País convidou o presidente russo para o encontro do Brics, em Joanesburgo. Mas há um mandado de prisão internacional contra o presidente russo, e ele corre o risco de ser preso se comparecer.
A ministra das Relações
Exteriores da África do Sul, Naledi Pandor, confirmou que o presidente russo,
Vladimir Putin, foi convidado a participar da próxima cúpula do Brics, que será
realizada em agosto, em Joanesburgo.
O convite foi feito apesar
de Putin ser alvo de um mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional (TPI)
por crimes de guerra. Ele é acusado de deportar à força para a Rússia crianças
do território ucraniano ocupado por Moscou.
A África do Sul é signatária
do tratado de fundação do TPI, o Estatuto de Roma, e é tecnicamente obrigada a
prender Putin se ele entrar no país, e em seguida enviá-lo para Haia, onde fica
a sede do tribunal.
A possível presença de Putin
na cúpula tem sido alvo de muita controvérsia desde que o mandado de prisão foi
expedido, em março. E o governo do presidente Cyril Ramaphosa está analisando
todas as opções para evitar um incêndio diplomático.
Fazer a cúpula em outro
país?
Durante uma reunião de
planejamento para a cúpula com os ministros das Relações Exteriores dos países
dos Brics, iniciada na quinta-feira, Pandor enfatizou que o encontro de agosto
seria realizado na África do Sul.
A imprensa e os analistas
haviam sugerido que o governo de Ramaphosa estava considerando transferir a
cúpula para outra nação do Brics. Dos cinco membros do bloco, apenas Brasil e
África do Sul são signatários do Estatuto de Roma, enquanto China, Índia e
Rússia não são.
A agência de notícias
Reuters citou um alto funcionário do governo sul-africano no início desta
semana, dizendo que uma solução para o dilema diplomático seria pedir à China,
presidente do Brics no ano passado, para sediar a cúpula.
O ex-presidente sul-africano
Thabo Mbeki, que comandou o país de 1999 a 2008, considera improvável que a
cúpula ocorra na África do Sul. "Devido às nossas obrigações legais, temos
que prender o presidente Putin, mas não podemos fazer isso", disse Mbeki
em entrevista a uma rádio de Joanesburgo no final de maio.
Pedir a Putin para ficar em
casa?
Outra possibilidade que
parece estar sendo analisada é a de realizar a cúpula de forma remota, como
ocorreu durante os últimos três anos de pandemia.
E alguns dizem que a África
do Sul deveria simplesmente desconvidar Putin. "O óbvio que nosso governo
deveria fazer seria retirar o convite", disse nesta semana à DW a
parlamentar Glynnis Breytenbach, da Aliança Democrática, o principal partido de
oposição.
Mas isso não é tão simples,
avalia Dirk Kotze, professor de ciências políticas da Universidade da África do
Sul em Pretória, porque não se trata de um evento bilateral, como uma visita de
Estado do presidente russo à África do Sul.
"Em vez disso, a África
do Sul está agindo na qualidade de presidente rotativo do Brics, portanto, é um
evento do Brics", disse. "Logo, o grupo Brics, em conjunto, deve
decidir se desconvidará o presidente Putin ou mudará o formato dessa
cúpula."
Sair ou não sair do TPI?
A África do Sul há muito
tempo critica o TPI e a expedição do mandado de prisão contra Putin reacendeu o
debate dentro do partido governista ANC sobre a adesão do país à corte.
Mas a opção de se retirar do
TPI para evitar um problema com Putin está fora de cogitação, segundo
analistas.
A África do Sul notificou
formalmente em 2016 que deixaria o TPI, contudo a Corte Constitucional
sul-africana depois decidiu que essa notificação era inconstitucional.
A tentativa de se retirar do
TPI ocorreu depois de a África do Sul ter sido censurada pelo tribunal por não
prender Omar al-Bashir, então presidente do Sudão, quando ele visitou o país em
2015 para participar de uma cúpula da União Africana. Al-Bashir era procurado
pelo TPI por acusações de genocídio.
