quarta-feira, 30 de março de 2016

Zumbi dos Palmares



“Em Gravatá, número 44, se vendem dois negrinhos muito bonitos e sem defeitos, a fêmea com 10 anos e o macho com 9”.
Anúncio publicado no Jornal da Bahia do dia 09 de abril de 1858.



Zumbi
Deus da guerra
Fantasma imortal
Morto vivo
Guerreiro forjado no caldo denso da valentia e da coragem
Palma da mão, palma do coração, palmeiras, Palmares
Santa terra sagrada a demolir o que se faz opressão
Terra, monte, morro, serra
Serra da Barriga... ei-la... bela e majestosa se insinuando dentre a neblina, qual quilha abrindo uma fresta no céu
Ornamento que Deus esculpiu para dar guarida aos sonhos da pátria liberta
Morro dos Macacos
Quilombo
Quilombo dos Palmares
Qual teia que reúne peixes, uma rede de povoados... quatorze
Quantos quilômetros quadrados de vida cheia de luz, mulher? 27 mil
E anjos libertos, brasileiros que se fizeram livres, negros forjados na fornalha da luta mais justa e sagrada, quantos são? 20 mil
Centenário, um século de paraíso, cem anos na serra idílica
Resistindo uma, duas, quinze vezes
Até que o demônio se fez Domingos Jorge Velho
Para laçar e acorrentar os sonhos
Para laçar e humilhar as vidas
Para laçar e eliminar Palmares
Quiseram edificar um pântano sombrio onde vicejava plena e intensa vida
Mas qual?! para desespero dos que cultuam a morte e enamoram as trevas
Zumbi e Palmares cintilam na alma de cada brasileiro que nasce
E assim será para todo o sempre
Amém.

"Determinei que pusessem sua cabeça em um poste no lugar mais público desta praça, para satisfazer os ofendidos e justamente queixosos e atemorizar os negros que supersticiosamente julgavam Zumbi um imortal, para que entendessem que esta empresa acabava de todo com os Palmares."

Caetano de Melo e Castro, governador de Pernambuco, em carta enviada ao Rei.




O Quilombo dos Palmares

Para os negros do período da escravidão não havia muitas opções. Ou trabalhavam tendo o pelourinho sempre ao alcance da vista, ou embrenhavam-se nas matas, procurando os lugares mais ermos e inóspitos, onde o capitão-do-mato não pudesse alcançar.

No ano de 1597, 40 escravos de um engenho localizado em Pernambuco escolheram a segunda opção e caíram na mata densa em busca da liberdade. Romperam os grilhões e resgataram o domínio sobre suas vidas, sobre suas vontades. E fundaram um minúsculo povoado que denominaram Quilombo dos Palmares.

De boca em boca, a boa nova ganhou o mundo. De todos os engenhos, de todos os rincões, acorriam negros e a fama do lugar começou a se espalhar, tomar corpo, ganhar distantes regiões. O pequeno lugarejo foi crescendo, crescendo e logo se tornou uma grande cidade, a maior comunidade de negros fugitivos das Américas.

Todos os que sonhavam com uma vida liberta, longe do açoite e das vergastas miravam o objetivo de fugir para a nova terra-santa, a pequena mãe África encravada no sertão do Brasil, batizada Quilombo dos Palmares.

E não eram somente negros escravos que para lá fugiam. Também os índios e brancos foragidos acorriam em massa para o quilombo, formando os mocambos que se estruturavam como vilas urbanas.


Mocambo – refúgio, geralmente em mata, de escravos foragidos; quilombo.

Quilombo – local escondido, geralmente na mata, onde se abrigavam escravos fugidos. Povoação fortificada de negros fugidos do cativeiro, dotada de divisões e organização interna¹.



Como o Quilombo ganhava enorme dimensão, impôs-se a necessidade de estabelecer mecanismos de organização política e social. Para isto escolheram na Serra da Barriga – antiga capitania de Pernambuco – o mocambo do macaco, e lá estabeleceram a sede administrativa do povo quilombola.

Para comandar esta cidade que emergia em plena mata fechada, cingida de sonhos libertários, cidadania e esperança, escolheram um negro chamado Ganga Zumba (aqui) que acabou se constituindo no primeiro rei do Quilombo dos Palmares.

Com a morte do rei negro – ocorrida em 1680 – o governador passa a assediar Zumbi, tentando firmar novo acordo e paz. Mas Zumbi segue em frente, organizando o Quilombo e ignorando as tentativas da coroa.

Já na gestão do governo de João de Souza uma nova proposta – composta de 17 artigos - é elaborada. Um dos artigos assegurava que “... seriam considerados livres todos os negros e mulatos (...) que tivessem respeitado o acordo de 1678 e que não tinham se rebelado depois disso ...''. Mas esta proposta jamais chegou às mãos de Zumbi.

Nas expedições que a coroa portuguesa enviava para combater os quilombos, a palavra de ordem era promover o terror, o mais absoluto terror como estratégia para impedir novos levantes e fugas de escravos.

O Quilombo dos Palmares passou por diversas expedições de aniquilação. Em uma delas, poucos anos após a sua fundação, uma expedição bandeirante trucidou diversos quilombolas, inclusive degolando mulheres e crianças. Pouparam, contudo, um dos recém-nascidos entregando-o de presente a Antônio Melo, um padre da vila de Recife.



O menino Francisco

O padre batizou o menino com o nome de Francisco. E assumiu o papel de criar e educá-lo. Logo o pequeno Francisco aprendeu a ler e escrever, recebendo inclusive lições rudimentares de Latim. O padre Antônio Melo não se esquecia da educação religiosa e completados doze anos, fez do menino, o coroinha da igreja.

Toda aquela situação era observada com desconfiança pela população. É que o pároco se esmerava em educar o pequeno, tratando-o mais como um filho que como cativo.

Se por um lado Francisco aprendia com o pai adotivo noções de justiça e solidariedade, por outro, observava as agruras de seus irmãos de cor, permanentemente humilhados e tratados como seres inferiores, recebendo pior tratamento que o destinado aos animais domésticos.

Protegido pela peculiar situação pessoal, Francisco sofria com a cruel realidade, por demais injusta e trágica. Então, mal completou os quinze anos de idade, fugiu, se embrenhando na mata em busca de suas origens, da pequenina África, do quilombo que se fez Palmares.

Cerca de 132 quilômetros era a distância que separava a cidade do paraíso idílico. Foi a distância que Francisco teve de percorrer para chegar ao destino desejado, a Serra da Barriga.

O guerreiro

Na época, todos que lá chegavam recebiam um nome e uma família. Francisco foi batizado e recebeu o nome de Zumbi, deus da guerra, fantasma imortal.

A rigorosa educação recebida o colocava em situação privilegiada, dado a inteligência desenvolvida nas ininterruptas horas de estudos. Ao predicado juntou coragem e bravura, criando o caráter, a personalidade que o conduziu ao cargo de general de armas do quilombo, um cargo dos mais importantes na hierarquia militar, similar ao de Ministro da Defesa no Brasil atual.

Assim, quando o rei Ganga Zumba caiu morto, o posto foi naturalmente ocupado por Zumbi.

Sob o novo comando, Quilombo dos Palmares se constituiu numa rede de povoados com 27 mil quilômetros de extensão e 20 mil habitantes.

No ano de 1694 a expedição comandada pelo bandeirante Domingos Jorge Velho foi fulminante, implacável. E a ilíada foi exterminada. Zumbi não teve alternativa senão fugir com um grupo de guerreiros para a Serra de Dois Irmãos.

Traído por um de seus principais comandantes, Antônio Soares, Zumbi foi capturado no dia 20 de novembro de 1695, para logo em seguida ser brutalmente torturado. Nos momentos derradeiros purgou todo o tipo de suplícios e humilhações. Decapitado, teve a cabeça salgada e pendurada na Praça do Carmo, em Recife, onde ficou exposta até a decomposição final.


(...)Nei Lopes registra que “em quimbundo, a raiz nzumb se liga à idéia de imortalidade (...)¹

E assim a história tem reconhecido a epopéia do rei libertário, do guerreiro negro. Sua saga heróica o tornou imortal, confirmando os bons fluídos e as premonições dos que o batizaram Zumbi, o brasileiro que ajudou a esculpir a alma nacional.


¹ HOUAISS, Antônio. Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Objetiva, 2.004

Antônio Carlos dos Santos - criador da metodologia de planejamento estratégico Quasar K+, da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo, e da metodologia ThM-Theater Movement. 

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