Mais de 5 mil prefeitos e ex-prefeitos ordenadores de
despesas, passíveis de impugnação da candidatura com base na Lei da Ficha Limpa
por terem contas rejeitadas por tribunais de contas estaduais nos últimos oito anos,
não ficarão inelegíveis e podem participar normalmente das eleições municipais.
O número é parte do levantamento, ainda em consolidação, da Associação dos
Tribunais de Contas do Brasil (Atricon). A “imunização” ocorreu após decisão do
Supremo Tribunal Federal (STF), na semana passada, que determinou que, agora,
os candidatos só podem ser barrados se tiverem as contas reprovadas pelas
câmaras municipais. O diagnóstico aponta ainda que, com a nova determinação,
aproximadamente R$ 3 bilhões podem deixar de ser ressarcidos aos cofres
públicos se os gestores forem inocentados em votação no Legislativo local.
O presidente da Atricon, Valdeci Pascoal, afirma que “a
decisão representa um imenso retrocesso no controle das contas governamentais e
vai na contramão dos esforços populares e suprapartidários de combate à
corrupção e de moralidade na gestão dos Recursos Públicos”. Ele revelou ao
Correio que o levantamento completo ainda não foi concluído e que o estrago
pode ser ainda maior.
“Na prática, a decisão representa uma imunização de
mais de 5 mil prefeitos e exprefeitos condenados pelos tribunais de contas e
compromete o ressarcimento de R$ 3 bilhões. São dados de todos os tribunais
espalhados pelo país nos últimos oito anos. Significa uma espécie de habeas
corpus preventivo”, afirmou. Ele explicou que o diagnóstico não fez o
cruzamento de quantos prefeitos e ex-prefeitos condenados são efetivamente
candidatos nestas eleições. “Importante lembrar que, com base nesse número
levantado, nem todos obrigatoriamente seriam impugnados. Seriam potenciais
impugnáveis em razão das contas irregulares. Quem faz esse crivo é a Justiça
Eleitoral. Mas, com a decisão do STF, já fica decidido que nenhum desses será
impugnado.”
Pascoal ressaltou que a rejeição das contas é o principal
motivo hoje para a inelegibilidade. “Além de esvaziar, em grande medida, as
competências constitucionais dos tribunais de contas, no que se refere à
aplicação de sanções e determinação de ressarcimento aos prefeitos que causaram
prejuízos ao erário, a decisão do STF fere de morte a Lei da Ficha Limpa,
considerando que a rejeição de contas pelos tribunais, e não pelas câmaras,
constitui o motivo mais relevante para a declaração de inelegibilidades pela
Justiça Eleitoral, que atinge 84%”, informou.
O juiz Marlon Reis, um dos idealizadores da Lei da
Ficha Limpa, também criticou a decisão. Ele disse que ainda há espaço para
tentar reverter a situação. “Essa decisão atacou o coração da Ficha Limpa, mas
temos a expectativa de que seja revertida. O STF já havia declarado a
constitucionalidade da norma da Lei da Ficha Limpa em relação aos ordenadores
de despesas. Assistimos com surpresa à mudança de entendimento. Estamos
discutindo meios de provocar a mudança. Não consideramos o jogo terminado”,
informou.
“Efeito nocivo”
Na próxima segunda-feira, Marlon Reis e Valdeci Pascoal
se reúnem, em Brasília, com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot,
para avaliar a situação e as estratégias a serem tomadas a partir de recursos
que devem clarear a decisão do Supremo. “A decisão já tem um efeito nocivo para
estas eleições. Os juízes eleitorais do Brasil inteiro seguiram a determinação
no período de registro das candidaturas (que se encerrou na segundafeira).
Agora, um juiz dificilmente considerará que a rejeição das contas por um
tribunal de contas estadual já implica na inelegibilidade”, afirmou o
magistrado.
O presidente da Confederação Nacional dos Municípios
(CNM), Paulo Ziulkoski, salientou que a entidade não se posicionou oficialmente
sobre a questão. No entanto, em seu entendimento pessoal, a medida parece justa
e constitucional. “Quem julga as contas é o Poder Legislativo. O próprio TCU,
quando julgou as contas da presidente afastada, Dilma Rousseff, não foi a
última decisão. Tanto é que todo o processo dela ainda está rolando. O parecer
dos tribunais é válido até que as câmaras apreciem. Se não obtiverem dois
terços dos votos, fica valendo a decisão técnica do tribunal de contas. Esse é
o sentido da democracia. O aspecto político paira acima do técnico. O Tribunal
de Contas é órgão auxiliar”, comentou.
No julgamento do STF, por seis votos a cinco, a maioria
dos ministros entendeu que a decisão dos tribunais que desaprova as contas do
governo deve ser tratada apenas como um parecer prévio, que deve ser apreciado
pelos vereadores. Para os ministros, o Legislativo local tem a palavra final
sobre a decisão que rejeita ou aprova as contas. Dessa forma, somente após
decisão desfavorável dos vereadores, um candidato pode ser impedido de
concorrer às eleições. A Lei da Ficha Limpa diz que as pessoas que tiverem as
contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por
irregularidade insanável ficam inelegíveis por oito anos a partir da decisão.
A questão chegou ao Supremo por meio de um recurso
apresentado por José Rocha Neto, candidato a deputado estadual em 2014. A
candidatura dele acabou barrada por ter as contas rejeitadas pelo Tribunal de
Contas do Ceará no período em que foi prefeito de Horizonte, no Ceará. A Câmara
Municipal não seguiu o parecer do tribunal e aprovou as contas.
Essa decisão atacou o coração da Ficha Limpa, mas temos
a expectativa de que seja revertida. O STF já havia declarado a
constitucionalidade da norma da Lei da Ficha Limpa em relação aos ordenadores
de despesas”
Marlon Reis, juiz e um dos idealizadores da Lei da
Ficha Limpa
Por João Valadares, no Correio Braziliense
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