Dadas às características da cultura política brasileira, é determinante a influência exercida pelo governo central sobre as unidades da federação. Historicamente no Brasil, a União exerce uma concentração de poder - política e orçamentária – tamanha, que só restam aos estados e municípios reproduzir – com pouquíssimas variações – as diretrizes e orientações que emanam da capital federal.
Ainda que o Ministério da Educação procure vender uma imagem de gestão democrática, estimulando inúmeros grupos de trabalho, infindáveis fóruns e seminários em que presumivelmente chama a participação de todos, a política orçamentária gestada é que, verdadeiramente estabelece os limites, determina quem manda, estabelece os caminhos, as diretrizes, as estratégias e prioridades.
Neste contexto, o que tem ocorrido no sistema público de ensino médio e fundamental é de envergonhar. Uma tragédia descomunal: nossos adolescentes, desde muito cedo presentes nas salas de aula, não conseguem interpretar um texto básico, trivial, de português elementar.
Eis a descrição da face mais perversa do atual cenário:
• professores descontentes com os salários e as condições de trabalho;
• alunos satisfeitos com o “ensino” oferecido que pouco exige, muito pouco cobra e quase nada ensina;
• pais conformados por, ao menos no período em que os filhos estão nas escolas, contar que os pequenos permaneçam longe das ruas, distantes da violência explícita, da criminalidade e das drogas;
• o Estado desejando externar imagem de eficácia, “universalizando” o ensino, pretensamente “democratizando” as oportunidades e “viabilizando um caminho” para as futuras gerações.
Neste ambiente de grave crise institucional é difícil encontrar os responsáveis, ninguém se acredita culpado quando, na realidade todos o são. Os alunos que se conformam com a ociosidade improdutiva; os professores que fingem ensinar - enquanto o estado finge que remunera; os políticos e gestores públicos que preferem implementar políticas superficiais – maquiando problemas ao invés de resolvê-los; os pais e a sociedade – céticos e exaustos - sem forças para protestar, sair às ruas, pressionar, votar com consciência, participar de uma forma mais intensa e eficaz, ...
Periodicamente correm no Brasil eleições que mobilizam mais de cinco mil municípios. Milhares e milhares de candidatos disputam cargos de representação no parlamento e no executivo. Pelo menos nos processos eleitorais a sociedade se debruça sobre a discussão dos grandes temas de interesse nacional, de assuntos importantes para as localidades, de propostas de mudança. E por isto – as eleições - acabam se constituindo no melhor instante para iniciar a esterilização do estado nacional, jogando na lata de lixo os candidatos que se mostrem inadequados, incapazes, despreparados, irresponsáveis. Daí, dar prosseguimento a estratégia nas eleições seguintes até alcançar a situação ideal de colocarmos no executivo e legislativo, políticos que se conduzam pelos princípios da ética e eficácia, que cumpram o que nas campanhas se comprometeram.
Mas e no ínterim, no espaço entre as eleições? O tempo não pára, a vida continua e – dada a realidade nacional - urgentes providências precisam ser adotadas.
É preciso buscar no fundo da alma forças para intervir nesta realidade, procurando transformá-la. Ao menos torná-la suportável até que a sociedade consiga se reorganizar para as transformações de fundo.
É lá no lugar mais fundo do coração, onde o ceticismo e a descrença ainda não vergaram a esperança, que professores e educadores encontrarão forças para motivar seus alunos.
Ao trabalhar a formação dos futuros cidadãos, os educadores estão lidando com o que de mais nobre existe na natureza humana. Nossas crianças e adolescentes acalentam sonhos, expectativas, esperanças. E a materialização desses sonhos, em boa parte, dependerá do professor, o timoneiro desta embarcação que navega em águas revoltas. Por isto a margem de erros do professor é muito diminuta.
Em sala de aula acostumei fazer uma indagação aos alunos: qual a porcentagem de erro admissível para o médico que, acabando de retirar a criança do ventre materno, deixa-a escorregar, se estatelar no chão? De cada dez partos realizados, quanto é aceitável de bebês estatelados no chão por terem escorregado das mãos do médico?
Tanto para o médico como para o educador só existe uma única margem de erro admissível: zero.
A boa saúde de nossas crianças depende, em grande medida, dos médicos. Assim como a boa jornada de nossas crianças em direção a um futuro de realizações depende, em boa medida, dos professores.
O educador é a chave de todo o processo de transformação pessoal e social; e o professor do ensino médio e fundamental, peça estratégica.
O bom educador sabe o que quer, aonde e como chegar. Procura explicar com simplicidade, de forma convincente, criativa e encantadora.
Cada atividade pedagógica, antes de efetivamente aplicada em sala de aula, passa por amplas discussões, envolvendo mestre e alunos: “Nossa meta hoje é chegar até este ponto. Para isto pretendo conduzir o assunto da seguinte forma, utilizando a seguinte estratégia, metodologia e equipamentos. Ao final da aula todos devem ter assimilado isto. Vocês entenderam? Estão de acordo? Alguma sugestão para tornar a aula mais interessante?”.
É simples assim. Sem magia ou mistério. O diálogo entre professor e aluno – quando existente – estrutura compromissos confiáveis, solidários, por isto, perenes e mais, produtivos.
Outro ponto não menos importante é detalhar os objetivos, tornando-os plenamente alcançáveis. Não existe nada mais desestimulante que estabelecer metas e objetivos inalcançáveis. Os alunos devem estar convencidos que darão conta do recado, que o chapéu encontra-se ao alcance da mão, bastando para isto esforço e dedicação.
O detalhamento das metas e objetivos possibilita que o próprio aluno monitore sua performance, seu aprendizado, promovendo os ajustes que a realidade requer. Sobretudo para recuperar-se na parte em que encontra dificuldades.
E o fundamental: estabelecer fina sintonia entre o que é ensinado em sala de aula e o que ocorre fora da escola, na família, nas relações sociais, na comunidade. As aulas devem respirar no sentido de expressar situações concretas, vivenciadas pelo aluno na sua rotina cotidiana. As disciplinas devem ser apreendidas à luz da reflexão crítica que se faz das realidades presente, passada e futura. Desta forma, o aluno se sentirá estimulado a participar da vida escolar e comunitária, compreendendo o que o dia a dia apresenta de forma dissimulada e incompreensível. Na vida familiar e comunitária utilizará os ensinamentos apreendidos em sala de aula. E na escola utilizará os ensinamentos apreendidos na vida comunitária.
Quando via de mão única, a educação não passa de engabelação, de palavra vazia na boca de politiqueiros e oportunistas. Já quando via de mão dupla, a educação se reveste de eficácia e alavanca para a materialização de oportunidades.
Antônio Carlos dos Santos - criador da metodologia de planejamento estratégico Quasar K+, da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo, e da metodologia ThM-Theater Movement.