O Brasil se formou e ainda permanece
como sociedade patriarcal. Os homens, durante a nossa história, tiveram
supremacia em praticamente todos os âmbitos de poder: na política, na ciência,
na cultura. Só em 1827 (!), com a abertura da primeira escola feminina no país,
as mulheres passaram a ter o acesso básico à alfabetização, depois de mais de
300 anos de colonização. Devido a essa educação tardia, vieram depois as
primeiras escritoras tupiniquins. Hoje, há um número imensamente maior de
mulheres produzindo literatura; porém, elas ainda são pouco conhecidas, e isso
se agrava mais ainda quando falamos das pioneiras.
O foco acadêmico e social acaba recaindo sempre nos mesmos nomes, já canonizados, como se estas fossem as únicas: Clarice Lispector, Cecilia Meireles, Ana Cristina Cesar – homenageada da FLIP esse ano –, Rachel de Queiroz, e agora Adélia Prado e Lygia Fagundes Telles (cotada ao Nobel de 2016). Sem desmerecer, obviamente, nenhuma dessas brilhantes representantes, creio ser importante também reconhecer as outras, que caem no ostracismo, longe dos holofotes. Por isso, resolvi fazer uma lista para iluminar algumas das moças que permaneceram, injustamente, tempo demais na escuridão.
MARIA FIRMINA DOS REIS (1825-1917)
Maranhense e negra, é considerada a primeira romancista brasileira. Em 1859, publicou o incrível Úrsula, tido pela crítica como o primeiro romance abolicionista e feminista escrito no Brasil, inaugurando a vertente da literatura afro-brasileira. Também era professora e figura ativa na imprensa local, publicando poemas, contos, crônicas e artigos em jornais da época. Além disso, na década de 1880, fundou a primeira escola mista (misturando meninas e meninos) do estado do Maranhão, ousadia que provocou muito rebuliço e incômodo.
Eu não te ordeno, te peço,
Não é querer, é desejo;
São estes meus votos – sim.
Nem outra cousa eu almejo.
E que mais posso eu querer?
Ver-te Camões, Dante ou Milton,
Ver-te poeta – e morrer.
NÍSIA FLORESTA (1810-1885)
Considerada a primeira feminista brasileira, publicou em 1832 o manifesto “Direitos das mulheres e injustiças dos homens”. Também educadora e presença constante em periódicos da imprensa até então jovem, Nísia Floresta rompeu os limites entre o público e o privado que eram impostos às mulheres. Ela viajou pelo mundo, criando contatos e diálogos com Augusto Comte, pai do positivismo, e Alexandre Dumas, importante escritor francês.
Se cada homem, em particular, fosse obrigado a declarar o que sente a respeito de nosso sexo, encontraríamos todos de acordo em dizer que nós nascemos para seu uso, que não somos próprias senão para procriar e nutrir nossos filhos na infância, reger uma casa, servir, obedecer e aprazer aos nossos amos, isto é, a eles homens. (…) Por que [os homens] se interessam em nos separar das ciências a que temos tanto direito como eles, senão pelo temor de que partilhemos com eles, ou mesmo os excedamos na administração dos cargos públicos, que quase sempre tão vergonhosamente desempenham?
NARCISA AMÁLIA (1852-1924)
Além de poeta, Narcisa Amália foi a primeira jornalista profissional do Brasil. Feminista e abolicionista, lutava contra as opressões de gênero e de raça nos seus textos. Foi, de acordo com Sílvia Paixão, “um dos raros nomes femininos que falam de identidade nacional”, contribuindo imensamente para a formação da nossa literatura “numa poética uterina que imprime o retorno ao lugar de origem”.
POR QUE SOU FORTE
Dirás que é falso. Não. É certo. Desço
Ao fundo d’alma toda vez que hesito…
Cada vez que uma lágrima ou que um grito
Trai-me a angústia – ao sentir que desfaleço…
E toda assombro, toda amor, confesso,
O limiar desse país bendito
Cruzo: – aguardam-me as festas do infinito!
O horror da vida, deslumbrada, esqueço!
É que há dentro vales, céus, alturas,
Que o olhar do mundo não macula, a terna
Lua, flores, queridas criaturas,
E soa em cada moita, em cada gruta,
A sinfonia da paixão eterna!…
– E eis-me de novo forte para a luta.
