São muitos os desafios ao setor livreiro
neste início de século. Há questões que pesam mais ainda para o pequeno
empreendedor, como a tributação.
Todos os anos, nos levantamentos de dados sobre o setor,
se verifica a falta de livrarias na maior parte do País, com concentração nas
grandes cidades do centro-sul. Os pequenos empreendedores sofrem com a
concorrência de grandes grupos econômicos, na maior parte estrangeiros, que se
utilizam do poder financeiro aliado ao menor custo do comércio eletrônico para
ganhar terreno e fidelizar clientela.
E sempre se verifica também que são os pequenos e independentes empreendedores que garantem a oxigenação do setor com inovação e variedade de publicações.
O setor livreiro é estratégico para o País pois trata da geração e circulação de conhecimento. Tanto é verdade que o livro é protegido constitucionalmente com imunidade tributária na sua produção. É um mercado específico, com regras e funcionamento próprios, que não pode ficar sem regulamentação e aos caprichos de um mercado dominado por grandes grupos econômicos.
Não se pode comparar o livro a qualquer outra commoditie, pois é um bem específico, com mercado restrito e, por essa razão, com margens de lucro limitadas, principalmente ao pequeno empreendedor.
Cláudia Neves Nardon explica as dificuldades do livreiro:
‘As livrarias possuem custos elevados de instalação e manutenção, proporcionalmente, até maiores que os das editoras. Precisam estar localizadas em locais de visibilidade para que sejam encontradas pelos leitores. Esses pontos de vendas – ruas movimentadas, shoppings – têm alto custo. Além dos gastos com a instalação, o livreiro tem que assumir o risco da escolha de seu estoque, a incerteza de que os títulos selecionados encontrarão comprador. Quando o livreiro adquire seu estoque em consignação, o risco fica com o editor, mas, quando não, o financiamento dos estoques é fundamental, tendo em vista que o livreiro, se pagar pelos livros que exibe, tanto pode vendê-los rapidamente, realizar novas compras e beneficiar-se de um círculo virtuoso'.
A dificuldade que as livrarias encontram para se manter
como negócio viável tem aumentado muito com a chegada dos conglomerados e das
megalivrarias. Esse tipo de grande empresa, em razão das compras de substancial
volume que efetua, consegue um preço mais baixo das editoras, vantagem que é
repassada ao consumidor na forma de atraentes descontos. As condições e o menor
volume de compras e vendas das livrarias pequenas tornam impossível oferecer
aos consumidores as mesmas vantagens oferecidas pelas empresas de maior porte,
o que torna inviável a competição entre pequenas e grandes livrarias.
Há um movimento em curso, no Brasil, em favor do preço
fixo do livro – congelado por determinado período a partir do lançamento – como
forma de uniformizar as condições de vendas e permitir, assim, a sobrevivência
das pequenas empresas do ramo. Embora a supressão de descontos seja medida de
valor questionável quando se pensa em fomento ao consumo do livro, a política
de preço fixo de capa, adotada em diversos países, pode garantir a manutenção e
a criação de múltiplas livrarias pelo País, o que facilitaria sobremaneira a
distribuição dos livros e garantiria a diversidade bibliográfica.
Embora existam em número insuficiente, as livrarias ainda
são as maiores fornecedoras de livros para os interessados nesse tipo de
produto. Na pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, dos canais de comercialização
identificados, as livrarias foram as mais citadas como local onde os leitores
costumam comprar livros.2
A primeira referência que se tem ao livro na legislação é o art. 150, inciso VI, alínea d, da Constituição Federal, que estabelece a proibição de se instituir impostos sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à impressão.
A primeira referência que se tem ao livro na legislação é o art. 150, inciso VI, alínea d, da Constituição Federal, que estabelece a proibição de se instituir impostos sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à impressão.
Apesar de toda a evolução tecnológica, a internet e o livro eletrônico, a interpretação do dispositivo nos tribunais se limita ao entendimento de 25 anos atrás, quando da edição da Constituição Federal: a proteção da publicação e do papel para impressão dela. Como se vê abaixo, em alguns julgados recentes do Supremo Tribunal Federal, a discussão na jurisprudência se limita a isso:
A imunidade prevista no art. 150, inciso VI, alínea d, da Constituição Federal, abrange os filmes e papéis fotográficos necessários à publicação de jornais e periódicos. (Súmula nº 657.)
