sexta-feira, 16 de setembro de 2022

O valor do novo Museu do Ipiranga


A reinauguração do museu, fruto da cooperação entre o poder público e a iniciativa privada, é um momento de comemorar o patrimônio histórico da Nação e refletir sobre o seu futuro

 

Após quase 10 anos fechado, o Museu do Ipiranga reabre as portas na celebração da Independência. O restauro ilustra o potencial de revitalização do patrimônio nacional quando poder público e iniciativa privada se unem. Mas o teste de fogo começa agora. A modernização do Ipiranga pode oferecer as chaves a tantos outros museus que precisam abrir as portas ao futuro.

Desde sua fundação, em 1890, ele se consagrou à pesquisa e à popularização da história nacional. Por décadas foi o mais visitado de São Paulo. O restauro resultou de uma parceria entre o Estado, Prefeitura, USP e 21 empresas. O complexo neorrenascentista reabre com o dobro do tamanho e com capacidade de abrigar 11 exposições simultâneas e 1,5 milhão de visitantes por ano.

Uma lição é a importância das leis de incentivo à cultura. Dos R$ 235 milhões investidos, cerca de 2/3 vieram da lei federal, a Rouanet. Vilipendiada pelo bolsonarismo como uma sinecura a militâncias de esquerda, a Rouanet é na verdade um exemplo de livre sinergia entre o poder público, a iniciativa privada e os produtores culturais. O Estado não elege os projetos beneficiados, só os fiscaliza. Quem decide é o contribuinte, destinando parte de seus impostos.

A reinauguração suscita reflexões sobre a sustentabilidade, gestão e curadoria dos museus brasileiros. Muitos, incluindo alguns principais - como o Ipiranga ou o Museu Nacional -, estão absorvidos nas estruturas das universidades. Justamente estes, segundo levantamento do Tribunal de Contas da União, são os mais precários em termos de planos museológicos, reservas técnicas de preservação ou inventário do acervo. Seus recursos são sugados de maneira invisível pelo rombo orçamentário das universidades. Analogamente, sua gestão e curadoria são frequentemente ossificadas pela burocracia acadêmica.

Enquanto no Museu Nacional, por exemplo, 98% da receita provém da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no Museu de História Natural de Nova York ela está distribuída entre bilheteria (28%), doações e bolsas (25%) e investimento privado (16%), além de atividades auxiliares, recursos municipais e outros.

Como disse o museólogo Andreas Huyssen, outrora os museus eram 'recipientes do passado e seus objetos acumulados'; hoje, são 'locais de atividade e experiência no e para um presente em constante expansão'. Em museus modernos, é vital ventilar seu acervo com exposições temporárias. Mas só agora o Ipiranga terá estruturas aptas a receber acervos de outras instituições.

O futuro dos museus no Brasil depende de uma revitalização do ecossistema legal e cultural. Não há normas que obriguem o gestor a priorizar a segurança patrimonial nem regras específicas de fiscalização edilícia. Só em 2019, após a incineração do Museu Nacional, o Congresso normatizou o endowment - fundos formados por doações cujos lucros são investidos na instituição -, que há séculos possibilita a museus e universidades da Europa e EUA não depender só de repasses públicos.

Um modo de dinamizar a gestão morosa dos museus e aproximá-los da sociedade civil é fomentar a cooperação das Associações de Amigos dos Museus. E uma parcela de um desafio maior: cultivar uma cultura filantrópica, que, no Brasil, é comparativamente medíocre e centrada em ações sociais.

A partir de agora, o Ipiranga encarará esses desafios. Hoje, é dia de celebrar - e honrar nossos antepassados. Como disse o escritor G. K. Chesterton: 'A tradição significa dar um voto à mais obscura de todas as classes, nossos ancestrais. É a democracia dos mortos'. Segundo Edmund Burke, 'a sociedade é uma parceria dos mortos, dos vivos e dos que nascerão'. Em museus como o Ipiranga, esses parceiros se encontram.

'O presente está saturado com o passado e grávido com o futuro', disse o filósofo Leibniz. No passado, os museus eram os santuários das 'Musas', as deidades inspiradoras da literatura, das ciências e das artes. Neste momento em que a Nação celebra seu nascimento, que o Ipiranga a sature com essas inspirações. Elas são valiosas como nunca para dar à luz um futuro justo e próspero.

Jornal O Estado de S. Paulo


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