Um interno da Fundação CASA é finalista
de um concurso nacional de poesia
Sonhar com o prêmio, diz o adolescente de 17 anos,
mudou a sua vida
Por María Martín, no El País
O adolescente é
finalista da Olimpíada de Língua Portuguesa. / M. Martín
O tema escolhido este ano para o concurso nacional de poesia da Olimpíadade Língua Portuguesa foi “O lugar onde vivo”. Entre os quase 54.000
poemas recebidos, chegou à final o de um garoto de 17 anos, preso pela terceira
vez por tráfico de drogas na Fundação CASA, como são
chamados de forma amigável os centros de internação para menores infratores em
São Paulo. O lugar onde ele vive é formado por quatro celas, um banheiro
dividido entre 30 internos, um refeitório e duas salas de aula com vista para
uma pista esportiva.
Os muros com arame farpado não deixam ver nada do que está do
lado de fora. O jovem, que tem dois filhos gêmeos de um ano, aos quais só
conseguiu ver duas vezes, intitulou seu poema de “Vida em Transição”.
A semifinal em Belo Horizonte, de onde saíram 38 finalistas,
levou o menino pela primeira vez para fora de São Paulo com sua professora e um
agente de segurança. Nunca havia entrado em um avião – “como é grande, né?”,
disse ao vê-lo de perto –, nem sabia o que era se hospedar em um hotel. “Estava
com medo porque pensei que iam me tratar mal, eu era o diferente, há muito
preconceito. Mas fiz amigos e vi pessoas que não conhecia chorando pela minha
vitória. Nunca havia tido essa experiência de gente apostando pelo bem dos
outros. Essa viagem mudou minha vida, me fez ver que, apesar de estar onde
estou e o que fiz, há outras vidas que eu também posso viver”, conta na sala de
aula onde estuda das 7h30 às 12h. O concurso premiou os finalistas com uma
tablet, um computador e um vale de 300 reais em livros. Ele gastou o dinheiro
em vários contos infantis, mas também em JoséSaramago e Agatha Christie.
Alguns dados da
Fundação CASA
- 10.203 jovens estão internados hoje nos 149 centros da Fundação CASA. 95,36% deles são homens
- 31,8% dos internos são brancos. O maior porcentual é de pardos (53,8%). Os pretos são 13,9%
- O crime mais comum dos internos é roubo qualificado (43,44%), seguido de tráfico de drogas (37,57%).
- Uma minoria foi detida por crimes mais graves. Assim, o latrocínio – roubo seguido de morte – representa 0,79% do total. Os homicídios somam 1,44% de internos e o estupro 0,76%.
- A reincidência nestes centros é hoje de 13,5%. Em 2006 era de 29%.
Fonte:
Fundação CASA
A primeira vez que 'Luan Santana', apelido que foi dado pelo
diretor do centro, pisou na instituição tinha 13 anos e foi preso pelo mesmo delito que faz com que 37,5% dos
10.000 menores internos ingressem nestes centros em São Paulo. “Me
pegaram na viela da minha casa com dinheiro e disseram que era do tráfico de
drogas”, afirma. Entre idas e vindas, Luan passou preso mais de dois anos de
sua vida.
Hoje, depois de 12 meses na instituição, espera que o juiz lhe
conceda a liberdade pela última vez. Segundo o centro, está pronto para se
integrar de novo a sociedade e ele não tem dúvidas: “Este não é um lugar
apropriado para ninguém. Eu vou mudar minha vida. Antes nem pisava na escola,
hoje quero ir à universidade. Com tudo isto, descobri um potencial que tinha
escondido.” Na 5ª série, Luan está seis anos atrasado nos estudos. “Faltava
tanto que repeti muitas vezes, mas o empenho é a base de tudo. Vou chegar.
Agora tenho que ser o exemplo para meus filhos”, se anima.
Luan sabe que só a intenção de querer mudar seus passos não será
suficiente. “Uma boa parte dos rapazes que saem daqui com planos de mudança,
emprego e família, acaba voltando a delinquir ao se reencontrar com suas
antigas amizades”, explica o diretor do Centro, Christian Lopes de Oliveira.
“Quero voltar ao meu bairro, mas não quero mais viver ali.
Pretendo sair, fazer novos amigos para ter uma vida diferente”, diz Luan sem
afastar os olhos da conversa. “Estou vendo muito o sofrimento da minha família
e dos meus filhos.” Luan, filho menor de quatro irmãos, vê pouco seus filhos
gêmeos e sua mulher, aos que prefere manter longe dali.
“Independente do ato que cometi, minha família não merece isto.
Preferi que ela não viesse me ver aqui e tenho que aprender a lidar com isso.”
De seu pai, com quem morava, sabe pouco, tirando seus problemas
com álcool. “Viver com ele fez com que despertasse desde cedo algo em mim:
tentar ser independente.” Assim, com 10 anos, começou sua prematura carreira de
trabalho em trabalho: em uma oficina de motos, de carros, em uma empresa de
produtos de limpeza e, no final, na rua. “O bom de estar aqui é que consegui
dar a volta para acima. Por fim entendi que não quero mais isto para mim, quero
é estar perto da minha família.”
Na semifinal de Belo Horizonte, disse, sentiu-se estranho por
estar rodeado de tantas crianças, pois o concurso tem como foco meninos entre
10 e 11 anos.
“Era esquisito no começo, porque eu era o mais velho de todos.
Achava que não ia me enturmar, que não seria capaz de demonstrar minha
capacidade, mas voltei a ser criança. Até os meninos que não ganharam se
alegraram por mim, me disseram que eu merecia.”
A final da Olimpíada será em Brasília no próximo dia 1º de
dezembro. Sua mãe, uma auxiliar de limpeza desempregada que hoje chora de
orgulho, viajará com ele pela primeira vez. O juiz deve decidir se podem ir
sozinhos ou acompanhados de um agente da instituição. “A liberdade é tudo,
senhora.”
Depois de deixar um caderno alguns minutos em suas mãos, Luan o
devolve com uma palavra escrita no meio de uma página em branco: “saudade”.
Vida em transição
Viver na
Fundação não é bom
Bom é ser
livre em toda situação
Mas tenho
minha opinião
Sobre esse
período de transição
Que muitos
dizem ser prisão
Nesse
lugar, maldade…
Que ao
mesmo tempo é saudade
Por estar
privado de liberdade
Mas tem um
lado positivo
Nessa
realidade
Estou me
reabilitando para a sociedade
Acordo e
vejo grades
Meu peito
dói de verdade
Só quem
passou
Por isso
sabe
De todas
as realidades
E
crueldades…
A maior
necessidade
É a
Liberdade!
Aqui
lições de vida transmitem
Muitas
coisas boas
Reconhecimento
como pessoa
Que errar
é humano
Mas
aprender é a melhor coisa
Atrás
desses momentos tem algo impressionante
Hoje me
tornei um estudante
Descobri
que sou inteligente
Produzi
este poema e me sinto importante