A imprensa nacional tem registrado com bastante freqüência a
barbárie que está assolando nossas escolas.
A violência – que antes, quase sempre,
incidia fora dos limites da escola – hoje se manifesta no seu interior, em
plena sala de aula.
Os alunos utilizavam jogos juvenis e
peladas de futebol para resolverem seus conflitos. Hoje se organizam em gangues
e com freqüência preocupante, lançando mão de armas de fogo.
A este quadro se soma a desmedida
progressão do consumo de drogas, popularizadas através do craque e da cola de
sapateiro.
Até certo tempo atrás, os debates
ocorridos entre os candidatos à presidência da república, eram polarizados por
temas como educação, saúde, habitação... Mas a segurança pública adentrou um
estágio tão traumático que passou à prioridade absoluta nas plataformas dos
candidatos.
Este cenário não se restringe aos países
subdesenvolvidos. Escócia, Estados Unidos, Alemanha e muitos outros, quase
sempre se vêem surpreendidos pelos mais brutais atos de ferocidade ocorrendo no
interior de suas escolas e universidades. Com armas letais, inóspitos
personagens – muitos deles alunos – desatam a disparar sobre colegas e
professores, deixando atrás de si um rastro de sangue, dor e indignação.
A TV via satélite transforma estes banhos
de sangue num espetáculo transmitido ao vivo e a cores, com a humanidade
estupefata perguntando as razões de tamanha insanidade.
A violência é um fenômeno mundial,
globalizado. Sempre foi. A história do desenvolvimento humano é permeada de
violências, tragédias, conflitos de todos os tipos e graus. Pois não suportamos
até Guerras Santas (tamanha estupidez!) e contemporaneamente, conflitos
religiosos entabulados em nome de Deus, não ocorrem praticamente em todos os
continentes?
Mas em países como o Brasil, a violência
tem também um outro perfil. Aqui, não há quem escape, mas atinge de maneira
infinitamente desigual os mais pobres, os excluídos. Em muitos casos, a
violência é como que encomendada, uma crônica anunciando permanentemente a
desgraça.
A violência mais abominável se manifesta
numa das mais perversas distribuições de renda de todo o planeta. Poucos têm
tudo, de forma escandalosamente excessiva, e a maioria da população tem quase
nada. Os péssimos serviços públicos, prestados de forma indigente por governos
indigentes, as políticas públicas ineficazes, a corrupção endêmica engessando o
país a ponto de atrofiá-lo, levá-lo a expressar os piores indicadores de
desenvolvimento humano do mundo.
Inexorável que um dia este contexto
envolvesse as escolas. Porque até então imaginávamos que – como num sonho
infantil – seria possível manter as escolas, os berçários, as creches, nossas
crianças e nossos familiares longe da violência, como se numa ilha pujante de
paz e felicidade.
Infelizmente a escola está vivenciando a realidade
produzida pela própria sociedade, que a gera e mantém. É preciso ter este
ensinamento sempre em foco, abordar o problema despido de filtros, sob pena de
desenvolvermos ações artificiais que levem do nada para lugar algum. Tudo será
paliativo e efêmero se não atingirmos o cerne do problema, o desenvolvimento
econômico social. O país precisa voltar a crescer, de modo que possamos
alavancar o desenvolvimento através de investimentos que resultem em geração de
mais conhecimentos, mais empregos e renda.
Mas a violência tem uma variedade de
outras nuances, muitas subliminares, difíceis de identificar, mas que se
manifestam com igual virulência nas salas de aula.
É correto afirmar que as últimas décadas
registraram avanços significativos no campo da educação brasileira.
Temos uma gama de formuladores, gestores e
educadores que permanentemente estão a refletir sobre os rumos deste setor tão
estratégico para a promoção humana e para o desenvolvimento auto sustentado do
estado.
Esta efervescência teórica influenciou
legisladores que legaram ao país, em dezembro de 1996, um precioso insumo, a
lei 9394 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, a LDB.