GILKA MACHADO (1893-1980)
Vinda de família de artistas, com mãe atriz, parentes poetas e músicos, Gilka Machado foi uma grande poeta, que, nesses últimos anos, infelizmente caiu no ostracismo. Publicou em 1915, aos 22 anos, seu primeiro livro, Cristais Partidos. Durante a década de 1920, continua a escrever, lançando Estados d’Alma (1917), Mulher Nua (1922), Meu Glorioso Pecado (1928), e Amores que mentiram, que passaram (1928). Foi uma importante precursora da literatura erótica escrita por mulheres. Em 1979, recebeu o prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras.
Ser mulher, vir à luz trazendo a alma talhada
para os gozos da vida, a liberdade e o amor,
tentar da glória a etérea e altívola escalada,
na eterna aspiração de um sonho superior…
Ser mulher, desejar outra alma pura e alada
para poder, com ela, o infinito transpor,
sentir a vida triste, insípida, isolada,
buscar um companheiro e encontrar um Senhor…
Ser mulher, calcular todo o infinito curto
para a larga expansão do desejado surto,
no ascenso espiritual aos perfeitos ideais…
Ser mulher, e oh! atroz, tantálica tristeza!
ficar na vida qual uma águia inerte, presa
nos pesados grilhões dos preceitos sociais!
PAGU (PATRÍCIA GALVÃO) (1910-1962)
Sempre relacionada a Oswald de Andrade e condenada ao título de musa, Pagu foi muito mais do que companheira do escritor. Poeta, escritora, tradutora, desenhista, diretora de teatro, jornalista e militante, Patrícia Galvão lutou pela participação política da mulher na sociedade brasileira e foi figura essencial no movimento modernista. Publicou seu primeiro romance, Parque Industrial, em 1933. Primeira mulher a se tornar presa política no país, foi torturada durante muitos períodos em sua vida.
Nada nada nada
Nada mais do que nada
Porque vocês querem que exista apenas o nada
Pois existe o só nada
(…)
Um copo de conhaque
Um teatro
Um precipício
Talvez o precipício queira dizer nada
Uma carteirinha de travel’s check
Uma partida for two nada
Trouxeram-me camélias brancas e vermelhas
Uma linda criança sorriu-me quando eu a abraçava
Um cão rosnava na minha estrada
Um papagaio falava coisas tão engraçadas
Pastorinhas entraram em meu caminho
Num samba morenamente cadenciado
Abri o meu abraço aos amigos de sempre
Poetas compareceram
Alguns escritores
Gente de teatro
Birutas no aeroporto
E nada.
ORIDES FONTELA (1940-1998)
Pertencente à chamada ‘geração de 60’, Orides fez uma poesia filosófica, que se atenta aos detalhes, às brevidades, à palavra-coisa. Teve sua obra completa (de 1969 a 1996) reeditada recentemente pela Cosac Naify, possibilitando uma oportunidade de leitura aos novos leitores, que provavelmente nunca ouviram falar no seu nome.
Tudo
será difícil de dizer:
a palavra real
nunca é suave.
(…)
Tudo será
capaz de ferir. Será
agressivamente real.
Tão real que nos despedaça.
Não há piedade nos signos
e nem o amor: o ser
é excessivamente lúcido
e a palavra é densa e nos fere.
(Toda palavra é crueldade.)
HILDA HILST (1930-2004)
Hilda é, provavelmente, o nome mais conhecido dessa lista. O que ela faz aqui, então? Escolhi-a pois as pessoas podem saber quem ela é, mas quase ninguém a lê verdadeiramente. Além disso, ela é constantemente associada somente à poesia e ao romance, porém, as pessoas negligenciam que ela foi também uma excelente dramaturga e cronista – a meu ver, se estabelecendo como um dos únicos autores brasileiros (aqui, conto com os homens) a atingir alto nível de escrita nos três gêneros principais: lírico, narrativo e dramatúrgico.
O foco acadêmico e social acaba recaindo sempre nos mesmos nomes, já canonizados, como se estas fossem as únicas: Clarice Lispector, Cecilia Meireles, Ana Cristina Cesar – homenageada da FLIP esse ano –, Rachel de Queiroz, e agora Adélia Prado e Lygia Fagundes Telles (cotada ao Nobel de 2016). Sem desmerecer, obviamente, nenhuma dessas brilhantes representantes, creio ser importante também reconhecer as outras, que caem no ostracismo, longe dos holofotes. Por isso, resolvi fazer uma lista para iluminar algumas das moças que permaneceram, injustamente, tempo demais na escuridão.
