terça-feira, 2 de setembro de 2014

O cientista nova-iorquino, considerado um dos pais da inteligência artificial, prevê um futuro de homens biônicos



Minsky, em junho passado no salão Cánovas do Palace Hotel em Madri. / BERNARDO PÉREZ

JOSEBA ELOLA, no El País
O célebre autor de ficção científica e divulgador da ciência Isaac Asimov costumava dizer que só havia conhecido duas pessoas mais inteligentes do que ele em sua vida: Carl Sagan, o notável astrônomo norte-americano, e Marvin Minsky, considerado um dos pais da Inteligência Artificial. O próprio Minsky confirma que não se trata uma lenda. Acomodado em uma confortável poltrona no salão Cánovas no Palace Hotel em Madri, o cientista nova-iorquino lembra o episódio que originou a história de adorna sua brilhante biografia.
Aconteceu em 1973, e foi em uma viagem na qual vários cientistas e escritores de ficção científica subiram em um barco no Mar do Caribe para observar o cometa Kahoutek. Os movimentos do navios desencadearam uma conversa durante o jantar sobre a inclinação do navio. Minsky lançou mão de uma rolha, dois garfos e uma garrafa de explicar aos comensais como medir essa inclinação. Todos ficaram boquiabertos.
Marvin Minsky é um dos cientistas que participaram, em 1956, na mítica conferência de Dartmouth em que se cunhou o termo Inteligência Artificial – que engloba computadores e robôs que seguem os padrões da inteligência humana – . Em 1959, fundou com John McCarthy o Laboratório de Inteligência Artificial do prestigiado Massachusetts Institute of Technology. Um visualizador de gráficos usado na cabeça, um braço robótico e do microscópio confocal, muito usado na biologia, são algumas de suas realizações profissionais mais destacadas. Em junho passado, veio a Madri para receber um dos prêmio da Fundação BBVA Fronteiras do Conhecimento. Aos 87 anos, Minsky não perdeu a lucidez, e muito menos senso de humor. O autor de A Sociedade da Mente demonstra que sua cabeça continua funcionando perfeitamente.

Quatro ideias

Um livro? “Qualquer um de Larry Niven e Gregory Benford, que são os melhores autores de ficção científica da atualidade; são os Asimov de hoje. “
Uma voz que deve ser ouvida? “A de H. G. Wells. Foi o melhor escritor de ficção científica de todos os tempos.”
Uma citação? “Uma de Einstein: ‘Tudo deve ser feito da maneira mais simples possível, mas não mais simples’.”
Uma ideia ou uma medida concreta para um mundo melhor? “Talvez seja tarde demais, mas vamos precisar de uma população menor.”
Pergunta. Professor, o que podemos esperar no campo da inteligência artificial nos próximos anos?
Resposta. É difícil prever. O progresso era muito rápido nos anos 60 e 70, porque havia muitas pesquisas nos Estados Unidos. Depois, desacelerou. Na década de 80, ainda chegava dinheiro, os jovens podiam pesquisar o que quisessem. Em seguida, houve uma mudança, a iniciativa passou da esfera militar para a civil, o que levou ao aumento da regulamentação. Os investimentos tinham de ser rentáveis em um ano ou dois. Estou acostumado a uma época em que o progresso era muito rápido: antes havia novas ideias a cada cinco anos. Agora, a cada 15.
P. No entanto, muitas pessoas têm a percepção de que estamos em uma época de avanços tecnológicos que mudam a vida das pessoas: iPhone, drones, smart car ...
R. Nos anos 60 já tínhamos Internet. Eu cresci com isso. Éramos uma pequena comunidade e vimos há muito tempo o equivalente do iPhone. Agora, o mundo, pouco a pouco, está recebendo essas mudanças. Mas eu não sei o que fazem com isso. Os computadores têm mais memória, mas a memória está cheia de nada. Eu cresci em uma comunidade de ficção científica. Isaac Asimov morava perto de mim; Arthur C. Clarke morou na minha casa por um tempo. Então, é estranho, mas nos meus tempos de estudante, eu já estava vivendo o futuro. Conversava com eles sobre futuros possíveis.
P. E quais são agora os futuros possíveis?
A. Ninguém está no controle do planeta. Os países queimam óleo para ganhar dinheiro, mas não sabem que estão destruindo a si mesmos porque o planeta se aquece ... algum dia, não haverá necessidade de aquecer nada. Nós nos tornaremos máquinas mais fáceis de consertar e melhorar.
Nos converteremos em máquinas mais fáceis de consertar e melhorar”
P. O que deveria ser feito?
A. Estamos em uma situação estranha: todo mundo sabe que o sistema é instável, mas ninguém pode se dar ao luxo de corrigi-lo. Neste momento, o consenso é de que haverá uma crise de temperatura em torno de 2050, se a população continuar crescendo. As estimativas variam sobre quando isso vai acontecer, mas há um consenso geral de que as coisas estão fora de controle. As pessoas com quem eu converso estão convencidas de que esta é a emergência mais séria que existe, o aquecimento da atmosfera. E pode haver outras coisas ainda mais urgentes das quais nem nos demos conta.
P. Como o quê?
A. Bem, não sei. Talvez as doenças estejam passando por mutações mais rápidas devido às altas temperaturas; são coisas que não foram notadas e que em 50 anos terão um efeito maior.
Antes, havia ideias novas a cada cinco anos. Agora, a cada 15