[...]. A imunidade tributária relativa a livros, jornais e periódicos é ampla, total, apanhando produto, maquinário e insumos. A referência, no preceito, a papel é exemplificativa, e não exaustiva. (RE nº 202.149-RS, Primeira Turma, Rel. Min. Menezes Direito, Rel. p/ acórdão Min. MARCO AURÉLIO, DJe 11.10.11.) Em sentido contrário: RE nº 324.600 AgR-SP, Primeira Turma, Rel.ª Min.ª Ellen Gracie, DJ 25.10.02. Vide: RE nº 178.863-SP, Segunda Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 30.05.97.
A imunidade tributária prevista no art. 150, inciso VI, alínea d, da Constituição Federal não abrange os serviços prestados por empresas que fazem a distribuição, o transporte ou a entrega de livros, jornais, periódicos e do papel destinado a sua impressão. Precedentes. O STF possui entendimento no sentido de que a imunidade em discussão deve ser interpretada restritivamente. (RE nº 530.121 AgR-PR, Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 29.03.11.) No mesmo sentido: RE nº 630.462 AgR-PR, Segunda Turma, Rel. Min. Ayres Britto, DJe 07.03.12; e RE nº 206.774-RS, Primeira Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 29.10.99.
Além da Constituição Federal, a única norma que trata do livro é a Lei nº 10.753/03, que dispõe sobre a Política Nacional do Livro. Não há mais nenhuma legislação que regulamente o setor.
Determina a Lei nº 10.753/03:
Art. 1º Esta Lei institui a Política Nacional do Livro, mediante as seguintes diretrizes:
I – assegurar ao cidadão o pleno exercício do direito de acesso e uso do livro;
II – o livro é o meio principal e insubstituível da difusão da cultura e transmissão do conhecimento, do fomento à pesquisa social e científica, da conservação do patrimônio nacional, da transformação e aperfeiçoamento social e da melhoria da qualidade de vida;
III – fomentar e apoiar a produção, a edição, a difusão, a distribuição e a comercialização do livro;
IV – estimular a produção intelectual dos escritores e autores brasileiros, tanto de obras científicas como culturais;
V – promover e incentivar o hábito da leitura;
VI – propiciar os meios para fazer do Brasil um grande centro editorial;
VII – competir no mercado internacional de livros, ampliando a exportação de livros nacionais;
VIII – apoiar a livre circulação do livro no País;
IX – capacitar a população para o uso do livro como fator fundamental para seu progresso econômico, político, social e promover a justa distribuição do saber e da renda;
X – instalar e ampliar no País livrarias, bibliotecas e pontos de venda de livro;
XI – propiciar aos autores, editores, distribuidores e livreiros as condições necessárias ao cumprimento do disposto nesta Lei;
XII – assegurar às pessoas com deficiência visual o acesso à leitura.
[...].
Art. 7º O Poder Executivo estabelecerá formas de financiamento para as editoras e para o sistema de distribuição de livro, por meio de criação de linhas de crédito específicas.
Parágrafo único. Cabe, ainda, ao Poder Executivo implementar programas anuais para manutenção e atualização do acervo de bibliotecas públicas, universitárias e escolares, incluídas obras em Sistema Braille.
Art. 8º As pessoas jurídicas que exerçam as atividades descritas nos incisos II a IV do art. 5º poderão constituir provisão para perda de estoques, calculada no último dia de cada período de apuração do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido, correspondente a 1/3 (um terço) do valor do estoque existente naquela data, na forma que dispuser o regulamento, inclusive em relação ao tratamento contábil e fiscal a ser dispensado às reversões dessa provisão. (Redação dada pela Lei nº 10.833/03.)
Art. 9º A provisão referida no art. 8º será dedutível para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido. (Redação dada pela Lei nº 10.833/03.)
[…].
Art. 16. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios consignarão, em seus respectivos orçamentos, verbas às bibliotecas para sua manutenção e aquisição de livros.