MARIA FIRMINA DOS REIS (1825-1917)
Maranhense e negra, é considerada a primeira romancista brasileira. Em 1859, publicou o incrível Úrsula, tido pela crítica como o primeiro romance abolicionista e feminista escrito no Brasil, inaugurando a vertente da literatura afro-brasileira. Também era professora e figura ativa na imprensa local, publicando poemas, contos, crônicas e artigos em jornais da época. Além disso, na década de 1880, fundou a primeira escola mista (misturando meninas e meninos) do estado do Maranhão, ousadia que provocou muito rebuliço e incômodo.
Eu não te ordeno, te peço,
Não é querer, é desejo;
São estes meus votos – sim.
Nem outra cousa eu almejo.
E que mais posso eu querer?
Ver-te Camões, Dante ou Milton,
Ver-te poeta – e morrer.
NÍSIA FLORESTA (1810-1885)
Considerada a primeira feminista brasileira, publicou em 1832 o manifesto “Direitos das mulheres e injustiças dos homens”. Também educadora e presença constante em periódicos da imprensa até então jovem, Nísia Floresta rompeu os limites entre o público e o privado que eram impostos às mulheres. Ela viajou pelo mundo, criando contatos e diálogos com Augusto Comte, pai do positivismo, e Alexandre Dumas, importante escritor francês.
Se cada homem, em particular, fosse obrigado a declarar o que sente a respeito de nosso sexo, encontraríamos todos de acordo em dizer que nós nascemos para seu uso, que não somos próprias senão para procriar e nutrir nossos filhos na infância, reger uma casa, servir, obedecer e aprazer aos nossos amos, isto é, a eles homens. (…) Por que [os homens] se interessam em nos separar das ciências a que temos tanto direito como eles, senão pelo temor de que partilhemos com eles, ou mesmo os excedamos na administração dos cargos públicos, que quase sempre tão vergonhosamente desempenham?
NARCISA AMÁLIA (1852-1924)
Além de poeta, Narcisa Amália foi a primeira jornalista profissional do Brasil. Feminista e abolicionista, lutava contra as opressões de gênero e de raça nos seus textos. Foi, de acordo com Sílvia Paixão, “um dos raros nomes femininos que falam de identidade nacional”, contribuindo imensamente para a formação da nossa literatura “numa poética uterina que imprime o retorno ao lugar de origem”.
POR QUE SOU FORTE
Dirás que é falso. Não. É certo. Desço
Ao fundo d’alma toda vez que hesito…
Cada vez que uma lágrima ou que um grito
Trai-me a angústia – ao sentir que desfaleço…
E toda assombro, toda amor, confesso,
O limiar desse país bendito
Cruzo: – aguardam-me as festas do infinito!
O horror da vida, deslumbrada, esqueço!
É que há dentro vales, céus, alturas,
Que o olhar do mundo não macula, a terna
Lua, flores, queridas criaturas,
E soa em cada moita, em cada gruta,
A sinfonia da paixão eterna!…
– E eis-me de novo forte para a luta.
GILKA MACHADO (1893-1980)
Vinda de família de artistas, com mãe atriz, parentes poetas e músicos, Gilka Machado foi uma grande poeta, que, nesses últimos anos, infelizmente caiu no ostracismo. Publicou em 1915, aos 22 anos, seu primeiro livro, Cristais Partidos. Durante a década de 1920, continua a escrever, lançando Estados d’Alma (1917), Mulher Nua (1922), Meu Glorioso Pecado (1928), e Amores que mentiram, que passaram (1928). Foi uma importante precursora da literatura erótica escrita por mulheres. Em 1979, recebeu o prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras.
Ser mulher, vir à luz trazendo a alma talhada
para os gozos da vida, a liberdade e o amor,
tentar da glória a etérea e altívola escalada,
na eterna aspiração de um sonho superior…
Ser mulher, desejar outra alma pura e alada
para poder, com ela, o infinito transpor,
sentir a vida triste, insípida, isolada,
buscar um companheiro e encontrar um Senhor…
Ser mulher, calcular todo o infinito curto
para a larga expansão do desejado surto,
no ascenso espiritual aos perfeitos ideais…
Ser mulher, e oh! atroz, tantálica tristeza!
ficar na vida qual uma águia inerte, presa
nos pesados grilhões dos preceitos sociais!