Impregnada de um sentido renovador, a LDB
dispõe sobre o processo educacional utilizando uma terminologia ousada para os
padrões nacionais: prática social; princípios de liberdade e solidariedade
humana; cidadania e qualidade; apreço à tolerância; valorização da experiência
extra-escolar; vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas
sociais. Cada um desses componentes, de per si, encerraria um compêndio de
teses sobre a cidadania e o desenvolvimento humano.
Todavia é lamentável o descompasso
verificado quando se coteja os avanços obtidos na legislação e nas formulações
teóricas, com nossa prática diária, com o dia a dia de nossas escolas.
Muitos “educadores” e “gestores públicos”
se cercam de referências teóricas mais que sustentáveis, mas não conseguem se
livrar dos paradigmas, das práticas autoritárias herdadas do passado. Como
consequência, os expressivos avanços de concepção assemelham-se aos fortes
clarões, às explosões de luz que, ao contrário de iluminar e desnudar o
caminho, cega, prostra e imobiliza.
Armados da mais densa teoria dotam o
discurso de uma carapaça – só na aparência - renovadora e revolucionária. A
prática, contudo, guarda na essência os dogmas do autoritarismo. E o que torna
este tipo de violência mais grave é a forma como se manifesta, sutil,
sub-reptícia, envolta num discurso democrático, mas umbilicalmente retrógrado.
Encerra conceitos de liberdade e democracia apenas como artifício para
perpetuar a dominação, replicando velhos conceitos e impedindo o advento da
criatividade que transforma.
Aos alunos e servidores públicos é
repetido, à exaustão, que somos iguais, parceiros, que estamos ao lado e não
acima, mas no dia a dia, nas salas de aula e locais de trabalho, utilizando a
sutileza das palavras, cuida-se de reproduzir modelos defasados. Pior, na
maioria das vezes ainda são utilizados instrumentos que nada deixam a dever à
ardência das palmatórias: “castigos”, “testes” e “notas” para os alunos;
“trabalhos” e “retrabalhos” para os servidores. Como retaliação, “serviços de
orientação”, “transferências”, “suspensão”; “geladeira”...
É preciso refletir sobre nossas escolas e
sobre todo o tipo de violência que incide sobre elas. Não há dúvidas que estão
agora na mira da violência explicita. Mas atinemos para a violência intelectual
provocada pelo professor colonizador, aquele que apresenta um invólucro de
renovador, mas semeia o espírito catequizador, o que de forma unilateral impõe
e dispõe valores, e não se habilita para lidar com as diferenças.
É preciso refletir sobre as celas de tipo
novo onde certos educadores estão encerrando nossos filhos.
Tão importante quanto combater a violência
explicita, é a necessidade de adotarmos tolerância zero para com a violência
subliminar dos discursos esteticamente libertários, mas vazios da práxis
democrática.
Atinemos para as pedras de falso quilate,
aos arrogantes e onipotentes representantes das academias do atraso, incapazes
de compreender a dimensão que sábios e verdadeiros educadores emprestam à
tolerância, à generosidade e à humildade. São incapazes de aprender que “hastes
de trigo, cheias de grãos, aprendem a curvar a cabeça”.
Por outro lado, políticas de segurança
pública deveriam considerar não somente a modernização dos equipamentos. Mas,
sobretudo, com a valorização das ações de inteligência e a formação de policiais
que saibam conviver com a cidadania. Mais ainda: as políticas públicas só se
tornam eficazes se planejadas e implementadas de forma conjunta, articulada,
integral. O combate sistemático à violência urbana deveria caminhar
paralelamente à implementação de políticas consistentes de geração de empregos
de qualidade, de incremento da renda, de políticas de educação, saúde e segurança
que incorporassem, no bradar dos manifestantes, no “padrão Fifa de qualidade”...
Não sendo assim, estaremos tão somente
entoando a velha cantilena de preservar os dedos, enquanto todo o restante do
corpo já estará exalando o odor nauseabundo da putrefação.
Artigo de Antônio Carlos dos Santos, criador da Metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+ e
da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo.