No dia 5 de setembro de 1940 o filme de propaganda antissemita "O Judeu Süss", de Veit Harlan, foi lançado no Festival de Veneza. A obra deturpa de maneira pérfida a polêmica figura histórica de Joseph Süss Oppenheimer.
Cena do filme anti-semita
Por Michael Marek, na Deutsche Welle
O filme O judeu Süss oferecia tudo o que a propaganda nazista desejava: técnica apurada, uma história melodramática de amor e uma orientação antissemita, constituindo uma mescla perversa de violência e fascinação. O filme foi dirigido por um ícone do cinema de entretenimento durante o regime nazista, o ator Veit Harlan, um protegido do ministro da Propaganda, Goebbels.
No seu filme, que estreou em 5 de setembro de 1940 no Festival Internacional do Cinema de Veneza, Harlan contou a história do judeu Joseph Süss Oppenheimer, que estimulou um príncipe alemão à vida luxuosa, a fim de conseguir assim a sua própria aceitação entre os nobres.
O protagonista principal foi Ferdinand Marian, no papel de judeu sombrio e traiçoeiro, que representava um perigo físico e moral para a sociedade alemã, segundo a ideologia nazista. O papel feminino de destaque foi assumido por Kristina Söderbaum, a esposa de Harlan, que incorporava como nenhuma outra a imagem da mulher ariana: loura, olhos azuis e raça nórdica.
Deturpação grotesca da realidade
À imprensa alemã não foi permitida a definição da obra como antissemita. A proibição tinha um motivo, pois afirmava-se que o filme era baseado em fatos históricos. Muitos espectadores de então acreditavam que a história de Joseph Süss Oppenheimer havia acontecido da maneira como foi narrada no filme de Harlan.
No entanto, ele havia deturpado os fatos de maneira grotesca. A película tampouco tinha qualquer relação ou semelhança com o romance homônimo de Lion Feuchtwanger, publicado no ano de 1925. Harlan utilizou exclusivamente os elementos que podiam ser encaixados na propaganda antissemita do Estado nazista.
Entre os que assistiram a O judeu Süss em setembro de 1940 estava também o jornalista e escritor Ralph Giordano: "Eu me lembro muito bem como saí acabrunhado do cinema. Mas o que ocorreu então foi o que se tornou propriamente inapagável, inesquecível. Um dos meus amigos, na verdade o que eu classificava como melhor amigo, manteve-se calado, quando íamos para casa. De certa forma, era um silêncio deprimente, agourento. E, então, ele pronunciou uma frase que me atingiu profundamente. Ele disse: ‘Deve haver algo de verdade nisso!’”
Harlan recebeu de Goebbels recursos quase ilimitados para a realização do filme O judeu Süss, uma película que objetivava o prestígio e a propaganda nazistas. Ele pôde até mesmo escolher pessoalmente os figurantes judeus nos guetos poloneses e tchecos, em cooperação com o Departamento Central de Segurança do Reich, chefiado por Adolf Eichmann.
"Apolítica" ambição profissional
Harlan sempre repetia que "o meu partido é a arte, a minha política é o amor à pátria". Ao mesmo tempo, seus filmes serviam a objetivos políticos. Harlan parece jamais ter entendido que, com isso, ele se envolvia nos crimes nazistas. Ele jamais teve consciência de culpa ou de estar cometendo injustiça. A sua ambição profissional lhe dava ainda um impulso adicional.
O cineasta Helmut Käutner, que manteve com Harlan "longos debates depois da guerra", disse que, depois da guerra, pensou ser sua obrigação e também seu direito perguntar a ele por que fizera isso. E por que um homem, que era um grande artista, tinha tal baixeza de sentimentos e como isso podia ser compatível: "Para mim, ficou inteiramente claro que Harlan fez tudo pela sua carreira; ele queria ser a mais importante, a maior personalidade da Europa no setor do cinema. Ele agarrou a oportunidade e lançou mão de todos os recursos, sem qualquer escrúpulo".
No dia 3 de março de 1949, o Tribunal Estadual de Hamburgo abriu um processo contra ele. Veit Harlan teve de responsabilizar-se por crime contra a humanidade. Ele foi acusado de atuar como preparador psicológico do processo de exterminação dos judeus. O filme O judeu Süss era exibido para as tropas no Leste europeu, antes das ações de fuzilamento de judeus, e também para os integrantes da SS, encarregados da vigilância nos campos de concentração e de extermínio.
Após 52 dias de processo e dos depoimentos de inúmeras testemunhas, Harlan foi declarado inocente. Um ano depois, a sentença foi confirmada em instância superior, até mesmo com o adendo de que Harlan teria sido obrigado a realizar O judeu Süss, acatando ordens contra a própria consciência.