PAGU (PATRÍCIA GALVÃO) (1910-1962)
Sempre relacionada a Oswald de Andrade e condenada ao título de musa, Pagu foi muito mais do que companheira do escritor. Poeta, escritora, tradutora, desenhista, diretora de teatro, jornalista e militante, Patrícia Galvão lutou pela participação política da mulher na sociedade brasileira e foi figura essencial no movimento modernista. Publicou seu primeiro romance, Parque Industrial, em 1933. Primeira mulher a se tornar presa política no país, foi torturada durante muitos períodos em sua vida.
Nada nada nada
Nada mais do que nada
Porque vocês querem que exista apenas o nada
Pois existe o só nada
(…)
Um copo de conhaque
Um teatro
Um precipício
Talvez o precipício queira dizer nada
Uma carteirinha de travel’s check
Uma partida for two nada
Trouxeram-me camélias brancas e vermelhas
Uma linda criança sorriu-me quando eu a abraçava
Um cão rosnava na minha estrada
Um papagaio falava coisas tão engraçadas
Pastorinhas entraram em meu caminho
Num samba morenamente cadenciado
Abri o meu abraço aos amigos de sempre
Poetas compareceram
Alguns escritores
Gente de teatro
Birutas no aeroporto
E nada.
ORIDES FONTELA (1940-1998)
Pertencente à chamada ‘geração de 60’, Orides fez uma poesia filosófica, que se atenta aos detalhes, às brevidades, à palavra-coisa. Teve sua obra completa (de 1969 a 1996) reeditada recentemente pela Cosac Naify, possibilitando uma oportunidade de leitura aos novos leitores, que provavelmente nunca ouviram falar no seu nome.
Tudo
será difícil de dizer:
a palavra real
nunca é suave.
(…)
Tudo será
capaz de ferir. Será
agressivamente real.
Tão real que nos despedaça.
Não há piedade nos signos
e nem o amor: o ser
é excessivamente lúcido
e a palavra é densa e nos fere.
(Toda palavra é crueldade.)
HILDA HILST (1930-2004)
Hilda é, provavelmente, o nome mais conhecido dessa lista. O que ela faz aqui, então? Escolhi-a pois as pessoas podem saber quem ela é, mas quase ninguém a lê verdadeiramente. Além disso, ela é constantemente associada somente à poesia e ao romance, porém, as pessoas negligenciam que ela foi também uma excelente dramaturga e cronista – a meu ver, se estabelecendo como um dos únicos autores brasileiros (aqui, conto com os homens) a atingir alto nível de escrita nos três gêneros principais: lírico, narrativo e dramatúrgico.
Da Homo Literatus
Para aproveitar o período das férias
Para aproveitar o período das férias, selecionamos títulos para os mais variados públicos - de crianças a amantes de literatura.
No descanso, divirta-se a valer, descanse, recarregue as baterias. Não deixe de colocar a leitura em dia, cuide de manter atualizada a sua biblioteca e – jamais se esqueça, o bom presente é aquele que ensina uma lição e dura para sempre; por isso, habitue-se a adquirir livros também para presentear.
Veja a seguir as nossas sugestões de leitura. Basta clicar no título desejado e você será levado ao site com mais informações:
1) Coleção Educação, Teatro e Folclore
Dez volumes abordando 19 lendas do folclore brasileiro.
2) Coleção infantil
Dez volumes abordando temas variados do universo infanto-juvenil.
3) Coleção Educação, Teatro e Democracia
Quatro volumes abordando temas como democracia, ética e cidadania.
4) Coleção Educação, Teatro e História
Quatro volumes abordando temas como independência e cultura indígena.
5) Coleção Teatro greco-romano
Quatro volumes abordando as mais belas lendas da mitologia greco-romana.
6) O maior dramaturgo russo de todos os tempos: Nicolai Gogol – O inspetor Geral
7) O maior dramaturgo da literatura universal: Shakespeare – Medida por medida
8) Amor de elefante
9) Santa Dica de Goiás
10) Gravata Vermelha
11) Prestes e Lampião
12) Estrela vermelha: à sombra de Maiakovski
13) Amor e ódio
14) O juiz, a comédia
15) Planejamento estratégico Quasar K+
16) Tiradentes, o mazombo – 20 contos dramáticos
17) As 100 mais belas fábulas da humanidade