Projeto aprovado na Câmara inibe
mecanismos contra lavagem de dinheiro consagrados no mundo todo
Nada caracteriza tão bem o país do "você sabe com
quem está falando?" -feliz expressão celebrizada pelo antropólogo Roberto
DaMatta, colunista do GLOBO - quanto o projeto aprovado na Câmara prevendo até
quatro anos de prisão pela "discriminação" contra políticos.
Discriminá-los merece, aos olhos dos deputados, punição
maior que preconceitos contra idosos ou deficientes (sujeitos a pena de até
três anos). A iniciativa é um despropósito cujo único objetivo é favorecer a
corrupção.
As pessoas "politicamente expostas" definidas
no Projeto de Lei da deputada Dani Cunha (União-RJ) formam aquela casta
privilegiada, sustentada pelo dinheiro do contribuinte, que DaMatta tão bem
descreve em seus livros e artigos: ministros, presidentes, vices e diretores da
administração pública, indicados para cargos comissionados, ministros de
tribunais superiores e do Tribunal de Contas da União, presidentes e tesoureiros
de partidos políticos, procurador- geral da República e seu vice, governadores,
prefeitos e seus vices, além, obviamente, de vereadores, dos próprios
parlamentares e uma série de outros beneficiados.
Para todos, o texto aprovado garante uma regalia: se
forem investigados (criminal, civil ou administrativamente), acusados,
denunciados, ou mesmo condenados na Justiça e ainda houver possibilidade de
recurso, não poderão ser "discriminados" na abertura de contas em
bancos, concessão de crédito e outras atividades. Mais que isso, o projeto
estende a proteção a familiares ou "estreitos colaboradores".
O argumento usado para justificar a medida é, nas
palavras do líder do União, Elmar Nascimento (BA), atrair "homens e
mulheres de bem" para a vida pública. "É um absurdo cortarem a conta
de um deputado ou filho depois de 20 anos porque é uma pessoa politicamente
exposta", afirmou .
Trata-se, porém, de uma proteção sem cabimento. O exame
rigoroso das instituições financeiras aos politicamente expostos é uma prática
internacionalmente consagrada no combate à corrupção, recomendada por
organismos como Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), onde o Brasil pleiteia uma vaga. Existe para evitar que os bancos sejam
usados como canal de lavagem do dinheiro desviado dos cofres públicos.
Investigações, denúncias e sobretudo condenações são
indícios mais que razoáveis para justificar a cautela. Absurdo é exigir que
empresas sejam forçadas a celebrar contratos que ponham sua reputação e seus
negócios em risco. Nada disso, porém, parece convencer os parlamentares,
preocupados apenas em proteger o patrimônio daqueles que já desfrutam
privilégios inacessíveis ao cidadão comum.
O projeto foi apresentado apenas uma hora antes da
votação e contou com apoio num arco ideológico capaz de unir PT, PL, PP, PSDB,
PSD, União e vários outros partidos. Foi aprovado na Câmara por 252 votos a
163. O Senado precisará agora barrar mais essa barbaridade.
Jornal O Globo
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