Coordenada pelo controverso escritor e professor de Filosofia Luiz Felipe Pondé, a coleção Biblioteca Crítica Social, lançada pela É Editora, é uma iniciativa rara nos dias de hoje. Num momento em que o meio acadêmico brasileiro parece confinado ao cercadinho ideológico da esquerda em seus diferentes matizes, apresenta-se ao leitor brasileiro a obra de cinco importantes (mas quase desconhecidos no Brasil) pensadores conservadores do século 20, em volumes que combinam perfil biográfico, panorama crítico da obra e análise detalhada de um livro em particular. Cada volume é assinado por um especialista brasileiro, que também faz indicações de leituras complementares.
Em “Russell Kirk – O peregrino na terra desolada” (144 pgs. R$ 25,90), o historiador Alex Catharino, pesquisador residente no Russell Kirk Center for Cultural Renewal, mostra como o autor de “O pensamento conservador” se dedicou à difícil tarefa de integrar diferentes disciplinas humanísticas em um mesmo corpus teórico, combinando as “ferramentas perdidas do aprendizado" da Literatura, da História, da Filosofia e da Teologia. Convencido de que é possível resgatar a “compreensão das coisas permanentes”, que tornam a vida digna de ser vivida mesmo numa era de incerteza, Kirk fundava o conceito de sociedade em uma espécie de contrato entre os vivos e os mortos (e aqueles que ainda vão nascer), afirmando a necessidade de estabelecer pontes entre as tradições do passado e os projetos de futuro. Catharino incorpora em sua análise diversos elementos da obra do poeta T.S.Eliot, objeto de um consagrado ensaio de Russell Kirk, “Eliot and his Age: T.S.Eliot's Moral Imagination in the Twentieth Century” (1972).
O historiador e mestre em Ciências da Religião Mauricio Righi escreve um competente perfil de um dos mais provocadores pensadores da atualidade em “Theodore Dalrymple – A ruína mental dos novos bárbaros”. Psiquiatra britânico com uma longa carreira clínica atendendo às classes mais desassistidas da Inglaterra (e também de países como a Tanzânia e o Zimbabwe), Dalrymple se transformou em um crítico radical da cultura contemporânea e do “mundo moral em ruínas” em que vivemos hoje, atribuindo à erosão dos valores os problemas mais graves da sociedade, da criminalidade ao consumo de drogas, da violência doméstica ao esfacelamento da família. Na contracorrente do pensamento hegemônico que associa a criminalidade à pobreza, ele argumenta que decência e dignidade não são privilégios de classe. Diversos livros seus foram lançados recentemente no Brasil pela mesma editora, incluindo “A vida na sarjeta”, “Nossa cultura... Ou o que restou dela” e “Podres de mimados”.
Em “Leo Strauss – Uma introdução à sua filosofia política” (126 pgs. R$ 23,90), Talyta Carvalho, autora de “Fé e razão na Renascença”, desenvolve a tese straussiana de que, a partir de Maquiavel, a filosofia se torna cada vez mais “positiva” e menos “prescritiva”, isto é, passa a falar mais de como os homens efetivamente vivem, e menos de como deveriam viver. Dessa maneira, a filosofia se limita cada vez mais ao papel de uma "descrição" do mundo político, deixando de lado o empenho de conceber um modelo de como esse mundo deveria funcionar. Talyta investiga em profundidade o livro de Strauss “Reflexões sobre Maquiavel”, que revelou aspectos originais do pensamento do filósofo italiano.
José Luiz Bueno assina “Gertrude Himmelfarb – Modernidade, Iluminismo e as virtudes sociais” (112 pgs, R$ 23,90), que discute a obra da historiadora da moral moderna e contemporânea. Detendo-se particularmente na análise de “Os caminhos para a modernidade”, o livro discute as características específicas dos três tipos distintos de Iluminismo que influenciaram a Grã-Bretanha, os Estados Unidos e a França. Segundo a pensadora, os britânicos foram mestres na "sociologia das virtudes", procurando entender como se constroem vidas pautadas pelo cuidado com a família e com os vínculos afetivos e sociais, num contexto religioso ou secular. Já os franceses adotaram a "ideologia da razão", que reduz a vida reduzida ao elemento abstrato racional em detrimento da tradição, das crenças religiosas e das angústias morais ou econômicas. Por sua vez, coube aos americanos produzir uma reflexão ainda em curso sobre as formas de produção de uma sociedade pautada pela “política da liberdade”.
Por fim, em “Thomas Sowell – Da obrigação moral de ser cético” (104 pgs. R$ 19,90), o historiador Fernando Amed apresenta a trajetória de um intelectual empenhado em investigar as visões filosóficas que formaram boa parte do debate moral, político, econômico e psicológico no Ocidente. No ensaio “Conflito de Visões”, Sowell enfatizou a importância de se entender o homem como agente autônomo em processo de auto-superação permanente, enfrentando contradições e conflitos na busca da harmonia consigo mesmo e com seu semelhante.
Por por Luciano Trigo, no portal G1