Como se vê, esta é uma Lei ignorada. Nem União, Estados e Municípios cumprem o que está disposto nela. Como se fomenta o desenvolvimento do setor? Com incentivo e desoneração. Não é o que ocorre. Bibliotecas são abandonadas e não há qualquer incentivo para o setor.
No caso de microempresa que participa do Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Simples Nacional), o qual é definido pela Lei Complementar nº 123/06, dispõe a norma, em seu art. 13, que o Simples Nacional implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições: Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ); Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); Contribuição para o PIS/Pasep; Contribuição Patronal Previdenciária (CPP); Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal de Comunicação (ICMS) e Imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS). E esse recolhimento não exclui a incidência de impostos ou contribuições devidos na qualidade de contribuinte ou responsável tributário. Determina ainda, o art. 18 da Lei Complementar nº 123/06, que o valor devido pela microempresa e empresa de pequeno porte comercial é calculado nos termos do Anexo I, tendo como base de cálculo a receita bruta dos doze meses anteriores à apuração.
Os arts. 8º e 9º da Lei nº 10.753/03 trazem um benefício tributário que permite a dedução com perda de estoque na determinação do lucro real e na base de cálculo da CSLL. De que adianta tal benefício se, pelo Simples Nacional, a alíquota é fixa?
O problema do Simples Nacional é equiparar um setor específico, como o livreiro, ao comércio comum. Vender livros não é o mesmo que vender roupas, sapatos, alimentos. E mesmo um sistema simplificado de tributação ainda onera excessivamente o pequeno empreendedor, por se tratar de um mercado restrito e com pouca margem de lucro e negociação.
Outro ponto importante que deve ser pensado é a importância da livraria no espaço urbano. Como um ponto de cultura, de circulação do conhecimento, a livraria valoriza o espaço público, tornando-se lugar de convivência e evitando a degradação e decadência da área em que se encontra. É um serviço ambiental fundamental para a cidade. É um exemplo de propriedade que realiza sua função social, como determina a Constituição, colaborando assim com o direito à cidade sustentável, conforme dispõe o art. 2º do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01).
Esse quadro só pode melhorar com uma efetiva mudança na legislação, sendo pensada uma tributação que respeite as especificidades do setor, e também uma Política Nacional do Livro que saia do papel, com fomento e apoio da produção à comercialização.
Importante lembrar que a Constituição Federal estabelece em, seu art. 1º, como fundamento da República Federativa do Brasil, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, sendo livre o exercício de qualquer trabalho, conforme determina o art. 5º, inciso XIII. Quando a tributação inviabiliza a atividade, ela tem efeito de confisco, o que é proibido pelo art. 150, inciso IV, do texto constitucional.
É necessária a mudança da legislação federal, para que
seja elaborada uma lei tributária adequada e específica para o setor. Não pode
o livro ficar agrupado ao comércio comum. Importante também que se cumpra
efetivamente a Política Nacional do Livro, regulamentando-se o que determina a
Lei, com apoio e fomento da produção à comercialização do livro.
As diretrizes da Política Nacional do Livro obrigam o
Poder Público. União, Estados, Distrito Federal e Municípios devem cumprir a
Lei, realizando as mudanças na legislação que se fizerem necessárias. Medidas
que poderiam ser implementadas, por exemplo, é dar preferência aos fornecedores
locais na aquisição de livros para manutenção das bibliotecas municipais, a
redução de impostos (ISS e IPTU), ou ainda o pagamento pelo serviço ambiental
prestado, como forma de fomento e apoio à atividade.
NOTAS
2 NARDON, Cláudia Neves. O preço do livro no Brasil. Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados, 2010. Disponível em: <http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/6824/preco_livro_nardon.pdf>. Acesso em: 13.08.13.
Por Marcelo de Luca Marzochi Advogado e Especialista em Direito Público pela Universidade de Taubaté (UNITAU)
NOTAS
2 NARDON, Cláudia Neves. O preço do livro no Brasil. Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados, 2010. Disponível em: <http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/6824/preco_livro_nardon.pdf>. Acesso em: 13.08.13.
Por Marcelo de Luca Marzochi Advogado e Especialista em Direito Público pela Universidade de Taubaté (UNITAU)
Publicado originalmente na revista Consulex
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