A reinauguração do
museu, fruto da cooperação entre o poder público e a iniciativa privada, é um
momento de comemorar o patrimônio histórico da Nação e refletir sobre o seu
futuro
Após quase 10 anos fechado,
o Museu do Ipiranga reabre as portas na celebração da Independência. O restauro
ilustra o potencial de revitalização do patrimônio nacional quando poder
público e iniciativa privada se unem. Mas o teste de fogo começa agora. A
modernização do Ipiranga pode oferecer as chaves a tantos outros museus que
precisam abrir as portas ao futuro.
Desde sua fundação, em 1890,
ele se consagrou à pesquisa e à popularização da história nacional. Por décadas
foi o mais visitado de São Paulo. O restauro resultou de uma parceria entre o
Estado, Prefeitura, USP e 21 empresas. O complexo neorrenascentista reabre com
o dobro do tamanho e com capacidade de abrigar 11 exposições simultâneas e 1,5
milhão de visitantes por ano.
Uma lição é a importância
das leis de incentivo à cultura. Dos R$ 235 milhões investidos, cerca de 2/3
vieram da lei federal, a Rouanet. Vilipendiada pelo bolsonarismo como uma
sinecura a militâncias de esquerda, a Rouanet é na verdade um exemplo de livre
sinergia entre o poder público, a iniciativa privada e os produtores culturais.
O Estado não elege os projetos beneficiados, só os fiscaliza. Quem decide é o
contribuinte, destinando parte de seus impostos.
A reinauguração suscita
reflexões sobre a sustentabilidade, gestão e curadoria dos museus brasileiros.
Muitos, incluindo alguns principais - como o Ipiranga ou o Museu Nacional -,
estão absorvidos nas estruturas das universidades. Justamente estes, segundo
levantamento do Tribunal de Contas da União, são os mais precários em termos de
planos museológicos, reservas técnicas de preservação ou inventário do acervo.
Seus recursos são sugados de maneira invisível pelo rombo orçamentário das
universidades. Analogamente, sua gestão e curadoria são frequentemente
ossificadas pela burocracia acadêmica.
Enquanto no Museu Nacional,
por exemplo, 98% da receita provém da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
no Museu de História Natural de Nova York ela está distribuída entre bilheteria
(28%), doações e bolsas (25%) e investimento privado (16%), além de atividades
auxiliares, recursos municipais e outros.
Como disse o museólogo
Andreas Huyssen, outrora os museus eram 'recipientes do passado e seus objetos
acumulados'; hoje, são 'locais de atividade e experiência no e para um presente
em constante expansão'. Em museus modernos, é vital ventilar seu acervo com
exposições temporárias. Mas só agora o Ipiranga terá estruturas aptas a receber
acervos de outras instituições.
O futuro dos museus no
Brasil depende de uma revitalização do ecossistema legal e cultural. Não há
normas que obriguem o gestor a priorizar a segurança patrimonial nem regras
específicas de fiscalização edilícia. Só em 2019, após a incineração do Museu
Nacional, o Congresso normatizou o endowment - fundos formados por doações
cujos lucros são investidos na instituição -, que há séculos possibilita a
museus e universidades da Europa e EUA não depender só de repasses públicos.
Um modo de dinamizar a
gestão morosa dos museus e aproximá-los da sociedade civil é fomentar a
cooperação das Associações de Amigos dos Museus. E uma parcela de um desafio
maior: cultivar uma cultura filantrópica, que, no Brasil, é comparativamente
medíocre e centrada em ações sociais.
A partir de agora, o
Ipiranga encarará esses desafios. Hoje, é dia de celebrar - e honrar nossos
antepassados. Como disse o escritor G. K. Chesterton: 'A tradição significa dar
um voto à mais obscura de todas as classes, nossos ancestrais. É a democracia
dos mortos'. Segundo Edmund Burke, 'a sociedade é uma parceria dos mortos, dos
vivos e dos que nascerão'. Em museus como o Ipiranga, esses parceiros se
encontram.
'O presente está saturado
com o passado e grávido com o futuro', disse o filósofo Leibniz. No passado, os
museus eram os santuários das 'Musas', as deidades inspiradoras da literatura,
das ciências e das artes. Neste momento em que a Nação celebra seu nascimento,
que o Ipiranga a sature com essas inspirações. Elas são valiosas como nunca
para dar à luz um futuro justo e próspero.
Jornal O Estado de S. Paulo
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