Em meio ao clima de polarização política e social no Brasil, é difícil encontrar denominadores comuns. Um deles parece ser o compartilhamento de piadas do Sensacionalista.
Embora tenha sido fundado em 2009, o site satírico viu sua popularidade disparar com a crise política e hoje se transformou em uma rara razão para risadas dos dois lados do espectro político. Manchetes fictícias não poupam autoridades. Vão de críticas à presidente: "Com Lula no governo, Dilma pede dicas a Temer de como ser vice decorativo". E também à oposição: "PSDB e PMDB encomendam novos armários para engavetar tudo".
Polarização
"Nunca foi a intenção da gente confundir as pessoas. O site surgiu justamente para fazer humor, uma coisa de moleque, inspirado pela (revista satírica americana) The Onion. E certamente a gente não tinha qualquer intenção de fazer algum tipo de protesto. Fiquei extremamente surpreso com o volume que a coisa tomou", diz em entrevista à BBC Brasil, o jornalista e escritor Nelito Fernandes, criador do Sensacionalista.
Fernandes lembra exatamente de como a sorte do site começou a mudar. Durante a campanha eleitoral de 2014, a TV Globo entrevistou os candidatos. Após uma dura entrevista do apresentador do Jornal Nacional, William Bonner, com a presidente Dilma Rousseff, o site publicou a manchete irônica: "Após entrevista com Dilma, Bonner aparece com 20% das intenções de voto".
"Naquele momento, a gente tinha no máximo 4 mil visitas por dia, mas durante a campanha isso saltou para 30, 40 mil. Hoje, está na casa de 300 mil. Essa crise é péssima para o Brasil, mas foi ótima para a gente."
Hoje, o Sensacionalista conta 2,3 milhões de seguidores no Facebook. O site tem, segundo Fernandes, 11 milhões de visitantes únicos por mês e 25 milhões de visualizações. Números que impressionam até em comparação com veículos "reais" de mídia brasileiros. Além do momento propício, o criador do site acredita que o sucesso é resultado de uma política "todo mundo é um alvo e ninguém está a salvo". Especialmente no campo político.
"Temos a preocupação de sermos imparciais nas piadas. Gosto de dizer que oSensacionalista é contra todos, só não sabemos quem. Quando atingimos um milhão de seguidores, a gente fingiu que iria fechar o site para se aposentar em alta e pediu a várias celebridades que gravassem um vídeo sobre a gente. Umas das pessoas que toparam foi o (prefeito do Rio) Eduardo Paes, que criou uma notícia falsa de que o site seria declarado patrimônio da cidade. A gente adorou, mas imediatamente começou a bater nele", conta o fundador.
Mas o foco não é só político. Entre os posts mais bem-sucedidos do site, estão uma piada com a inflação: "Real terá novo animal estampado na cédula: Ja vali" e outra com a menor atenção dada à crise na saúde: "Aedes aegypti pede para ser citado em delação para voltar ao noticiário".
Além de Fernandes, outras três pessoas se encarregam da produção de conteúdo para o Sensacionalista: Leonardo Lanna e Martha Mendonça, que assim como Fernandes trabalham como roteiristas de programas humorísticos da TV Globo, e o jornalista Marcelo Zorzanelli – este, o único que trabalha exclusivamente para o site. Apesar da popularidade, as receitas do Sensacionalista, segundo Fernandes, vêm apenas da venda de anúncios via Google e a produção de editoriais bem-humorados para clientes corporativos.
"Preciso levar uma vida de hábitos frugais, mas ao menos tenho prazer com o que faço. Se a gente focasse em uma pegada mais comercial, o site perderia a graça. Hoje, temos uma liberdade editorial que não existe em lugar nenhum do Brasil. Não precisamos beijar a mão de ninguém ou nos preocupar com o lucro", diz Zorzanelli.
No entanto, a turma do Sensacionalista percebeu uma chance de capitalização e, no dia 1º de abril, lançará em livro uma antologia das melhores piadas do site. Bem ao estilo da trupe, o livro se chama Pagar por um Livro que Está na Internet É Sinal de Genialidade, Dizem Especialistas (editora Belas-Letras).
Fernandes e Zorzanelli admitem que o sucesso trouxe o que se pode chamar de um pouco mais de responsabilidade para o site. Mas Fernandes afirma que o acirramento dos ânimos no Brasil serve como estímulo para mais piadas.
"O momento é de muito estresse e tensão e isso faz com que as pessoas às vezes não enxerguem as bobagens de cada lado. E, como muita gente está com a guarda levantada, a mensagem chega mais fácil se vier na forma de humor. Queremos provocar uma reflexão, mas também somos extremamente bobos", conta.
"A gente tem que concorrer com a realidade, está ficando mais difícil fazer piada", acrescentou Zorzanelli ressaltando o bom humor com que observa a crise política atual.
Diante do teor pouco politicamente correto de algumas postagens, é de se imaginar que alvos do Sensacionalista por vezes expressem sua insatisfação publicamente, inclusive com processos na justiça. Não parece ser o caso na prática. Segundo a equipe, o site foi processado uma única vez, depois de um post em que ironizaram o deputado federal Marco Feliciano (PSP-SP), líder evangélico conhecido por posições polêmicas em questões como os direitos dos homossexuais.
"Quando o casamento gay foi aprovado nos Estados Unidos, escrevemos que o Feliciano, em protesto, deixaria de importar cosméticos dos EUA. Ele tinha sido personagem de algumas piadas bem mais fortes da gente, mas ficou extremamente irritado com uma que a gente nem tinha achado tão engraçada assim. Mas ele perdeu o processo em todas as instâncias", conta Zorzanelli.
O conteúdo do site obedece ao que a equipe chama de "esquema de assembleia": as piadas precisam ser aprovadas por maioria simples para entrar no site. E nem sempre a unanimidade é garantia da popularidade de uma manchete. Na verdade, Fernandes & cia continuam se surpreendendo: no ano passado, uma paródia dos vídeos produzidos pelo Facebook para o Dia do Amigo, montada em "homenagem" ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi compartilhada 246 mil vezes na rede social.
"A melhor evidência de que estamos fazendo a coisa certa é que gente de todas as tendências políticas acusa a gente de pertencer ao outro lado. E a gente não parece que vai sofrer tão cedo com falta de material para as piadas", finaliza Fernandes.
Por Fernando Duarte, da BBC Brasil em Londres
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