Ramaphosa anunciou em abril
que seu país deixaria o TPI. No entanto, o ANC rapidamente esclareceu que a
África do Sul havia desistido de sua notificação de retirada e não planejava
deixar o tribunal.
Além disso, mesmo que a
África do Sul "deixe com sucesso o sistema do Estatuto de Roma amanhã ou
no futuro, seu dever [de prender Putin] ainda será aplicado", disse a
advogada criminal internacional Angela Mudukuti, que já trabalhou no TPI.
"Isso porque, na época
em que o mandado de prisão contra Putin foi expedido, a África do Sul era
signatária do Estatuto de Roma e ainda é. Portanto, enquanto esse for o caso,
eles não podem voltar atrás e desfazer isso", disse ela à DW.
Além disso, se um membro quiser
se retirar do TPI, ele deve avisar com 12 meses de antecedência.
Brecha no Estatuto de Roma?
A África do Sul indicou que
está buscando uma brecha legal que permitiria ao país suspender sua obrigação
de prender Putin sem violar o Estatuto de Roma.
Os analistas entendem que
isso significa que a África do Sul quer tentar usar o artigo 98 do estatuto
para argumentar que não pode prender Putin, a menos que a Rússia renuncie à
imunidade de seu presidente, algo que é improvável que faça.
Entretanto, a advogada
internacional Angela Mudukuti acredita que isso também não funcionará. "É
uma discussão muito, muito complicada e longa que faz com que os advogados
fiquem girando em círculos em torno de si mesmos", disse. Mas a
"resposta simples", explicou, é que o artigo 98 diz que é necessário
renunciar à imunidade para que alguém seja preso.
"Mas para que haja
renúncia às imunidades, elas precisam existir. E minha posição sobre isso é que
não há imunidade nesse caso", disse Mudukuti, acrescentando que isso se alinha
ao julgamento de um recurso no TPI sobre o assunto.
O cientista político Dirk
Kotze concorda: "O Estatuto de Roma diz que nenhuma forma de imunidade é
possível para um presidente ou chefe de Estado em exercício. Isso simplesmente
não existe. A lei internacional comum prevê a imunidade presidencial em
circunstâncias normais. Mas o TPI e o Estatuto de Roma excluem especificamente
qualquer forma de imunidade."
Dilema chegou à Justiça
O governo de Ramaphosa
também disse que explorará a possibilidade de alterar as leis nacionais para
sair desse dilema diplomático.
De acordo com Hannah
Woolaver, professora de direito da Universidade da Cidade do Cabo, a Lei de
Imunidades e Privilégios Diplomáticos da África do Sul pode permitir que o
governo conceda imunidade a Putin.
"Pode ser possível
conceder imunidade a Putin para a finalidade da cúpula do Brics, ou até mesmo
por mais tempo", escreveu ela em uma publicação no blog do European
Journal of International Law. Mas, acrescentou, "a lei doméstica não pode
justificar o não cumprimento dos deveres internacionais".
Para tentar impedir o
governo de fazer isso, o partido de oposição Aliança Democrática entrou com um
pedido judicial nesta semana para garantir que o país prenda Putin se ele for à
África do Sul. A razão pela qual fizeram isso, disse a parlamentar Breytenbach,
é "para que não haja ambiguidade quanto às nossas obrigações".
Isso parece deixar duas
opções em aberto para o governo de Ramaphosa, caso Putin apareça (o que, em si,
ainda está debate): prender o presidente em exercício de uma potência nuclear
ou prejudicar ainda mais as relações da África do Sul com o Ocidente devido à
sua percepção de um viés pró-Rússia.
"O país se encontra em
uma posição incrivelmente complicada", disse Ziyanda Stuurman, analista
sênior para a África do Eurasia Group, uma consultoria de risco político.
"Estamos vendo um país lidar em tempo real com essas decisões geopolíticas
muito, muito difíceis de serem tomadas."
DW
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