Embora o encanto dos filmes da casa nos faça lembrar de contos clássicos, são os números que nos seduzem subliminarmente
Por Carlos Carabaña, no El País
Se pensamos nos magos da Pixar, talvez imaginemos seus inesgotáveis diretores ou a magia que tiram de atores bastante conhecidos. Ou os roteiristas que elaboraram essas fábulas ilusoriamente simples que parecem parar o tempo; está aí a trilogia de Toy Story como prova. Ou inclusive os designers que conseguiram que um velho intratável como o Up: Altas Aventuras termine parecendo simpático, que o monte de metal sem capacidade de falar de Wall-E emocionasse como se tivesse sido parido pelo E.T. Mas poucas pessoas pensam nos matemáticos.
Na realidade, o verdadeiro segredo dessa magia aparentemente intangível da casa não está na arte, mas na ciência. Sem a matemática pura e dura, muitas das histórias não teriam sido contadas como as conhecemos agora. Um novo vídeo, protagonizado pelo físico-chefe na Pixar, Tony DeRose, no portal matemático Numberphile, revela tudo isso. A chave não está nos uns e zeros dos computadores da empresa, mas na geometria. Nas milhões de diminutas formas que, graças à arte de DeRose, se escondem sob a pele dos personagens e que são o que lhes dá personalidade.
Para entender isso basta ver o vídeo no minuto 1:30: DeRose converte um losango em uma superfície suave. No minuto 2:45 mostra o mesmo processo em 3D e no 3:17, o uso que ele tem no cinema. Se o processo parece excessivamente simples – o próprio apresentador diz isso –, podem passar à explicação que começa no minuto cinco com todos os números. Tudo obedece a um sentido estético cimentado nos números que ditam as proporções de cada forma microscópica.
Se não conseguiram ver o vídeo, DeRose explica sua técnica com um losango. Seu método cria pontos médios nas arestas do polígono e depois desloca todos os pontos até a metade da distância do ponto vizinho convertendo o losango em um hexágono irregular. Repete este processo quantas vezes achar necessário até conseguir a suavidade que está procurando, deixando a forma cada vez mais semelhante a um círculo. Isto é o que faz, com maior complexidade, com os modelos em três dimensões que criam os animadores até lhes dar o aspecto desejado.
Do departamento de matemática da Pixar saem a cada ano numerosos artigos sobre animação com nomes tão sugestivos como Simulação artística do cabelo encaracolado, que explica a criação do motor gráfico que anima o cabelo da protagonista Merida, de Brave
E por que tudo isto é tão especial? Tony DeRose, formado em Física e com doutorado em Ciência Computacional pela universidade da Califórnia, é uma das mentes matemáticas mais respeitadas da Pixar. Tem dezenas de artigos científicos em seu currículo. Professor de 1986 a 1995 na universidade de Washington, seus escritos tocam sempre no mesmo tema, o campo dos gráficos gerados por computador. Não é casualidade que, depois de deixar a academia, tenha se unido à divisão das mentes matemáticas da Pixar, onde sua primeira grande contribuição lhe valeu um Oscar com O Jogo de Geri (Geri's Game), um curta-metragem de um ancião que vence a si mesmo no xadrez.
E a técnica que ele explica – claro, no edifício batizado com o nome do benfeitor econômico da empresa, Steve Jobs –, é a que lhe deu fama, reunida em um texto com o título Subdivision Surfaces in Character Animation. O texto é um clássico na área e tem sua origem no momento em que DeRose chegou ao mundo da animação: a forma mais habitual de modelar superfícies complexas e suaves era usando NURBS, um modelo matemático que calcula superfícies curvas a partir de polígonos.
Mas, conforme explica o artigo do DeRose, esse modelo apresentava alguns problemas. Era caro, tendia a apresentar falhas nas cifras e, ao animá-los, aquela suavidade necessária desaparecia. O autor dava como exemplo todo o trabalho manual que foi preciso no Toy Story para esconder esse defeito no rosto do protagonista.
É aí que entra sua técnica. “A experiência é extremamente positiva”, avisa em seu artigo, acrescentando que dá aos modeladores uma liberdade que não tinham com o NURBS, “o que reduz dramaticamente o tempo que devem dedicar a criar e planejar um modelo inicial” e facilitando seu trabalho. DeRose lidera hoje a divisão de pesquisa da Pixar, que emprega onze pessoas, principalmente especialistas em computação.
O verdadeiro segredo dessa magia aparentemente intangível da Pixar não está nas artes, mas na ciência
A Pixar se alimenta da paixão no casamento entre a ciência e a arte. Suas origens remontam a 1979, quando George Lucas, depois do recorde de bilheteria de Guerra nas Estrelas, contratou Ed Catmull, um cientista louco por animação, para sua divisão de gráficos computadorizados. Depois de anos dedicando-se a desenvolver as técnicas de efeitos especiais gerados por computador para a LucasFilm, Catmull decidiu tornar-se independente e fundar a Pixar junto com 38 colegas de trabalho, com Steve Jobs como principal investidor.
Doutor em Ciências da Computação, Catmull é um pioneiro em sua área, criador de várias técnicas de animação, como o efeito de profundidade conhecido como z-buffer, e programas como o Renderman, usado nos efeitos do Titanic ou nas prequela de Guerra nas Estrelas. As equações que a técnica do DeRose usa para formas complexas foram desenvolvidas há 40 anos por Catmull e seu parceiro Clark. Seu braço direito era Alvy Ray Smith, outro desses gênios da animação com um doutorado em Ciências da Computação, professor em Berkeley até 1974 e que acabou indo trabalhar para a Microsoft após vários desentendimentos com o fundador da Apple.
Com essa bagagem não é de se estranhar que a Pixar tenha, desde seus inícios, esse departamento científico. Dali saem a cada ano numerosos artigos sobre animação com nomes tão sugestivos como Simulação artística do cabelo encaracolado, que explica a criação do motor gráfico que animou o cabelo da protagonista de Brave, ou Todo mundo pode cozinhar, dentro da cozinha de Ratatouille. Há outros com títulos tão soporíferos como Problemas avançados no nível de detalhe ou Mapeamento de texturas para um melhor modelo dipolar. A questão é que tanto os artigos divertidos como os entediantes são os que fazem os personagens da Pixar triunfarem como resultado do amor entre a ciência e a arte.