P. De quem é a responsabilidade pela situação em que estamos, é um problema dos políticos que nos governam?
R. Ninguém está no comando, não se pode culpar ninguém, todos são responsáveis. É estranho. Não há um poder supremo contra o qual se zangar, a quem se queixar.
P. Além do que já foi descoberto no campo da inteligência artificial, em que campos que você diria que foram realizadas as descobertas mais notáveis nos últimos anos?
R. Na genética. É difícil pensar em uma época em que se descobriu tanto em tão pouco tempo. Há 20 anos se sabia que existem genes, mas não como funcionavam.
P. O que podemos esperar nesta área?
R. Depois de um longo tempo estaremos projetando novos animais. Vai levar anos, mas estamos prontos para fazer mudanças interessantes em animais que já existem.
Minsky toma um gole do suco de laranja sobre a mesa. Na frente estão sua esposa e sua filha, atentas ao que possa precisar. Ele reclama do rumo que tomaram os projetos de pesquisa em sua área. “Fico nervoso com a popularidade de dois ou três projetos que tentam analisar o cérebro humano. Acho um grande erro iniciar grandes projetos quando ainda não se analisou o cérebro de uma libélula ou de um rato. É como tentar montar um carro quando você ainda nem fez uma bicicleta”. Minsky assessorou Stanley Kubrick nas questões científicas para as filmagens de 2001 Uma Odisseia no Espaço. E Michael Crichton para escrever o roteiro de Jurassic Park. Recorda que, neste último caso, foram apenas cinco minutos de conversa na praia de Santa Monica. Suficientes para falar de fósseis, células e dinossauros.
P. Você passou a vida pesquisando em um campo que relaciona o homem com a máquina. No futuro, as máquinas chegarão a ser mais inteligentes do que os homens?
Haverá uma crise de temperatura em torno de 2050, se a população continuar a crescer
R. Pode acontecer. É tão fácil construir máquinas e tão difícil mudar a biologia. Se você alterar um gene, as crianças serãos diferentes e você não sabe quais serão os efeitos. Mas se você projeta uma máquina, pode separar as funções. Quando entendermos como construir sistemas biológicos, tudo mudará; os atuais são difíceis de mudar, porque há muitas interconexões. No futuro substituiremos a biologia com sistemas menos complexos que possam evoluir mais rapidamente. Substituiremos nossa biologia por melhores formas de engenharia. Nós nos tornaremos máquinas mais fáceis de consertar e melhorar.
P. Você fala de um futuro de homens biônicos.
R. Sim, mas sem falhas. Podemos querer evoluir em uma direção menos orgânica, de modo que possamos consertar a nós mesmos, viver mais tempo e mudar o que for preciso, sem tanto risco.
P. Ou seja, mentes humanas dentro máquinas.
R. Talvez a biologia não seja uma maneira muito segura de existir; ela se auto-repara, sim; mas é limitada.
P. A evolução da Inteligência Artificial colocará o homem diante de decisões éticas importantes. Quais são os principais dilemas que enfrentaremos?
R. Em algum momento do século, teremos máquinas que parecerão muito inteligentes e que, em muitos campos, serão mais experientes as pessoas. Algumas já são, como tudo o que exige grande quantidade de conhecimento superficial: os sistemas de Big Data são melhores do que as pessoas em muitas coisas. Há um par de máquinas que têm bom senso. Uma delas é o CYC, e está no Texas; você pode se cadastrar e fazer perguntas.
Os computadores têm mais memória, mas a memória está cheia de nada
P. E como será um mundo onde as máquinas são mais inteligentes do que o homem?
R. É difícil saber, se houver concorrência, quais são os objetivos; talvez as pessoas não interessem às máquinas.
P. E a que isso poderia levar?
R. A todo tipo de desastres, e também a muitas coisas boas. Podemos fazer máquinas que vivam em um planeta frio ou estranho.
P. Quais seriam as coisas positivas?
R. É difícil de prever.
P. Professor, uma última pergunta: O que a vida lhe ensinou?
R. Você tem de ficar na calçada e não andar na estrada.
P. Sério?
R. É piada.
P. E sério?
R. Que só se pode acreditar nas piadas. Bem, eu aprendi que as pessoas têm boas ideias e logo param: se continuassem um pouco mais, conseguiriam muito mais. Não sei por que param e passam para outra coisa. As pessoas tentam fazer coisas demais.