mantê-las isoladas umas das outras,
desdenhando as formas mais modernas e eficazes de conjugar esforços e recursos.
Como ensino o antigo ditado, muita água ainda correrá sob a
ponte. Políticos continuarão propalando que o assunto é da alçada de marcianos;
gestores continuarão apostando em planejamento de araque; leis continuarão
sendo editadas, emendadas e reeditadas num ciclo infindável; prazos e
cronogramas continuarão sendo estendidos; e os lixões continuarão em plena
operação, alçados à condição de impolutos... a não ser que a sociedade aprimore
seus mecanismos de pressão e fiscalização e, principalmente, qualifique o seu
voto.
Antônio Carlos dos Santos, criador da metodologia de
planejamento estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de teatro
popular Mané Beiçudo.
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