Polêmico desde a capa, lançamento da banda evoca tempos passados. Disco foi composto a partir de material gravado há 20 anos por Nick Mason, David Gilmour e Rick Wright. Dissidente Roger Waters se distancia da obra.
Da Deutsche Welle
Um jovem de camisa branca esvoaçante rema em direção ao crepúsculo – sobre as nuvens. Assim é a capa do novo álbum duplo da banda Pink Floyd, The Endless River, que já deu motivos para as primeiras opiniões desfavoráveis.
Horrorizados, fãs e críticos se perguntaram o que é que tinham posto no chá do artista gráfico, e onde teria ido parar o genial design dos discos antigos. Com uma capa kitsch assim, era grande a apreensão sobre o conteúdo acústico do lançamento.
Antes, houvera a chance de uma sneak preview, uma amostra de magros 30 segundos na plataforma YouTube. Ao escutá-la, logo se pensava: "Parece uma faixa que não coube em The Dark Side of the Moon." A impressão de um outtake, uma "cena cortada", do icônico álbum de 1973 é forte.
De fato: The Endless River foi composto a partir de fragmentos musicais de tempos idos. Mais precisamente, são restos das sessões de gravação para o último álbum de estúdio do conjunto inglês, The Division Bell, de 1994.
"Escutamos 20 horas de material que tocamos juntos", conta o guitarrista David Gilmour. "Muitos desses momentos são tão bonitos, tão mágicos, que os utilizamos agora. É claro que demos um realce com a técnica de estúdio moderna. Depois adicionamos mais umas partes [instrumentais ou vocais], para criar um álbum do Pink Floyd que tem os dois pés no século 21."
Além de David Gilmour, participaram das sessões, na época, o baterista Nick Mason e o tecladista Rick Wright, morto em 2008. O quarto membro fundador do Pink Floyd, o baixista Roger Waters, estava irreconciliavelmente brigado com os demais e abandonara a banda já em 1985. Como não participou das gravações de The Division Bell, também não está no disco atual.
A ira de Roger Waters
No entanto, The Endless River não pretende ser apenas uma espécie de reciclagem de sons passados, mas também uma homenagem ao falecido Rick Wright, uma recordação dos velhos tempos e a despedida definitiva da banda da cena musical.
Não seria este o momento perfeito para os músicos ainda vivos se reunirem? Para Roger Waters, a pergunta em si é motivo para se alterar seriamente. A mera suposição de alguns fãs e da mídia de que ele participaria irritou-o de tal forma que ele acabou desabafando em sua página no Facebook.
"Quê?! Eu não fiz álbum nenhum. David Gilmour e Nick Mason não fizeram álbum nenhum. David e Nick constituem o grupo Pink Floyd. Mas eu não faço parte do Pink Floyd. Eu não tive nada a ver com os álbuns A momentary lapse of reason e The Division Bell. E não tenho nada a ver com The Endless River."
Velhos ressentimentos
Ao que tudo indica, o velho rancor não se dissipou até hoje. Roger Waters, o antigo mentor da banda, coautor de The Dark Side of the Moon, um dos discos mais vendidos e aclamados de todos os tempos, chegou à conclusão de que o Pink Floyd já dera o que tinha que dar e saiu do grupo. Só para presenciar como ele continuava a ter sucesso.
O resultado foram anos de disputa pelo nome do grupo e pelos direitos autorais das canções. Por fim, o Pink Floyd obteve permissão para continuar tocando as composições de Roger Waters. Este, em compensação, trilhou seu próprio caminho, e, em 1990, brilhou com o megashow The Wall, na Potsdamer Platz de Berlim. Entre os participantes, estavam Bryan Adams, Cindy Lauper, Joni Mitchell. De Gilmour, Wright ou Mason, nem sinal.
Hoje, o baterista Nick Mason contempla o arranca-rabo com uma certa sabedoria da maturidade. Em entrevista ao jornal alemão Die Welt, revelou que ele e Roger Waters voltaram a se falar há muito tempo – afinal, o baixista dissidente é, de longe, seu mais velho amigo.
Ainda assim, não houve clima para convocá-lo para as gravações de The Endless River. "Mas ele ainda é ultraimportante para mim. Pessoalmente, eu até teria adorado se ele estivesse junto." Nesse ponto, David Gilmour é mais rígido, e rechaçou terminantemente a possibilidade de retomar a colaboração com Roger Waters.
Mais alto do que as palavras
E agora aí está o novo álbum duplo. Na Amazon, as vendas antecipadas já o colocaram no primeiro lugar entre os best-sellers. Todas as faixas mostram correspondências entre si. Só uma é cantada, todas as outras são puramente instrumentais.
Sem dúvida, é uma delícia para os fãs mais obstinados, que têm saudades do velho Pink Floyd sound. Tem-se a impressão de ouvir algo de Wish you were here, mais adiante Echoes, depois um pouquinho de Us and them. Grande parte das faixas é sustentada por longos e elegíacos solos – assim como o homem da capa é carregado pelas nuvens.
O polêmico motivo visual deixa bastante espaço para interpretações. Será esse realmente o derradeiro álbum da envelhecida banda cult, ou uma continuação ainda estará por vir?
Enquanto Nick Mason não se mostra tão avesso à ideia da continuidade (pelo menos lança um álbum solo em 2015), para David Gilmour, o disco marca mesmo o fim definitivo da banda Pink Floyd. Na última faixa, Louder than words, a única cantada, ele coloca um ponto final realmente filosófico: "Nós brigamos e lutamos, mas isto que fazemos aqui soa mais alto do que as palavras".
E assim, também é possível ver a capa como um símbolo para os dois últimos amigos do Pink Floyd, que, com sua nova música do passado, galopam em direção ao pôr do sol, como num filme de faroeste. The end.