sábado, 5 de março de 2016

Ensino de literaturas africanas precisa de melhorias




 “Apesar de a Lei ter sido promulgada em 2003, ainda hoje encontramos universidades que não trabalham esse conteúdo na formação docente”, aponta o professor de Língua Portuguesa e Literatura, André de Godoy Bueno, autor da dissertação de mestrado Literaturas africanas e afro-brasileira no ensino fundamental II.

A pesquisa foi apresentada em agosto de 2015 na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, sob a orientação da professora Vima Lia de Rossi Martin.

De acordo com o pesquisador, há também uma falha no poder público, desde o Ministério da Educação (MEC) até as secretarias estadual e municipal de educação. “Era necessário oferecer formação contínua para esses professores, pois os formados antes de 2003 provavelmente não viram isso durante a faculdade. Se ele não se interessar em fazer cursos, não terá esse conteúdo e não vai trabalhar isso com os alunos”, diz.


Bueno aplicou um questionário com 15 perguntas a 30 professores, sendo 15 do município de São Paulo, das diretorias regionais de São Miguel Paulista, Butantã, Guaianazes e Pirituba; e 15 de escolas estaduais das cidades de Guarulhos, Mauá, Indaiatuba e Marília. As perguntas abordavam desde o conhecimento da Lei até a forma de aplicação do conteúdo. Ele também reuniu, para uma roda de conversa, 3 desses professores, sendo 2 da rede estadual e 1 da municipal. A pesquisa seguiu um método qualitativo de análise, que oferece um quadro de observação de determinado fenômeno por meio de uma amostra, sem que haja a mensuração totalizante, em função de as redes educacionais pesquisadas terem enormes proporções.

Conteúdo importante, mas nem sempre aplicado

Segundo Bueno, praticamente todos consideraram a Lei importante, mas a aplicação prática em sala de aula somente é feita por 2/3 dos entrevistados, assim: 10 professores não abordavam conteúdo sobre o tema. Apesar disso, a grande maioria afirmou conhecimento da Lei.


Ao comparar as redes de ensino, o pesquisador constatou que, dos 15 professores da rede municipal, 11 trabalham com o conteúdo de literaturas africanas e afro-brasileiras em sala de aula. Já na rede estadual, são 9 os professores que trabalham o tema.

Bueno acredita que isso acontece porque a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo realiza um trabalho contínuo de formação com os seus professores e esse conteúdo é abordado. “Na roda de conversa, os professores da rede estadual disseram que não há essa formação específica e nem sempre aborda esse tema no dia a dia”, diz. “Nesse aspecto, o professor do município está mais amparado que o do estado no que se refere a cursos de formação”, aponta.

Preconceitos

Na roda de conversa, foram relatados alguns casos de preconceito. Um dos professores contou que uma colega de profissão de uma escola municipal resolveu trabalhar o significado da palavra “macumba” (que pode ser um instrumento musical ou uma árvore). “Mas alguns pais reclamaram, pois acreditaram tratar-se de uma abordagem religiosa. E a direção da escola pediu para a professora não realizar o trabalho.”

Em outro relato, uma professora do estado conta que utilizou, no ensino médio, um documentário a respeito de rituais religiosos africanos para falar sobre cultura. “Dois alunos se levantaram e se recusaram a assistir, pois disseram que aquilo não fazia parte da religião deles, que eram contra e se retiraram da sala”, conta Bueno.

Segundo o pesquisador, muitos professores também têm preconceito e acham que a literatura africana vai falar de aspectos religiosos. “Oferecer uma boa formação pode quebrar isso, mas precisava ser algo contínuo e contundente, e desde a universidade.”

Apesar de previsto em Lei e de o conteúdo ser obrigatório, o planejamento e a aplicação dos conteúdos acaba sendo muito particular por parte de cada professor. “Ele precisa trabalhar literatura com os alunos, mas geralmente fica livre na escolha do texto literário”, explica. “Muitos abordam a literatura africana e afro-brasileira porque são negros, outros porque se interessam pelo tema, mas há os que não o fazem ou por não se interessarem ou por não terem formação específica.”

E como abordar a história e a cultura de um continente com mais de 50 países independentes, com histórias, culturas e, consequentemente, literaturas tão variadas e distintas? O pesquisador sugere que a abordagem poderia ser a respeito dessas diferenças. Ou sobre a colonização, que aproxima o Brasil de tantos países africanos que passaram pelo mesmo processo. Outra opção é trabalhar com autores de países africanos de língua portuguesa, como o moçambicano Mia Couto, o português radicado em Angola, José Luandino Vieira e tantos outros. Entre os autores afro-brasileiros, há clássicos como Lima Barreto, do mesmo modo que há escritores contemporâneos, como é o caso de Cuti, pseudônimo do escritor Luiz Silva, além de inúmeros outros nomes que poderiam ser estudados durante a escolarização.

Da Agência USP de Notícias

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