Paul Rincon, da BBC News
Um desenho descoberto em uma caverna em Gibraltar, território britânico no sul da Espanha, pode ser a evidência mais convincente encontrada até hoje de que os neandertais, antepassados do homem, eram capazes de produzir arte.
A imagem, que lembra a grade de um jogo da velha, foi gravada em uma pedra no fundo da caverna de Gorham.
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Detalhes da descoberta, feita por uma equipe de pesquisadores internacionais, foram divulgados na publicação científica PNAS.
Um dos autores do estudo, Clive Finlayson, diretor do Museu de Gibraltar, disse que essa recente descoberta "aproxima, mais uma vez, os neandertais de nós".
Proposital
Acredita-se que os neandertais tenham desaparecido da terra entre 41 mil e 39 mil anos atrás na Europa e que, por um período, tenham convivido com os Homo sapiens, os humanos atuais.
Por muito tempo, a expressão artística foi considerada uma característica exclusiva da nossa espécie.
Mas hoje já há muitas pistas de que a capacidade intelectual do homem de neandertal pode ter sido subestimada.
Descobertas recentes sugerem que eles intencionalmente enterravam seus mortos, se enfeitavam com penas, pintavam seus corpos com pigmentos pretos e vermelhos, e consumiam uma dieta mais variada do que se pensava anteriormente.
A fim de compreender como as marcas na caverna de Gorham foram feitas e esclarecer se elas foram propositais, experiências foram feitas utilizando diferentes ferramentas para fazer cortes em blocos de rochas dolomíticas semelhantes aos encontrados na caverna.
O método que produziu um desenho mais parecido ao da caverna foi um no qual um instrumento pontiagudo foi cuidadosamente, e repetidamente, inserido na mesma direção dentro de uma fissura.
Isso, argumentam os autores, parece descartar uma origem acidental para o desenho.
Cruzamento
Francesco d'Errico é diretor de pesquisa do Centro Nacional Francês de Pesquisa Científica (CNRS, na sigla em francês), em Bordeaux, e supervisionou essas experiências.
"A dolomita é uma rocha muito dura, por isso é necessário muito esforço para produzir essas linhas,", ele disse à BBC.
O arqueólogo estima que para o desenho completo teriam sido necessários entre 200 e 300 golpes com uma ferramenta de corte, levando ao menos uma hora para ser feito.
D'Errico explicou que a pedra estava em um local de bastante destaque na caverna, e que a gravação do desenho podia ser vista por todos os visitantes.
"Isso não significa necessariamente que seja simbólico, no sentido que represente algo mais, mas foi feito de propósito", disse ele.
Ele explicou: "Um aspecto intrigante é que o desenho está em um ponto da caverna onde a orientação da caverna muda em 90 graus."
"É quase como se estivesse mostrando um cruzamento. Estou especulando, mas faz você se perguntar se ele tem algo a ver com um mapa, ou uma mensagem que diz: "Este é o lugar onde você está".
D'Errico acrescentou: "Está em um local fixo, então, por exemplo, poderia ser algo para indicar a outros neandertais que visitavam a caverna que alguém já estava ali, ou que havia um grupo que tomava conta da caverna."
Cautela
Mas Matt Popo, um arqueólogo Paleolítico da University College London, que não estava envolvido no estudo, não está muito convencido com as conclusões do estudo – especialmente no tocante a atribuir a "arte" a neandertais.
"A gravação de fato parece intencional", analisou. "Por isso, é útil considerar esses riscos estruturados como decorrentes de um pensamento abstrato ou simbólico."
"Mas relacioná-la diretamente às populações de neandertais, ou provar que neandertais a fizeram sem qualquer contato com humanos modernos, é mais difícil", disse, sugerindo que membros de nossa espécie possam ter influenciado a criação das marcas.
"As datas apresentadas no estudo são indiretas, referindo-se ao material de dentro dos sedimentos que cobrem as gravuras e não as próprias marcas. Eu seria cauteloso em aceitar autoria neandertal".
Ele acrescentou: "Certamente, a equipe de Gibraltar proporcionou uma evidência convincente importante que vai ajudar a colocar este período em foco e sob maior escrutínio".