Em vez de resgatar
a credibilidade fiscal, o governo e seus aliados no Congresso cogitam retomar
ideias populistas e inúteis para conter preços de energia e de combustíveis
De tempos em tempos,
discussões que pareciam vencidas no debate público voltam das cinzas para
assombrar a sociedade. Um dos terrenos mais férteis para o nascedouro de idéias
ruins está no setor elétrico e no mercado de combustíveis. Não é por acaso. Quanto
mais complexo o problema, mais difícil é propor alternativas corretas para
resolvê-lo, e quase sempre a solução mais fácil figura entre as piores. É nesse
ambiente longe de ser simplório e contaminado por uma disputa eleitoral que o
governo Jair Bolsonaro quer retomar medidas para segurar o reajuste do diesel e
da conta de luz. A estratégia é mais do que conhecida, bem como seus efeitos
ineficazes e perversos sobre os segmentos diretamente afetados e a economia
como um todo.
Como revelou o Estadão, em
aceno aos caminhoneiros, base de apoio do presidente, a ala política do governo
quer resgatar o subsídio para o diesel. A Câmara dos Deputados, por sua vez,
trabalha para emplacar um projeto de lei que susta os reajustes nas tarifas de
energia neste ano. Já a equipe econômica estuda uma forma de conter o aumento
da conta de luz ao antecipar, de uma só vez, as receitas que a Eletrobras
pagaria ao longo de 25 anos, de R$ 32 bilhões, para pagar descontos a grupos de
interesse. As três iniciativas embutem a intenção de frear o avanço dos preços,
fenômeno visto como uma pá de cal nas pretensões eleitorais de Bolsonaro. Em
comum aos três casos está o fato de que são soluções velhas, caras, já testadas
e que não vão resolver os problemas a que se destinam de forma definitiva.
O diesel talvez seja o
exemplo mais evidente do equívoco que o governo pode estar prestes a cometer:
resgatar um subsídio bilionário em troca de centavos a uma categoria composta
por 750 mil profissionais à custa dos dividendos da Petrobras. A última vez em
que a medida foi adotada foi na greve dos caminhoneiros de 2018. Como balanço
final da política pública, pode-se dizer que foi parcialmente bem-sucedida.
Embora tenha consumido R$ 9,5 bilhões em sete meses, o objetivo principal do
plano foi atingido: acabou com o movimento que levou caos ao País por semanas.
Os caminhoneiros certamente têm outra avaliação, já que o programa, criado para
reduzir o valor do diesel em R$ 0,46, proporcionou uma queda bem inferior e
metade do desconto se perdeu ao longo da cadeia.
Já a proposta que o governo
Bolsonaro prepara para o setor elétrico é praticamente um tributo à
ex-presidente Dilma Rousseff. Antecipar receitas que viríam ao longo de anos
para reduzir a conta de luz foi a essência da Medida Provisória 579 e quase
quebrou a Eletrobras. Depois de uma queda de 20% nas tarifas em 2013, o
resultado final foi um aumento médio de 50%, anunciado assim que a reeleição
foi garantida. A homenagem bolsonarista à ex-presidente ainda pode dar força ao
discurso lulopetista contrário às privatizações e que encontra eco em parte do
Tribunal de Contas da União (TCU): o dinheiro a ser levantado na privatização
da Eletrobras renderá aos consumidores o suficiente para bancar o buraco negro
dos subsídios por apenas um ano. Nesse sentido, um tarifaço em 2023 não é uma
possibilidade, mas uma certeza, reforçada por articulações em torno do projeto
da Câmara que têm deixado implícita a intenção de não romper contratos nem
cancelar os reajustes das distribuidoras, mas somente congelá-los
temporariamente, autorizando sua vigência logo depois da apuração das urnas.
É impressionante o vazio de
idéias e o elogio ao erro que marcam o casamento entre o bolsonarismo e o
Centrão. O remédio mais eficaz para conter os preços como um todo seria resgatar
a credibilidade da política fiscal, maior vítima dessa estratégia eleitoral
suicida. É esse o papel que cabe ao Executivo. Remando sozinho contra a maré, o
Banco Central (BC) é a única instituição verdadeiramente preocupada em impedir
a escalada da inflação. Enquanto o BC sobe os juros, o governo boicota a
autoridade monetária ao aumentar as incertezas com um arsenal de medidas
populistas, onerosas e, pior, inúteis.
Jornal O Estado de S.
Paulo
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